• Nenhum resultado encontrado

Reorganização e aproveitamento das potencialidades das feiras locais

6. O Democrático e as representações de Vila do Conde

6.3. Principais melhoramentos e reivindicações locais

6.3.7. Reorganização e aproveitamento das potencialidades das feiras locais

O único problema apontado às feiras em Vila do Conde pel’O Democrático foi o facto de, em pleno ano de 1927, a autarquia ainda não ter estipulado um dia da semana fixo para a sua realização.

O jornal recordou que esta iniciativa de fixação de um dia da semana para a realização das feiras já havia estado (há cerca de cinco, seis anos) na linha de trabalhos da Associação Comercial local. Porém, nada havia ficado estipulado. Neste contexto, e perante um assunto considerado pertinente e significativo para o município, decidiu debatê-lo nas suas colunas. A seu ver, e como era do conhecimento de todos aqueles que tinham interesses ligados com as feiras, a segunda-feira era o dia menos favorável, uma vez que era exatamente esse dia que, durante o ano, maior número de feiras tinha. Por outro lado, quando as feiras aconteciam “na quarta ou quinta-feira” eram “prejudicadas pelas feiras de Famalicão e Barcelos”, quando era certo “que se o dia fosse fixado e escolhido” tal não se ocorreria. Considerando estes argumentos, o semanário esperava que tanto a Câmara Municipal como a Associação Comercial retomassem o assunto e chegassem a uma resolução favorável404.

Tal como se tem visto a propósito de outros assuntos de promoção regional em que O Democrático interveio de forma participativa e persistente, também neste domínio avançou com ideias assertivas no sentido de conciliar vários interesses e alcançar a melhor solução para a vila. Elucidou que os dias da semana que mais convinham “eram o de sexta-feira ou sábado, em vista de nesses dias não haver feiras em terras próximas […]

403 “O porto de Vila do Conde”. O Democrático, nº 978, 15/09/1933, p. 2. 404 “As feiras na nossa terra”. O Democrático, nº 666, 08/04/1927, p. 2.

mas optando mais pelo sábado porque na sexta ia prejudicar algumas classes, nomeadamente a dos marchantes”. Argumentava que todos os comerciantes das várias áreas, nomeadamente do gado, estavam de acordo com esta medida e estavam “prontos a subscrever com importâncias para custear as despesas a fazer com a propaganda”. Nesta conformidade, restava apenas que as entidades competentes tomassem as devidas providências405.

Reforçando ainda mais a sua posição, o periódico revelou que estabelecera contacto com dois feirantes (negociantes de gado) que reconheciam a importância de ter um título da imprensa local a batalhar por este assunto com tanto afinco e, de forma a fazer ver verdadeiramente a sua vontade, entregaram um “abaixo-assinado de todos, ou quase todos os colegas, apoiando a fixação da feira em dia certo da semana”, ou seja, ao sábado406.

Complementarmente, o jornal abordou a posição de outros semanários locais relativamente às feiras e debateu os seus pontos de vista. A União, por exemplo, concordava com a fixação semanal mas tinha “medo” que as alterações não surtissem os efeitos desejados. Contudo, O Democrático defendia que esta hesitação podia ser facilmente dissipada assim que se ouvissem os feirantes que estavam de acordo nesta matéria407. No lado oposto, encontrava-se A República, que rejeitava a fixação semanal das feiras. Quanto a este colega de imprensa, aliás semelhante em muitas reivindicações,

O Democrático declarava respeitar diferentes opiniões, porém não encontrava validade

efetiva em nenhum dos seus argumentos, afirmando que era por puro “conservadorismo” que discordava, visto não apresentar quaisquer “contras” à proposta de fixação408.

Posto isto, O Democrático fazia o ponto da situação quanto a este tema, mostrando os primeiros avanços no debate levado a cabo pelas várias partes:

Pelo extrato da assembleia realizada na última quarta-feira […] na Associação Comercial, os sócios daquela coletividade resolveram quase por unanimidade que as feiras nesta terra sejam em dia fixo, e de preferência ao sábado, deixando,

405 “As feiras na nossa terra”. O Democrático, nº 669, 29/04/1927, p. 2. 406 “As feiras na nossa terra”. O Democrático, nº 670, 06/05/1927, p. 2. 407 “As nossas feiras”. O Democrático, nº 670, 06/05/1927, p. 2. 408 “As nossas feiras”. O Democrático, nº 671, 13/05/1927, p. 2.

contudo, aos feirantes, a livre indicação do dia, visto serem eles os maiores interessados e, portanto, juízes da causa. O Sindicato Agrícola, respondendo à consulta feita pela Associação Comercial, é também pela fixação409.

Após aparente consenso a favor do dia fixo, a discussão passou a girar em torno do dia da semana a escolher, pois após a reunião na Associação Comercial, as opiniões dividiam-se: feiras à sexta-feira ou ao sábado?410

No entanto, a obtenção de um acordo seria demorada. Apenas nos inícios de 1929, a Câmara Municipal, “interpretando bem a necessidade de, a bem dos interesses do comércio local, fixar esses dias”, convidou “as direções da Associação Comercial e do Sindicato Agrícola a comparecerem” nas suas instalações para, em conjunto, “tratarem de tão importante assunto”. Ficou decidido que as direções de ambos os organismos convocassem, “no mais curto prazo de tempo, a reunião dos seus associados para se manifestarem sobre o assunto” com vista a, posteriormente, a Câmara aprovar uma decisão. No cumprimento desta decisão camarária, a Associação Comercial realizou o evento e enviou convites para todo o comércio e indústria do concelho se reunir em sessão magna no Teatro Afonso Sanches, a fim de resolver a fixação dos dias de feira411. Nessa reunião convocada pela Associação Comercial compareceu um “grande número de comerciantes e industriais”, embora não se tratasse do número que se esperava, tendo em conta a importância da questão. Ainda assim, a grande maioria escolheu fixar a realização das feiras à sexta-feira. Ficava a faltar o veredicto dos “restantes interessados”, que se reuniram pouco depois, “a convite do Sindicato Agrícola”412. Nesse encontro, “61

lavradores e feirantes votaram que as feiras não sofressem alteração” do que estava, “e 48 pela fixação”. O Democrático hesitou relativamente a este resultado, não tendo a certeza se tal votação traduzia “bem a vontade da grande maioria da gente” que concorria às feiras, por achar “insignificante o número de votantes”. Com efeito, muitos dos feirantes não compareceram, pois a reunião coincidiu com o dia de feira em Famalicão413.

409 “As nossas feiras”. O Democrático, nº 672, 21/05/1927, p. 2. 410 “As nossas feiras”. O Democrático, nº 673, 28/05/1927, p. 2. 411 “Feiras!”. O Democrático, nº 755, 09/02/1929, p. 1.

412 “Feiras!”. O Democrático, nº 756, 22/02/1929, p. 4. 413 “Feiras!”. O Democrático, nº 757, 01/03/1929, p. 4.

Os anos passavam e o assunto das feiras mantinha-se sem fim à vista. Apenas em 1934 se chegou verdadeiramente à fixação. Após uma nova intensa ronda de deliberações, tendo em conta que “quase todos os dias da semana” estariam já comprometidos com os mercados que se realizavam “em povoações próximas” da vila e porque o último dia da semana ativa de trabalho não convinha à maioria414, foi escolhida a sexta-feira para o dia

de realização das feiras em Vila do Conde. Escorado no sentimento de missão cumprida, o jornal aplaudiu a resolução aprovada pela Câmara Municipal relativamente a uma reivindicação que se arrastava desde 1927. Estava agora aberto o caminho para o sucesso das feiras no município415.

6.3.8. “O Hospital vai fechar?”416

Ao longo deste decénio, foi evidente o desassossego e preocupação d’O

Democrático no que diz respeito ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Vila do

Conde. Esta instituição de solidariedade encontrava-se desprovida dos fundos e apoios necessários para o eficaz tratamento dos doentes, com risco efetivo de encerramento dos seus serviços. Honrando a sua luta pelos interesses locais, o semanário insistia que tanto a autarquia como a população não podiam negligenciar o apoio ao hospital, pois um município sem a dotação de cuidados de saúde básicos – dirigidos, neste caso, principalmente aos mais necessitados – não poderia proliferar.

Era efetivamente “precária”, em 1927, a situação do hospital. “Devido à falta de recursos” com que vinham “lutando a Santa Casa da Misericórdia, a Mesa Administrativa reuniu” em conjunto com o Administrador do Concelho e o Presidente da Câmara Municipal. Neste encontro, o Provedor da Misericórdia expôs a situação extremamente vulnerável da instituição, assegurando ser impossível continuar com as portas abertas, caso não recebesse “qualquer auxílio” com que pudesse “fazer face às despesas avultadas com a sustentação de doentes e fornecimento de remédios aos pobres das Caxinas e Poça da Barca”. O jornal acrescentou, nessa altura, que os responsáveis da autarquia

414 “As nossas feiras: a necessidade que há de as fazer rejuvenescer e de as fazer prosperar”. O Democrático,

nº 1017, 29/06/1934, p. 1.

415 “As nossas feiras”. O Democrático, nº 1021, 03/08/1934, p. 3. 416 “O Hospital vai fechar?”. O Democrático, nº 648, 13/11/1926, p. 2.

compreenderam a urgência deste apelo, “prometendo tratar deste magno assunto com todo o interesse”417.

Todavia, as queixas que se continuaram a ouvir cimentarão um lugar quase permanente nas linhas do periódico, visto que as complicações não se dissiparam. Apesar de a Câmara Municipal se encontrar perfeitamente notificada da forte possibilidade de encerramento do hospital, o município “boceja com a maior indiferença”. Adicionalmente, surgiu outra inquietação relativamente aos subsídios do Estado. O jornal referiu a “promessa” do Ministro do Interior “de beneficiar” as casas de caridade “com 5% das contribuições diretas do Estado” mas, se perdurassem as rigorosas políticas económicas de Oliveira Salazar, temia-se que tal nunca viesse a acontecer. Perante este cenário, alertava-se a população para que não deixasse exclusivamente nas mãos do Estado os garantes da sobrevivência do hospital e efetuasse ações de solidariedade e doações por iniciativa própria418.

Alguns dos expedientes que iam conseguindo travar a hipótese de encerramento do hospital eram tanto a ação benemérita de certos vila-condenses com posses, como a organização de iniciativas de angariação de fundos a favor da instituição. Repare-se, por exemplo, no caso de Delfim Ferreira, um “importante industrial” que, pelo Natal de 1928, fez distribuir 1200$00 em donativos por várias instituições do município, tocando 200$00 ao Hospital da Misericórdia419. Outra doação mais avantajada – 1000$00 – chegou pelas mãos de António Fernandes da Costa420. A intenção do jornal ao divulgar tais doações era clara: efetuar um agradecimento público aos doadores e, ao mesmo tempo, incentivar a população a proceder desta maneira para se garantir a sobrevivência do hospital421.

No que diz respeito a ações de solidariedade organizadas pela população, destacou-se a chamada “Hora da Misericórdia”, uma espécie de jornada de beneficência, começada em 1930. Um grupo de mulheres da vila (o jornal faz questão de publicar os seus nomes completos) juntou-se em colaboração com a Mesa da Misericórdia e lançou-

417 “Hospital”. O Democrático, nº 739, 13/10/1928, p. 1. 418 “O Hospital”. O Democrático, nº 741, 27/10/1928, p. 4. 419 “Benemerência”. O Democrático, nº 749, 22/12/1928, p. 1. 420 “Para o nosso hospital”. O Democrático, nº 779, 10/08/1929, p. 2.

421 Os exemplos de divulgação deste tipo de donativos preencheriam as colunas de O Democrático até ao

final do decénio. Encontram-se, para além das supracitadas, outras referências a doações nas edições 817, 819, 835, 836, 838, 841, 844, 847, 905, 928, 944, 1043, 1049 e 1065.

se na recolha de donativos junto da restante população422. O balanço afigurou-se mais positivo do que o esperado, na medida em que foi angariado um total de 5.710$00423. Tendo em conta o seu sucesso, esta iniciativa continuou nos anos seguintes. Em 1931, o resultado foi novamente positivo – embora o montante alcançado tenha ficado aquém do de 1930, em consequência da crise do trabalho que assoberbava a sociedade – cerca de 4.000$00 reverteram a favor do hospital424. Em 1932, a colheita não se revelou “tão farta

como era de esperar, devido talvez à grande crise” que o povo atravessava, tendo o valor angariado rondado os 2.250$00425. No ano seguinte, o montante recolhido subiu para

10.181$00, saldo aplaudido pelo periódico, pois a “população correspondeu […] ao apelo da Mesa” que estava “a presidir aos destinos da Misericórdia”, acorrendo às doações para esta iniciativa que tomava, a partir deste ano, a designação de “Semana da Misericórdia”426.

O que não passava inicialmente de um mero peditório, tornou-se numa importante campanha anual, com a duração de sete a oito dias, que cumpria um programa bem traçado de atividades lúdicas e culturais, em que se destacavam os concertos, “comes e bebes” e os mais variados espetáculos de entretenimento, contando com a atuação, por exemplo, dos Ranchos da Praça e do Monte427.

No ano de 1934, o mais profícuo de todos os estudados, foram angariados cerca de 30.000$00428 e, tanto em 1935429 como em 1936430, o montante arrecadado rondou 15.000$00.

Efetivamente, os fundos angariados por estas iniciativas apenas durante 1930- 1931, a par de outros donativos resultantes de ações de benemerência e peditórios pelo concelho, permitiram que a edição de O Democrático de 4 de dezembro de 1931 abrisse

422 “Para o nosso Hospital: Hora da Misericórdia”. O Democrático, nº 805, 28/02/1930, p. 2. 423 “O nosso hospital”. O Democrático, nº 806, 08/03/1930, p. 1.

424 “Hora da Misericórdia”. O Democrático, nº 860, 17/04/1931, p.1-2. 425 “Pelo Hospital”. O Democrático, nº 939, 02/12/1932, p. 4.

426 “Semana da Misericórdia”. O Democrático, nº 980, 29/09/1933, p. 2.

427 “Para o Hospital – interessantes festas da Semana da Misericórdia”. O Democrático, nº 1025,

31/08/1934, p. 2.

428 “A Semana da Misericórdia terminou com esplêndidos resultados para o Hospital de Vila do Conde”. O

Democrático, nº 1027, 14/09/1934, p. 4.

429 “Ainda as festas da Misericórdia”. O Democrático, nº 1076, 20/09/1935, p. 2.

com um artigo em que se descreviam as obras de melhoramento realizadas no hospital. Efetuou-se uma modernização massiva ao edifício, com uma nova sala de operações (“com requintes de higiene e senso prático”), “enfermarias magníficas cheias de ar e luz”, consultórios médicos a estrear e quartos para doentes totalmente atualizados. O entusiasmo era evidente e até se convocava uma inauguração oficial, com direito a banquete e devidos agradecimentos aos beneméritos que tornaram a obra possível431.

Sem querer desvalorizar o sucesso atingido pelas iniciativas de solidariedade mencionadas e as obras de requalificação efetuadas, a verdade é que nem os donativos nem as alterações executadas na edificação do hospital eram suficientes para a manutenção do mesmo. Neste contexto, o semanário criticou duramente a falta e má distribuição de subsídios às instituições de caridade por parte do Estado. Em março de 1932, considerava irrisórias as quantias distribuídas pelas casas de caridade do concelho relativas ao primeiro semestre do ano económico em questão. Ao Hospital da Misericórdia foram atribuídos 6.375$00, ao Asilo da Ordem Terceira de S. Francisco, 3.400$00 e à Misericórdia de Azurara, 425$00 – o que perfazia um total de 10.200$00 em subsídios estatais. Ao estabelecer uma comparação relativamente ao valor dos subsídios concedidos à vizinha Póvoa de Varzim432, que quase triplicavam os destinados à vila, o jornal interrogava-se se a assistência pública a Vila do Conde não passaria apenas de um mito, sendo largamente conhecidas as dificuldades que as referidas casas de caridade então enfrentavam. Num tom irónico, O Democrático afirmava que, provavelmente, a única maneira de conseguir mais subsídios por parte do Diretor da Assistência Pública era fazer inaugurar nas salas das instituições um retrato do mesmo, na esperança que desse “resultado, como já foi feito em outras terras”433. Nos anos de

431 “Uma obra notável”. O Democrático, nº 890, 04/12/1931, p.1-4.

432 Ao Hospital da Póvoa de Varzim foram concedidos 20.550$00; à A Beneficente, 2.100$00; à

Convalescente de Beiriz, 3.400$00; à Beneficência em Rates, 300$00; à Associação de Caridade, 500$00 e à Casa de Pescadores, 850$00 – portanto, um total de 27.700$00. Cf. “A Assistência Pública e as nossas Casas de Caridade”. O Democrático, nº 902, 04/03/1932, p. 2.

1933434 e 1934435, a distribuição dos subsídios era novamente considerada absurda, principalmente, e uma vez mais, quando efetuado o cotejo com o que havia sido atribuído a outros concelhos com menos habitantes.

Em janeiro de 1933, no que diz respeito à autarquia e em matéria de assistência, a Câmara Municipal fez aprovar uma série de propostas apresentadas numa sessão realizada no encerrar do ano findo com objetivo de apoiar as casas de caridade locais no difícil momento de crise que então atravessavam. Basicamente, estas determinações consistiam na criação de um imposto extra – entre 10 e 20 centavos – sobre cada quilograma de carne, o qual reverteria a favor das instituições responsáveis pelos cuidados de saúde e bem-estar dos vila-condenses436.

Apesar de todas as medidas aplicadas e da forte campanha que o periódico efetuou a favor das instituições hospitalares e de cuidado de doentes pobres e idosos, o balanço não deixava de ser negativo – os recursos continuavam a ser escassos, a prestação de cuidados de saúde para todos estava longe de ser assegurada e os apelos à solidariedade continuavam:

Quem, com olhos de ver e coração de sentir, estiver atento à miséria que vai pela nossa terra e ao número sempre crescente de pessoas que enfermam e se encaminham para a misericórdia a fim de requererem lenitivo aos seus infortúnios, não poderá ficar insensível a tanto mal, a tanta desdita, a tanta dor437.