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O papel das mídias interativas na concepção do Programa

Capítulo III. O PEC Formação Universitária Municípios

3.3. O papel das mídias interativas na concepção do Programa

Todo projeto educacional envolve um conjunto de escolhas filosóficas e metodológicas mais ou menos explícitas. Um programa de formação de grande amplitude e complexidade tal como o PEC - Formação Universitária Municípios, por sua vez, abarca a um só tempo várias instâncias de decisão as quais se interpenetram para, ao final, apresentar um corpo aparentemente coerente de conceitos e práticas formativas. A realidade, de fato, não é tão simples e nem tão homogênea quanto, às vezes, faz-se parecer.

Ao menos no que diz respeito ao papel das NTIC na concepção do PEC Municípios, é possível afirmar que o saldo final não é compreensível sem a consideração da trajetória de adaptações e apropriações no percurso da qual foi constituído (sobre isso ver, também, o Capítulo VI). Impossível seria tomar em conta e realizar análises de todas as mediações presentes entre a tecnologia e o usuário final. É indispensável, porém, que se destaquem pelo menos duas delas: a origem do modelo e os ajustes feitos pelos seus organizadores.

A SEE-SP foi a instância responsável pela apresentação da proposta inicial do PEC, mas não por toda a sua concepção. Conforme já visto, dada a necessidade de formar um grande contingente de profissionais em um espaço de tempo limitado, o governo do estado procurou tomar conhecimento de experiências de sucesso que pudessem servir como parâmetro para o cumprimento dessa meta dentre os professores que compunham seus

sistemas de ensino. Assim, o modelo que inspirou a metodologia do PEC - Formação Universitária desde a sua primeira edição, e que, esperava-se, desse conta de tal tarefa, foi o do Curso Normal Superior com Mídias Interativas, da UEB e UEPG, sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. No Paraná, vinham sendo implementadas ações de capacitação de professores que privilegiavam o uso de tecnologias avançadas de comunicação e informação (SÃO PAULO. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO; FUNDAÇÃO CARLOS ALBERTO VANZOLINI, 2002, p. 5), que serviram como ponto de partida para o projeto formulado pelo governo paulista.

É difícil afirmar, com exatidão, até que ponto a proposta do Curso Normal Superior do Paraná foi reproduzida ou recomposta, mesmo porque, não se trata de fazer aqui um estudo comparativo. Todavia, por meio de algumas informações básicas a respeito daquele modelo e dos documentos disponíveis do PEC e, ainda, depoimentos recolhidos e observações feitas durante a realização do Programa, verifica-se uma série de distorções31 e manutenções que

indicam concepções de uso das diversas mídias que precisam ser ressaltadas.

Aspectos comuns não só entre o Curso Normal Superior com Mídias Interativas e o PEC - Formação Universitária, mas também entre estes e muitos outros programas e cursos de formação de professores que se multiplicaram em todo o país, nos anos 90, são a formação voltada para os professores em serviço, (o que implica em) o aproveitamento da experiência profissional como parte da formação, e a utilização de recursos da EaD. O curso paulista herdou do paranaense, ainda, o desenvolvimento da estrutura, o sistema de implementação e funcionamento, bem como os princípios metodológicos que fundamentaram a utilização das mídias. (MELLO; DALLAN, 2004, p. 168)

Ao menos inicialmente (e teoricamente), não se encontraram diferenças significativas entre o papel das mídias e a infra-estrutura de tecnologias de informação e comunicação entre os cursos (id.,ib.). Ambos foram concebidos como presenciais e tiveram como marca o emprego extensivo das ferramentas tecnológicas. Além disso, o PEC manteve muitas das denominações utilizada no curso do Paraná: para docentes (tutor, assistente, orientador), atividades (Trabalhos Monitorados, Vivências Educadoras) e para a identificação das mídias (agrupadas e qualificadas sob o título de interativas).

Por outro lado, é curioso o deslocamento feito desse conceito, da identidade do curso (Superior com Mídias Interativas) para sua simples qualificação (Programa Especial com

31 As distorções aqui referidas não pressupõem a necessidade de reprodução total do modelo em que o PEC foi

inspirado. Apenas sugere-se que algumas das mudanças nele operadas, e mesmo algumas das permanências, não foram necessariamente positivas para o bom funcionamento do curso e, em boa medida, para a formação das alunas cursistas do Programa.

forte apoio das mídias interativas). Mas, ao mesmo tempo em que as mídias passam a ser vistas apenas como um apoio para o curso, aumenta-se a proporção de alunos por docente, esperando que o recurso dê conta dessa falta. Segundo Mello e Dallan (op. cit.), na edição estadual do Programa, contou-se com a média de 10,7 alunos por docente, enquanto que no curso do Paraná, havia perto de 8,6 alunos por docente. Já no levantamento feito por Sposito (2004), cada docente do PEC Municípios (USP) deveria atender a 13,8 alunos, em média. Ou seja, intensifica-se a massificação do curso e a quantidade de trabalho dos docentes (em detrimento da qualidade), aumentando a importância das mídias enquanto materiais auto- instrucionais.

Some-se a isso, a diminuição da importância da reflexão a respeito do próprio uso das mídias, na reedição do curso. No “modelo original”, bem como no PEC Estadual, dedicava-se um Módulo inteiro à discussão das tecnologias na sua relação com a educação. No PEC Municípios, outros conteúdos foram introduzidos (contemplando a Educação Infantil), e aquela temática quase foi suprimida. Ainda que se trate da necessidade de adaptar o currículo, a escolha da supressão desses conteúdos, em específico, conota um juízo de valor32.

No Manual do Aluno (SEE-SP; USP, 2003, p. 9), consta a descrição dos objetivos do Programa, entre os quais, “capacitar os alunos-professores para utilizar novas tecnologias”, e a descrição da metodologia, que “envolve o uso de mídias interativas e de tecnologia avançada em comunicação e informação”. A diminuição da importância da discussão acerca do uso das NTIC em reforço à manutenção da importância da utilização em si, já sugere que, na proposta do PEC Municípios, prevaleceu o sentido dos usos enquanto procedimentos estereotipados, recebidos e reproduzidos por um grupo. Embora os usos sejam também criativos, conforme defende Certeau (1994), em propostas educativas e/ou formativas, eles precisam ser também acompanhados pela reflexão crítica.

Desta forma, corre-se o risco de que a presença das mídias sugira muito mais uma forma de dinamizar o curso, fazê-lo mais atraente (Orientações para elaboração do Material

de Apoio, p. 4) e bem menos um projeto pedagógico coerente. Assim, também o Módulo Introdutório de Capacitação em Informática, presente nas duas edições do PEC e inexistente na proposta paranaense, pode fazer confundir necessidade de familiarização com a ferramenta com a prioridade no treinamento sobre a reflexão. Com o Módulo de Capacitação, espera-se tão somente que o professor “esteja apto a trabalhar no Sistema Operacional Windows e nos

32 Além do mais, este é um dos problemas da educação em larga escala: o atendimento a um grande público

(professores do Ensino Fundamental e de Educação Infantil) em um tempo limitado pressupõe certas perdas, nem sempre irrelevantes...

aplicativos Word, Internet e LearningSpace, de forma a garantir tanto sua utilização com maior autonomia no PEC - Formação Universitária quanto na sua prática pedagógica cotidiana” (Orientações para elaboração do Material de Apoio, p. 5).

Destaque-se, finalmente, a diversidade da origem das iniciativas que, em alguma medida, pode ter tido efeito sobre distorções acima relacionadas. No Paraná, a proposta do curso de formação com o uso de mídias partiu das Universidades para as redes municipais e privadas de ensino. Já em São Paulo, a proposta foi feita pelo próprio governo do estado, para os professores da sua rede. Assim, “o projeto paulista é estreitamente sintonizado com as políticas educacionais que o Estado vem implementando desde meados da década passada” (MELLO; DALLAN, 2004, p. 169), no intuito de aproximar os professores dessas políticas.

Conforme discutido no Capítulo II, as políticas efetivadas em torno de certos discursos muito difundidos em torno da educação e da formação de professores, muitas vezes simplificam e empobrecem discussões históricas desse campo. No caso da incorporação das novas tecnologias na educação, embora não haja ainda uma tradição na área, já se pode contar com uma rica produção (nacional) de pesquisas e experiências que, ao que tudo indica, foram superficialmente consideradas na proposta inicial do PEC - Formação Universitária Municípios.