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Capítulo IV. Novas tecnologias de informação e comunicação

4.2. A relação tecnologias e educação

Com a emergência da informática e tendo sido inflados os discursos sobre as “novas tecnologias” na escola, têm-se a impressão de que a relação entre a educação e as tecnologias é fato novo. Enganam-se os que assim pensam. Embora se trate de uma relação que ocorre de maneira inédita, dado o contexto histórico específico, ela não está se iniciando agora.

Belloni (2001, p.54) fala da inseparabilidade de educação e tecnologias no sentido de que sempre houve tecnologias que mediaram a interação do professor com os alunos e a relação entre o conhecimento e o aprendiz, ou seja, a pedagogia sempre aproximou as duas dimensões. A mesma autora, entretanto, lembra que para além do pedagógico, há uma questão política que as liga. Defende que a incorporação da tecnologia na educação institucionalizada é uma questão política que envolve a concepção de educação de uma dada sociedade: os processos de socialização dependem de escolhas – políticas – da sociedade (BELLONI, 2003, p.54). De fato, tecnologias e educação compreendem processos culturais socio-historicamente relacionados, por sua vez, conectados ao processo produtivo e às decisões políticas.

Segundo Kawamura (1990), a introdução das tecnologias no Brasil foi fortemente marcada pelo processo de industrialização que o país atravessou a partir da década de 1950. Naquela época, as políticas brasileiras condizentes com a fase do capitalismo monopolista deram abertura às indústrias estrangeiras e, consequentemente, às suas tecnologias (id., p.6). Nesse contexto, teriam sido feitas reformas na educação para atender às demandas internacionais. E foi assim que, também naquele período, a EaD foi inserida no ensino supletivo e na aprendizagem em empresas, como método de caráter pragmático, na perspectiva da “Educação permanente” (id., p.17). O envolvimento subseqüente e crescente entre as novas tecnologias e a educação, no Brasil, de fato, seguiu as tendências internacionais. Sendo assim, as políticas nacionais que mais recentemente encaminham as escolas para a informatização e investem em ações abrangentes de EaD, não surpreendem.

Entretanto, longe de terem apenas conseqüências funestas para a educação, a incorporação das novas tecnologias no currículo da educação escolar e da formação de professores (conforme visto no Capítulo II) chega a configurar, hoje, uma necessidade cada vez mais premente. Ainda que a posição ocupada pela maioria da população brasileira ainda seja de consumidores desses novos produtos, a busca da redefinição dessa realidade e o importante papel da educação na formação de “ciber-cidadãos” exige esforços nesse sentido. Sendo assim, a discussão em torno da incorporação das tecnologias da informação e comunicação na educação passa, antes, pela idéia de cidadania. Afirma-se e reafirma-se com

enorme freqüência, tanto nos meios educacionais quanto nos meios políticos e na imprensa, a necessidade de formar cidadãos, educar para a cidadania. No contexto de que se trata, aqui, o exercício da cidadania se dá em meio ao modelo de sociedade de consumo e de políticas orientadas por modelos neoliberais. Ou seja,

Cidadania, na era da cibercultura de massa, exige a articulação de diferentes lógicas: o cidadão de hoje é consumidor e usuário de objetos e serviços, inclusive virtuais; é também sujeito e objeto do processo de comunicação, e é nestes espaços ou fóruns que ele pode exercer – ou não – seus direitos. (BELLONI, 2003, p.62).

Nesse sentido, as teorias que giram em torno da necessidade de formar um novo trabalhador que atenda às demandas trazidas pelas transformações econômicas vividas desde meados da década de 1990, não fazem jus à exigência educacional porque coloca os termos da fila em ordem incorreta. O desenvolvimento do capitalismo informacional (CASTELLS, 2003) dá novos contornos à discussão em torno das tecnologias e da educação, não porque a economia precisa de novos trabalhadores, mas porque os novos trabalhadores são, antes, cidadãos, e têm que ter seus direitos garantidos na nova configuração social, cultural e econômica.

Já não se nega a importância das novas tecnologias nas dinâmicas das transformações sociais em curso. A revolução da tecnologia da informação, iniciada nos anos 70, foi ferramenta básica para a reestruturação global do capitalismo, constituindo-se como componente essencial da complexidade da nova economia. No entanto, a penetrabilidade dos novos meios tecnológicos em todas as esferas da vida humana fazem-nos centrais também na formação da nova sociedade e cultura. É a emergência da “sociedade informacional”41. Segundo Castells, a nova sociedade emerge de um processo de transformação tanto econômica quanto social e, por isso, ela é capitalista e também informacional (id., p.50). O autor explica a distinção entre modo de produção e modo de desenvolvimento para esclarecer a interação entre esses dois processos distintos, que influenciam essa transformação.

O modo de produção é constituído pelas regras sociais de apropriação, distribuição e uso do excedente dos produtos do processo produtivo de uma dada sociedade. Já o modo de

desenvolvimento é o procedimento mediante o qual os trabalhadores atuam sobre a matéria para gerar tais produtos, “em última análise, determinando o nível e a qualidade do

41 “O termo informacional indica o atributo de uma forma específica de organização social em que a geração, o

processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico” (Castells, 1999, p.31).

excedente” (id., p. 53). Para Castells, no final do século XX, estruturou-se um novo modo de desenvolvimento – que ele denomina de informacional – historicamente moldado pela reestruturação do modo de produção (capitalista) e constituído pelo surgimento de um novo paradigma tecnológico baseado na tecnologia da informação. Para o autor, a revolução tecnológica iniciada nos anos 1970 foi a base fundamental para a reestruturação do capitalismo nos anos 1980 em direção à economia globalizada.

Assim, de acordo com o autor, o modo de produção capitalista foi reaparelhado pelo novo sistema tecnológico e, desta forma, as tecnologias da informação e comunicação passaram a exercer um papel fundamental em sua nova organização, como ferramentas decisivas para a geração de lucros e apropriação de fatias de mercado. No modo

informacional de desenvolvimento a principal fonte de produtividade passa a ser a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos, o processamento de informação focalizado na melhoria da tecnologia do processamento da própria informação (id., p.54). Explica-se, então, a forma pela qual o novo paradigma tecnológico incide na dimensão social, já que o modo de desenvolvimento modela toda a esfera do comportamento em sociedade, inclusive a comunicação simbólica (id., ib.).

Para Castells (op. cit.), enfim, a difusão da revolução tecnológica por todo o globo amplia os alcances da sociedade capitalista informacional, mas não deixa de apresentar variação nos diferentes países, conforme sua história, cultura, instituições e relação específica com o capitalismo global e a tecnologia informacional (p.50). No Brasil, onde talvez se possa afirmar que o capitalismo informacional se define numa economia aberta ao capital global e dependente dos países centrais, numa sociedade em que a relação com a tecnologia é de importação e consumo, faz-se urgente que ao menos uma parcela das suas instituições atuem no sentido contrário a esse movimento, se se quer sustentar a idéia de sociedade democrática: tratam-se das instituições responsáveis pela educação formal.

É evidente a posição central das instituições de sociabilidade das novas gerações na administração dessa nova realidade, principalmente se entendidas como mediadoras da formação integral de pessoas – como profissionais e cidadãos. A escola não precisa se preocupar tanto com a formação de trabalhadores “adequados às novas demandas do mercado” e de consumidores dos seus novos produtos quanto com a formação de cidadãos, conscientes de seu lugar no mundo informacional, globalizado. Assim, não basta inflar discursos a respeito da “nova sociedade” e “nova economia” que necessitam da formação de “novos trabalhadores”, pois são argumentos que beiram o determinismo tecnológico e resultam numa relação impositiva que pode ser expressa na urgência de incorporar as

tecnologias na educação. É preciso pensar, ao contrário, na relação das tecnologias com a educação como uma decisão política positiva: educar para as tecnologias.

Pode-se afirmar que a técnica não é boa ou má em si mesma e que, portanto, é um campo de atuação política (LÉVY, 2000), mas talvez seja muito mais relevante que se destaque e reitere sua não neutralidade. Embora aparentemente se tratem de afirmações complementares, a primeira deixa margem à despolitização das tecnologias, na medida em que sugere somente a necessidade de definições políticas futuras. Por outro lado, reafirmar o fato da técnica não ser neutra, obriga a pensar que “as técnicas” já estão inscritas, no presente, num projeto de sociedade e numa concepção tecnológica que lhe corresponde, desafiando os pesquisadores em educação a desvendar seus pressupostos e implicações.

Assim, a inserção das tecnologias na educação, vista como condição para a integração do país na “Sociedade da informação” e, principalmente, sua via de entrada – por meio da EaD na formação de professores – expressa uma compreensão de sociedade, da própria tecnologia e de educação no Brasil, que se refletem em alguma medida, nos programas de formação tais como o PEC - Formação Universitária. Pensar o PEC, portanto, implica pensar essas questões.

4.3. Educação a Distância: uma revisão a partir da incorporação das