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Capítulo III. O PEC Formação Universitária Municípios

3.1. Breve histórico: da legislação às práticas

Conforme dito anteriormente, a aprovação da LDBEN, em 1996, foi um fator determinante para a formulação de novas políticas e para o redirecionamento daquelas já existentes na área de formação de professores no Brasil, a partir de então. A nossa primeira LDBEN foi sancionada em 1961 e foi a ela que, em 1996, a nova Lei substituiu.

Segundo Saviani (1998) a expressão “Diretrizes e Bases”, cunhada desta maneira, aparece pela primeira vez na constituição promulgada em 1946, e foi mantida na Constituição de 1988, preservando-se a competência da União para legislar, em caráter privativo, sobre as diretrizes e bases da educação nacional (Artigo 2, Inciso XXIV): “Em conseqüência desse dispositivo e como resultado de um processo iniciado em dezembro de 1988, entrou em vigência no dia 20 de dezembro de 1996 a nova LDB” (p. 11).

O processo de aprovação da LDBEN foi marcado pela disputa de projetos distintos: por um lado, a proposta formulada por meio de discussões com a sociedade civil e, por outro, a proposta que prevaleceu – sem muitas modificações – representativa de interesses políticos específicos, articulada por Darcy Ribeiro. Sendo assim, embora a legislação não determine as políticas e ações educacionais concretas, as bases legais que as direcionam deixam de considerar, desta forma, o histórico de discussões e necessidades apontadas por educadores e pela sociedade civil. Para Saviani, a concepção do texto final da LDBEN, resultante de sucessivas versões, estava em sintonia com a orientação política dominante e que vinha sendo adotada pelo governo, naquela época. O autor considera, portanto, que a sua concepção pode ser considerada neoliberal no significado corrente do termo, ou seja: “valorização dos mecanismos de mercado, apelo a iniciativa privada e às organizações não-governamentais em detrimento do lugar e do papel do Estado e das iniciativas do setor público, com a conseqüente redução das ações e dos investimentos públicos”. (SAVIANI, op. cit., p. 200).

que se dirigiu e, ao que tudo indica, também por órgãos de gestão pública, já que já se encontra em sua terceira edição. Em outros sentidos, seu “sucesso” é discutível.

Visto de outra forma, a mesma LDBEN pode ter trazido como aspecto positivo o seu caráter flexível (GATTI, 2000). Entretanto, as políticas oficiais que se sucederam à aprovação da LDBEN sugerem, em seus aspectos gerais e, especificamente com relação a formação de professores, compromissos ideológicos decorrentes do assumido atrelamento aos modelos impostos pelo BIRD (SEVERINO, 2000, p. 190). Para Severino, a “análise crítica leva à conclusão que, apesar dos avanços conceituais trazidos por ela, as políticas oficiais que a implementam, representam um retrocesso na qualidade da formação de professores.” (ibid., p. 177).

Com efeito, com relação aos cursos superiores em geral, a LDBEN traz a cobrança de um perfil profissional mais ajustado às demandas do mercado e da produção e focaliza a formação de competências e habilidades. Para tanto, recomenda-se a ampliação das formas de organização desses cursos, tais como cursos a distância, com mídias eletrônicas (SEVERINO, op. cit., p. 182). No caso específico dos cursos de formação de professores, as políticas de regulamentação da Lei mostram preocupação em consolidar os Institutos Superiores de Educação e em desencadear os programas de formação inicial e continuada via EaD, como panacéia para atender a demanda por formação superior, até 2007 (ibid., p. 184).

Se, portanto, independentemente da tendência política sob as quais se formulam as leis importa considerar as políticas e as práticas que lhe dão vida, não conforta perceber que, em nível federal, as políticas educacionais estão direcionadas por esse tipo de tendências, e a formação de professores, nesse contexto, segue oficialmente as orientações de organismos internacionais.

Quanto às políticas no estado de São Paulo, especificamente voltadas para a formação docente, surge ainda no ano de 1996 a proposta do Programa de Educação Continuada (o PEC) como parte das múltiplas ações da SEE-SP que visavam consolidar o projeto de melhoria do ensino no estado iniciado em 1995, projeto intitulado “A Escola de Cara Nova” (WEY, 1999, p. 229). Tais ações incluíam: reorganização da rede física, informatização, desconcentração e descentralização, criação da figura do professor-coordenador pedagógico nas escolas estaduais, criação do Telecurso 2000, presença das classes de aceleração, avaliação permanente, existência das salas-ambientes, progressão continuada da aprendizagem e horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) (id., ib.).

Originalmente, o PEC estava voltado para a formação continuada de docentes e especialistas por meio de ações de capacitação que abrangiam as áreas de gestão, informática e conteúdos específicos das diferentes disciplinas (SÃO PAULO, 2001, p. 10). A busca por formação em nível superior viria a fazer parte, na seqüência, da efetivação das recomendações

da política federal articulada com os princípios e diretrizes da política da SEE paulista, como continuidade das reformas educacionais em torno dos eixos: racionalização organizacional, mudança nos padrões de gestão e melhoria da qualidade, incluindo-se, neste último, a valorização profissional do quadro do magistério – carreira e formação (id., ib.).

Segundo Miranda (1999), o Programa de Educação Continuada foi aprovado por 88% do seu público, ainda que se afirmasse, nas suas avaliações externas, que “nem sempre um programa de educação continuada, por melhor que seja, consegue elevar o nível básico de formação de um docente” (id., p. 246). Desta forma, a proposta de formação manteve-se nos anos subseqüentes e ampliou-se com a criação do Programa de Educação Continuada em nível superior, o PEC - Formação Universitária, no ano 2000, dando continuidade àquelas políticas, favorecidas pelas avaliações positivas acerca do Programa.

Assim, o PEC - Formação Universitária (oficialmente identificado sob a sigla PEC - FOR PROF, mas identificado como PEC Estadual) foi implantado a partir de junho de 2001, com o objetivo de graduar em nível superior para cerca de 6.700 professores da rede estadual paulista de ensino, num período de dezoito meses. O projeto inicial do Programa, apresentado pela SEE-SP, havia sido inspirado na experiência do Curso Normal Superior com Mídias

Interativas (MELLO; DALLAN, 2004). O Curso Normal Superior com Mídias Interativas, por sua vez, foi criado a partir de uma parceria entre a Universidade Eletrônica do Brasil (UEB) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior daquele estado. Concebido como um curso presencial, foi estruturado com a utilização intensiva de mídias tais como vídeo, teleconferências e Internet. À UEB coube o gerenciamento tecnológico desse curso.

Para a gestão do PEC - Formação Universitária, foi contratada a Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV), da Escola Politécnica da USP. A FCAV criou e implementou o modelo de gestão do Programa, coordenando e articulando a especificação e a instalação dos recursos tecnológicos, assim como a capacitação de todos os participantes para a utilização técnica e pedagógica das novas tecnologias (FUNDAÇÃO CARLOS ALBERTO VANZOLINI, 2002, p. 17). Uma rede gestora de formação continuada para agentes educacionais, sob a responsabilidade da FCAV e da FDE, nasceu da experiência do PEC - Formação Universitária: a Rede do Saber. A Rede passou a conectar todas as Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo aos órgãos centrais e de apoio à SEE e às Universidades parceiras por meio de uma rede de comunicações multimídia (Intragov) e firmou-se como instrumento vital para as ações futuras na área de formação docente do estado. Estava

consolidada, assim, uma nova característica nas políticas de educação no estado de São Paulo: formação docente para e pelas novas tecnologias.

Participaram da realização dessa versão do PEC Estadual a Universidade Estadual Paulista (UNESP), a PUC-SP e a USP. Às Universidades foram atribuídas as tarefas de detalhar a proposta inicial apresentada pela Secretaria, elaborar os materiais, coordenar a docência, avaliar e certificar. Para tanto, cada uma das instituições deveria contar com estrutura e coordenação internas. Como instância de decisão máxima em todos os níveis de organização do PEC, formou-se um Comitê Gestor, composto por um representante de cada Universidade, três da SEE-SP e um coordenador executivo, todos designados pela própria Secretaria.

Em 2002, tendo em vista a boa aceitação e as avaliações positivas relativas ao Programa em sua primeira edição para o nível superior (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2003), a UNDIME solicitou à SEE-SP a disponibilização dos recursos e o compartilhamento da experiência adquirida a fim de possibilitar formação similar aos professores das redes municipais, cuja demanda de atendimento girava em torno de 10.000 profissionais sem o diploma de ensino superior. A solicitação levava em conta a já prevista (re)utilização da rede física estruturada para o PEC Estadual – embora não se tivesse previsto que o fosse feito para a reedição do mesmo Programa – mas não considerou o seu caráter especial: único e pontual, com finalidade exclusiva e portanto, não re-editável26.

O resultado foi a experiência do PEC - Formação Universitária Municípios, Programa que formou, no início de 2005, 1954 alunos com certificação pela USP, tendo operado em seus dois anos de funcionamento em 41 municípios da Grande São Paulo e do interior do Estado, e que contou, para tanto, com o trabalho de 144 docentes (SPOSITO, 2004, p. 5). O convênio, desta vez, fora firmado entre a UNDIME e a FDE que, por sua vez, novamente, contatou a FCAV para obter apoio na gestão do projeto. Duas foram, então, as Universidades que, na edição Municipal do PEC, participaram deste convênio: a USP, conforme já dito, e a PUC-SP. Para a efetivação do Programa, mais uma vez, montou-se uma estrutura própria em cada uma das Universidades (gerida por coordenação interna) e compôs-se um Comitê Gestor, integrado por dois representantes da UNDIME (indicados pela entidade), um representante de cada Universidade e um coordenador-presidente (indicado pela FDE).

A avaliação oficial final do PEC Municípios, assim como a avaliação referente ao PEC Estadual, foi realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC). Embora ainda não seja de acesso público, é possível deduzir por meio de outros documentos e dados que a aceitação do

Programa ainda é alta27. A reedição da versão Municipal do Programa é forte um indicativo dessa condição. O PEC Municípios II, ainda direcionado para os professores das redes municipais, pretende vencer um desafio ainda maior: proporcionar formação, também, para profissionais de Educação Infantil cuja formação anterior, em alguns casos, não atinge sequer o magistério em nível médio. Dentre os aspectos de todo o Programa de Educação Continuada que podem estar contribuindo para esse relativo sucesso – para além da questão puramente política – talvez estejam incluídos a valorização dos saberes docentes (por meio de validação de experiência anterior e forte articulação com a prática), a parceria com grandes Universidades e mesmo o uso das novas tecnologias. Não há dúvidas de que tais características sejam extremamente positivas e venham a somar na formação, contanto que não estejam sendo operacionalizadas apenas como uma forma de distorção das recomendações e conquistas históricas da área (MAUÉS, 2003; PRETI, 2003).