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6. O Democrático e as representações de Vila do Conde

6.3. Principais melhoramentos e reivindicações locais

6.3.5. Água potável e saneamento básico

O Democrático, fiel à sua luta pelo progresso local, considerava que Vila do

Conde precisava de efetuar as necessárias avaliações preliminares de estudo sobre mananciais, captação, obras a realizar e encargos a tomar (entre outras matérias) para que se tornasse financeiramente possível avançar com o tão urgente projeto de abastecimento de águas no município377.

O periódico acreditava que os assuntos água e saneamento estavam intimamente ligados, devendo os dois melhoramentos ser conjugados, pois tal se revelaria vantajoso sob o ponto de vista tanto humanitário como económico. No âmbito do primeiro, defendia que era essencial consumir água de boa qualidade e em quantidade suficiente, medida que não se aplicava unicamente ao consumo humano mas também à manutenção de boas práticas de higiene, como por exemplo as lavagens dos esgotos: “ao mesmo tempo que se emprega [a] um serviço de saneamento, senão perfeito, pelo menos que limpe a sua habitação do depósito permanente das imundices que acumula de resultantes várias”. Recordava os leitores de que as noções de higiene “dos nossos avós”, nomeadamente do uso das retretes sem qualquer preocupação de salubridade, já não se aplicavam aos modelos sociais de 1920. Assim, evidenciava que em “matéria de saneamento”, Vila do Conde vivia “ainda num atraso espantoso”, potenciado pela “indolência a dominar o espírito do homem” e que ia seguindo de “geração em geração”. No tocante ao investimento financeiro, o jornal demonstrava compreensão perante a falta de capital para gastos de grande envergadura, mas insistia que mesmo sem os meios monetários não se podia deixar de divulgar estes assuntos e procurar as soluções mais rentáveis e eficientes. Tornava-se, de facto, fundamental “fazer os estudos prévios necessários, conjugando os melhoramentos água e saneamento de construção simultânea”, pois acabaria por ser um investimento mais económico, visto que se “atacariam” dois problemas numa só obra. Para que tal evoluísse da mera ideia para o papel, o jornal incentivou a criação de uma “comissão de melhoramentos e interesses da terra” que efetuasse “o estudo completo dos

melhoramentos a realizar no concelho” que “deviam ter execução quando as condições financeiras do município permitissem”378.

Em 1929, como já foi referido no ponto anterior, a autarquia conseguiu contrair um empréstimo no valor de 1.500.000$00, destinado ao abastecimento de água e eletricidade para as freguesias do concelho379. Porém, não se verificaram – durante anos

– desenvolvimentos dignos de registo no que diz respeito ao projeto de construção da rede de saneamento e águas públicas. Este assunto voltou a ser novamente debatido n’O

Democrático em 1934, quando o jornal informou que um engenheiro, António Carlos

Corte-Real, havia estudado bem o caso das águas, elaborando um projeto que seria remetido às entidades competentes. Conhecia-se agora o plano de ação que regeria a captação das águas do Rio Ave destinadas ao consumo público. Numa fase inicial, “só a vila propriamente dita” é que seria “abastecida de água do Ave. As Caxinas e Poça da Barca” sê-lo-iam mais tarde, assim que “as condições financeiras do município” o possibilitassem. Complementarmente, o jornal acreditava – com base nos estudos realizados – que estas duas últimas localidades mencionadas poderiam, mais fácil e rapidamente, ver-se fornecidas de água pública se a vizinha Póvoa de Varzim decidisse também investir neste melhoramento a par com Vila do Conde380.

De forma a esclarecer os leitores, o jornal apresentou detalhadamente o projeto que estaria no momento a ser ponderado. Efetivamente, a captação da água seria feita no subsolo do Rio Ave “por meio de um poço filtrante, capaz de receber água a 10 metros de profundidade, num areal situado a cerca de 300 metros a montante do açude de Retorta”. Este poço seria revestido em cimento e dotado de um “tubo de ferro de 30 centímetros de diâmetro, perfurado na parte inferior” e ligado ao “tubo de pesca” que lhe serviria de eixo através de uma falange. “O espaço entre a parede do poço e o tubo perfurado” seria “cheio de areia fina” de forma a garantir a eficaz filtração da água captada. Posteriormente, a água seria elevada “por meio de uma bomba centrífuga até à antiga cisterna do Convento de Santa Clara” que seria convenientemente modificada de forma a servir as novas necessidades. Ficava também garantida a sua depuração,

378 “Melhoramentos locais. Água e saneamento”. O Democrático, nº 626, 28/05/1926, p. 1. 379 “Empréstimo municipal”. O Democrático, nº 775, 13/07/1929, p. 2.

alcançada por via de recurso a um “cloro gasoso”, “sendo a aparelhagem montada na Central Elevatória”. Para a sua distribuição, instalar-se-iam “tubos de ferro garantindo o fornecimento de 105 litros por habitante em menos de 12 horas, havendo uma disponibilidade desde logo de 410 metros cúbicos para os 3.937 habitantes da vila”. O reservatório instalado em Santa Clara poderia ainda ser facilmente ligado ao de Alto de Pega, ficando este a funcionar como reservatório complementar. Caso a Póvoa de Varzim embarcasse neste projeto, seria construído outro reservatório, “formando assim um conjunto de três reservatórios, um principal e dois complementares”. Por último, e de maneira a facilitar ainda mais o acesso da população, seriam instalados fontanários em vários lugares públicos. Feitas as contas a esta obra, o orçamento ficava em 250 contos, “esperando-se que o Governo da Ditadura, pelo Fundo do Desemprego”, providenciasse a devida assistência financeira. Quanto ao preço da água, o jornal esperava que a autarquia deliberasse com sensatez, tendo a conta que a população da vila era na sua maioria pobre381.

A apresentação do projeto terá surtido alguns efeitos positivos, visto que o jornal elucidou que “a vizinha Póvoa” parecia “querer entrar numa nova fase para uma rápida resolução”. Segundo a imprensa da Póvoa de Varzim, a Câmara Municipal estaria disposta a negociar com a autarquia vila-condense uma solução para “o problema de abastecimento de água para consumo público”, pois reconhecia que “da unificação dos projetos” resultariam “vantagens económicas apreciáveis” que muito influenciariam “no custo geral das obras a executar”, que seria dividido pelas duas Câmaras interessadas382.

No entanto, avanços concretos na resolução de tão importante melhoramento tardavam. Apenas nos inícios de 1935, o semanário adiantava que já recebera informações que confirmavam encontrar-se “pronto a ser enviado ao Ministro das Obras Públicas o projeto de abastecimento de água a captar do subsolo do Ave” em conjunto com a Póvoa de Varzim383. Ainda nesse ano, a Câmara Municipal fez abrir um concurso para a realização

das obras necessárias para a captação das águas, ao qual concorreram várias entidades portuenses: a Fundição do Bom Sucesso, a Alexandrino Limitada e a Companhia Aliança

381 “A magna questão do abastecimento de águas”. O Democrático, nº 997, 03/02/1934, p. 2. 382 “Água”. O Democrático, nº 1002, 16/03/1934, p. 2.

(Fundição de Massarelos) que apresentaram as propostas de 599.995$00, 570.000$00 e 568.500$00, respetivamente. Este desenvolvimento era tido como um bom impulso, visto que se verificava o interesse de várias empresas competentes na área de águas públicas e saneamento. No entanto, o jornal mostrava apreensão relativamente ao elevado valor das propostas apresentadas que, quando a instalação estivesse completa, só resultaria em que a água fosse muito cara, no valor de cerca de 1$70 por metro cúbico, “preço assaz elevado para o viver pobre da grande maioria dos habitantes vila-condenses”384.

Não obstante as suas preocupações, o semanário continuava a abordar o processo de escolha de uma empresa para adjudicação das respetivas obras. Tendo em conta os números apresentados, a proposta mais favorável provinha da Fundição de Massarelos. Contudo, “algumas dúvidas surgiram a respeito de preferências”, pois havia quem se inclinasse “a favor da proposta de Alexandrino, Limitada”. É importante mencionar que o jornal não esclareceu em que aspetos se basearam estas “preferências”, portanto, neste caso, só se pode especular relativamente aos motivos de indecisão. Tratar-se-ia de bons resultados em trabalhos anteriormente executados, de especificações dos planos apresentados ou até de interesses pessoais entre autarcas e as próprias empresas? Todavia, como referido, o periódico não forneceu quaisquer dados que permitam confirmar nenhuma das hipóteses. Ficou apenas garantido que seria entre aquelas duas propostas que se centraria o debate385.

Após a necessária deliberação, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal “tomou a resolução de anular o concurso para as obras do abastecimento de águas desta vila, concurso que se realizou há pouco e ao qual concorreram três casas industriais do Porto”. A causa do anulamento prendia-se com “o preço elevado que acusava a proposta mais favorável apresentada pela Fundição de Massarelos”386. Neste seguimento,

procedeu-se à abertura de um novo concurso e rapidamente apareceram novas propostas. Desta vez, a Companhia Aliança (Fundição de Massarelos) concorria com a quantia de 499.500$09 e a Alexandrino Lda. com duas propostas, uma de 509.092$93, acrescidos

384 “Um problema momentoso”. O Democrático, nº 1060, 18/05/1935, p. 2-3.

385 “Abastecimento das águas. O concurso para adjudicação das respetivas obras”. O Democrático, nº 1061,

24/05/1935, p. 3.

do custo de montagem mais 30.090$00. Surgia também uma nova proposta da Corporação Mercantil Portuguesa Lda. de Lisboa, que avançava com uma proposta apenas para o fornecimento e colocação de tubagem por 326.371$00387.

Verifica-se, uma vez mais, que a proposta mais favorável partia da Fundição de Massarelos e “num quantitativo inferior ao antecedente concurso”. A Câmara Municipal encontrar-se-ia em processo de deliberação e tanto a população como a imprensa periódica aguardavam uma decisão célere388. Mas, como já vinha sendo recorrente e

continuaria a ser no que diz respeito a outros melhoramentos, a chegada a um consenso tomava tempo precioso. Não sendo conhecida ainda nenhuma decisão da autarquia, o jornal relatava que aumentavam cada vez mais as filas nas fontes públicas, das quais a população se servia para se abastecer de água. A frustração d’O Democrático era evidente: “E pensou-se por momentos no princípio deste ano que no verão de 1935 se tinha o crónico problema de abastecimento de águas à nossa terra resolvido”, mas que “forte macaca persegue a nossa terra”389.

Apesar dos avanços e recuos, em agosto de 1935 a Câmara Municipal decidiu adjudicar à Alexandrino Lda. “a empreitada dos trabalhos a realizar” e, garantindo que preenchidas certas formalidades, o município teria em pouco tempo acesso a verbas do Estado390, iniciaram-se as “obras de abertura de trincheiras para a canalização”. Estas estender-se-iam, logo em novembro de 1935, “desde o poço filtrante pelas Avenidas Dr. Bernardino Machado e Figueiredo Faria”, encontrando-se na vila “um fiscal da Administração dos Serviços Hidráulicos” para assistir ao “assentamento da canalização”. Previa-se a conclusão das obras para outubro de 1936391. Porém, chegada essa data, já só no ano seguinte se esperava ter água potável em toda a vila392. Eventualmente o objetivo

seria alcançado e Vila do Conde ver-se-ia abastecida “de água com abundância, livrando- se a população do pingue-pongue dos marcos fontenários da época da estiagem”393.

387 “Águas”. O Democrático, nº 1063, 21/06/1935, p. 4.

388 “O concurso para as obras de abastecimento das águas”. O Democrático, nº 1064, 28/06/1935, p. 3. 389 “Falta de água”. O Democrático, nº 1068, 26/07/1935, p. 3.

390 “O abastecimento da água. A sua solução”. O Democrático, nº 1073, 30/08/1935, p. 2. 391 “Interesses locais. Abastecimento de água”. O Democrático, nº 1084, 15/11/1935, p. 2. 392 “Mais um balanço”. O Democrático, nº 2029, 23/10/1936, p. 1.