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Capítulo II. Formação de professores: tendências atuais

2.3. A ênfase na formação continuada

Dentre as mudanças culturais que tem sido constantemente apontadas por diversos autores e estudiosos, estão a mudança na relação entre a formação e o trabalho e as novas relações sociais com o saber, na nova sociedade. De uns anos para cá, tem se encontrado muito presente nos discursos sobre a educação e o mundo do trabalho a afirmação de que os conhecimentos adquiridos por uma pessoa durante o processo de sua formação tendem a se tornar obsoletos no decorrer de sua vida e de sua carreira (LÉVY, 1999, p. 175). As velozes transformações no mundo dominado por tecnologias cada dia mais complexas e avançadas exigiria, portanto, a constante atualização dos conhecimentos profissionais. Por outro lado, reitera-se a centralidade do saber e da produção de conhecimentos na nova forma de organização social. Nela, a informação e o conhecimento estariam em toda a parte, não mais se restringindo aos muros das instituições tradicionais de educação. Assim, aprender a

aprender é o mote conhecido e, quase sempre, reconhecido como mobilizador das transformações na educação do século XXI. Aliando-se o fim da separação entre educação e

trabalho e a valorização da aprendizagem em tempo e espaço ampliados, ganham cada vez mais destaque o conceito de educação permanente e os projetos de formação continuada.

Assim, a formação continuada ganha o estatuto de solução para (quase) todos os problemas da educação. Sendo assim, a ênfase na educação permanente ou na formação continuada pode ser entendida de duas maneiras: como parte das recomendações que visam adaptar o trabalhador às novas exigências do mercado ou como uma estratégia legítima de atualização e aperfeiçoamento da atuação profissional. No que tange especificamente à formação dos professores, já se apontou a confusão possível entre esses dois pontos de vista, de forma a resultar na substituição da formação inicial sólida pelos cursos aligeirados de “capacitação” ou, ainda, na adaptação dos profissionais do magistério às reformas educacionais conformadas ao projeto neoliberal.

É fato que são muitos os incentivos que as políticas públicas atuais direcionam à formação continuada de professores. Entretanto, esses projetos têm confundido a educação continuada com as propostas de formação em serviço com vistas à titulação. Nesse modelo, a formação inicial (ou formação básica) dos professores confunde-se com a aquisição dos conhecimentos durante o exercício das funções profissionais, como forma de cobrir uma falta anteriormente admissível. O PEC é um exemplo desse tipo de política. A despeito de sua denominação, trata-se de um Programa de formação inicial, pois visa, prioritariamente, titular professores em nível superior. A caracterização como um Programa de Educação Continuada deveu-se à restrição das matrículas somente a professores que estivessem no exercício das suas funções. O Programa é uma política de formação em serviço que se insere no movimento de universitarização no magistério das séries iniciais (SARTI, 2005).

Várias são as críticas possíveis aos cursos e programas de formação continuada que assim se denominam, mas que não fazem mais do que substituir lacunas deixadas pela formação inicial (MAUÉS, 2003, p. 104), ainda que seja uma lacuna relativa à própria titulação. É ponto pacífico entre educadores que a formação continuada não foi prevista para substituir a inicial, mas para complementá-la. Por outro lado, a constatação não diminui a importância da formação continuada, quando estruturada em torno de outras finalidades. Nesse sentido, a formação contínua tem sido defendida como um aspecto central de definição de uma nova profissionalidade docente, como quer Nóvoa (1992), visto que esta apenas se inicia nos cursos de formação básica. E a complementa, especialmente quando se trata de implantar propostas de renovação das escolas e das práticas pedagógicas, dado que, em curto prazo, o professor em exercício é o seu principal agente (CANDAU, 1996, p. 140).

Não é de hoje que a escola precisa sofrer drásticas transformações, no sentido de superar a educação tradicional. Não se trata da necessidade de aplicar as reformas que conformem a educação às novas demandas do capital, mas de entender a escola como um mecanismo fundamental da formação para a cidadania, que inclui o professor com boa qualificação, remuneração e condições de trabalho, e a escola pública, como instituição gratuita, de qualidade e bem equipada. (PRETTO, 2003, p. 40). É nesse sentido que vários projetos de renovação já foram realizados no Brasil, muitos dos quais, já trazendo a preocupação com a formação continuada dos professores. Todavia, quase sempre esses projetos adotam a perspectiva clássica da formação continuada e, nesse sentido, uma série de investigações têm sido realizadas em busca de alternativas.

Candau (1996) elenca três principais pressupostos que guiam a tentativa de superar a perspectiva clássica. A partir da constatação de que é no cotidiano escolar que os professores, muitas vezes, aprimoram a sua formação, procura-se adotar a escola como locus privilegiado da formação continuada (p. 143). Sem esperar que isto aconteça de forma espontânea, recomenda-se que sejam promovidas experiências que favoreçam a prática reflexiva e coletiva dos professores de uma determinada instituição escolar, favorecendo processos de pesquisa- ação, sem que seja necessário deslocá-los para outros espaços. Como segundo eixo para uma nova perspectiva de formação continuada, propõe-se o reconhecimento e a valorização dos saberes docentes, especialmente, os saberes da experiência, que constituem a cultura docente em ação (ibid., p. 146). É preciso superar a resistência da universidade nesse sentido, aproximando, reconhecendo, valorizando e incorporando os saberes da experiência dos professores, pondo-lhes em confronto e interlocução com os saberes acadêmicos produzidos. Como terceiro e último pressuposto, quer-se, enfim, reconhecer o ciclo de vida profissional dos professores como um processo heterogêneo, de forma que se leve em conta, na formação continuada, que em diferentes etapas da vida profissional (início ou fim de carreira, por exemplo) os professores trazem diferentes necessidades. Assim, o desafio é romper com modelos padronizados e criar sistemas diferenciados que, na linha do que defende Nóvoa, permitam ao professor dar sentido aos seus processos de formação no quadro de suas histórias de vida (NÓVOA, 1995).

Após o balanço da grande contribuição que essas novas reflexões incorporaram à área da formação continuada de professores, Candau chama a atenção para dois aspectos em que elas podem e devem avançar. O primeiro deles, diz respeito à consideração do contexto mais amplo, social, cultural, político e ideológico que envolve as questões da formação de professores, articulando melhor as dimensões micro e macrossociais, psicopedagógicas e

político-ideológicas da profissão docente (CANDAU, op. cit., p. 151). Em segundo lugar, a autora lembra que é preciso trabalhar mais “a inter-relação entre cultura escolar, cultura da escola e o universo cultural dos diferentes atores presentes na realidade escolar” (id., ib.).

Quer seja como um Programa de formação em serviço com vistas à titulação em massa, quer seja como uma proposta de formação continuada de professores, o PEC - Formação Universitária Municípios procura atender a alguns desses princípios e não é possível afirmar – e nem é objetivo da presente pesquisa o fazer – em que medida obteve sucesso. Entretanto, sua proposta de utilização das NTIC sinaliza para a necessidade de revisão, principalmente, nesses dois últimos aspectos indicados por Candau (op. cit). Isso porque tanto aspectos do contexto mais amplo, como por exemplo a chamada Sociedade da Informação, quanto aspectos da cultura escolar e dos professores foram superficialmente considerados no Programa (conforme será possível verificar em análises posteriores, neste trabalho).