• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II. Formação de professores: tendências atuais

2.1. Contexto nacional e internacional

2.1.1. Políticas nacionais: da omissão à regulação

Durante longo tempo, a educação brasileira esteve carente de políticas sistemáticas voltadas à formação de professores. A importância da definição de uma política nacional ampla para a formação profissional de docentes já vinha sendo insistentemente apontada por pesquisadores e outros envolvidos, mas sem resultados na prática. Ao fazer um balanço da profissão e da formação docente no Brasil até o ano de 1995, Gatti (1997) constata a precariedade do quadro. Segundo ela, ao espantoso crescimento do número de funções no magistério, não correspondeu uma alteração significativa no grau de formação dos professores em todo o país, o que indica que muitos profissionais foram recrutados para atuar no sistema educacional sem a devida qualificação.

A autora explica as defasagens entre o nível de formação e o nível de exercício profissional fazendo referência à falta de políticas públicas sistemáticas direcionadas à formação ou à carreira dos professores no Brasil. Para ela, a falta de investimentos na melhoria da formação inicial e as políticas de formação em serviço adotadas, que não funcionam como complemento mas como “quebra-galho” (GATTI, 1997, p. 5), não vinham obtendo mais do que aumentos desnecessários e inadequados com os gastos na educação. Gatti destaca, também, o fato da docência não ser uma profissão atraente no país e de não se atuar em prol da atração e da manutenção de jovens nessa carreira (em todos os níveis). Há dez anos a autora já chamava a atenção para a urgência do estabelecimento de tais políticas e para a necessidade da atenção à formação de professores diante da expansão de todos os níveis de ensino e da adequação da educação ao cenário democrático que se pretendia consolidar no país (ibid., p. 2).

De fato, durante longas décadas, a preocupação com a problemática específica da formação não circulou tanto entre os responsáveis pelas políticas públicas quanto entre educadores e estudiosos direta ou indiretamente envolvidos com ela. Embora não fosse recente certo consenso a respeito da importância da formação de professores como meio para a melhoria de todo o sistema educacional do país, essa questão obteve destaque em políticas sistemáticas de ação a partir da publicação da LDBEN, em meados da década passada. Desde então, nota-se a concentração de esforços em torno da realização de uma série de projetos que contemplam a formação dos profissionais do magistério, especialmente por parte das administrações públicas, mas contando com o apoio de outros setores sociais.

Com as exigências da nova legislação, especialmente relativas à valorização da formação de docentes em nível superior (Artigo 62) e o posicionamento da educação infantil

como parte integrante da educação básica (Artigo 21), os sistemas educativos passaram a se articular a fim de encontrar respostas viáveis às novas demandas. E, devido à urgência das questões a serem equacionadas, passou-se a adotar estratégias em que fosse possível economizar tempo e gastos. Instituída a Década da Educação (1997-2007), estabeleceu-se um prazo a partir do qual “somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço” (Artigo 87, parágrafo 4º, inciso III, Das Disposições Transitórias). Para tanto, ainda na própria Lei de Diretrizes e Bases, em seu Artigo 87 (parágrafo 3º, inciso III, Das Disposições Transitórias) foi estabelecido que o poder público deve “realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isso, os recursos de educação a distância”.

Logo, é no espírito da nova Lei que proliferam, a partir de então, discursos e práticas em torno da formação, principalmente, para os professores em exercício e por meio da modalidade a distância. Criam-se uma série de programas e cursos que lançam mão dos recursos de EaD e, em alguns casos, de modernas tecnologias de informação e comunicação, com a finalidade de certificar grandes contingentes de profissionais no exercício de suas funções, num curto espaço de tempo. São os chamados programas especiais de formação em serviço. Esse tipo de política pública, ainda que sinalize grandes melhorias na área – pelo menos em termos do reconhecimento legal e de um crescimento considerável nos investimentos sistemáticos na formação docente – tem sido alvo de críticas, justamente porque tende a tornar precária a formação, priorizando redução de custos e economia de tempo.

Segundo Barreto (2003), é com o argumento da flexibilização, mas numa perspectiva de esvaziamento que o PNE do MEC, em seu sexto capítulo, prevê a oferta de cursos a distância especialmente na formação de professores para a Educação Básica. Para a autora, a EaD e o uso das novas tecnologias fazem parte de uma política de reconfiguração da formação, que a substitui por capacitação em serviço ou certificação (p. 12), incentivada pelo financiamento nacional e internacional nesta área. De fato, os incentivos à larga utilização da modalidade de EaD e à inserção das novas tecnologias na escola e na formação docente são intensos nos discursos de organismos internacionais, de onde se originam boa parte dos recursos destinados à educação nos países mais pobres. Em tais discursos, distorce-se o papel das tecnologias e sua relação com a educação e a formação, confirmando a suspeita de que a introdução de inovações tecnológicas nos países subdesenvolvidos sempre se faz acompanhar pelo discurso tecnocrático que propaga um modelo de sociedade de consumo e legitima as políticas orientadas por modelos neoliberais (BELLONI, 2003a, p. 62). Nesse sentido, a

questão política tem sido um fator muito mais conflituoso do que resolutivo para as desejadas melhorias na formação e atuação dos professores, no Brasil. Contudo, as políticas internas mais amplas estão relacionadas, ainda, a outras conjunturas. As transformações econômicas (mundiais) são, nesse sentido, um outro importante aspecto a ser considerado a fim de que melhor se contextualize as discussões acerca da formação de professores no país.

Desse ponto de vista, o problema da formação persiste, já que o reconhecimento da importância do papel do professor e da centralidade da sua qualificação profissional não significa – como se poderia supor ou desejar – que as políticas públicas nacionais postas em prática nesta área estejam em sintonia com o que é constatado nas pesquisas ou com o que é sugerido por estudiosos da formação de professores como as ações mais adequadas à realidade brasileira e mais condizentes com as necessidades dos quadros docentes do país. Ao contrário, diversos pesquisadores vêm demonstrando, por repetidas vezes, que as recentes políticas de formação de professores no Brasil têm refletido as indicações de órgãos internacionais – tais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciencia e a Cultura (UNESCO) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento ou Banco Mundial (BIRD) – que não necessariamente respondem aos interesses e reais necessidades locais (BARRETO, 2001, 2004; FONSECA, 2000; MAUÉS, 2003).

De fato, as políticas educativas brasileiras não estão descoladas das tendências mais gerais, tanto nas questões sociais quanto econômicas, que se vêm esboçando, historicamente, desde o final da Segunda Guerra Mundial (SGM). Nelas, voltam-se as atenções e os esforços para o desenvolvimento social e econômico dos chamados países em desenvolvimento, mas sempre na esteira dos chamados países desenvolvidos. E, nesse quadro, os organismos internacionais desempenham papel preponderante.

Alinhando-se às demandas do mercado internacional, o Estado brasileiro vem se abstendo, uma vez mais, do papel de executor dos serviços públicos. É nesse sentido que se pode afirmar que as novas formas de gestão e financiamento da educação que emergem como parte das reformas sofridas pelos sistemas educacionais, na década de 1990, faz parte das medidas políticas e administrativas de uma nova forma de regulação dos sistemas escolares (OLIVEIRA, 2005).

2.1.2. Economia mundial em mutação: reformas para a educação ou pela