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Economia mundial em mutação: reformas para a educação ou pela educação?

Capítulo II. Formação de professores: tendências atuais

2.1. Contexto nacional e internacional

2.1.2. Economia mundial em mutação: reformas para a educação ou pela educação?

Tendo pesquisado documentos do BIRD, Fonseca (2000) busca analisar os fundamentos políticos da proposta educacional que esse órgão vem fomentando no âmbito da sua cooperação técnica e financeira aos países em desenvolvimento. Segundo a autora, após ter cumprido com a função inicial de auxiliar a reconstrução dos países europeus no pós- guerra, o Banco Mundial passou a monitorar o desenvolvimento do chamado terceiro mundo. E, de órgão financeiro, responsável por empréstimos correspondentes à dívida externa desses países, o BIRD passou também a ser órgão político, na qualidade de articulador mundial do globalismo econômico (p. 60). Para essa autora, é através do financiamento de projetos que o Banco influencia a definição da política social brasileira, de forma que, “na área da educação, percebe-se uma tendência de integrar as ações educacionais ao projeto de desenvolvimento global definido pelo Banco e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A educação, assim, deixa de ter uma finalidade em si mesma, e seus objetivos passam a ser instrumentais, para o desenvolvimento econômico” (ibid., p. 67).

Outro grave problema detectado pela autora reside no fato de que o financiamento destinado por esse órgão ao setor social é feito nos moldes do crédito ao setor econômico, numa adaptação desvantajosa para a educação, que não visa o lucro. Para ela, a incompatibilidade estrutural entre o modelo de financiamento e as características do setor educacional é a causa do fracasso dos projetos educacionais que, ao final, não apresentam a mudança qualitativa esperada. Nessa mesma direção, não somente o BIRD, mas outros organismos multilaterais encaminham projetos e determinam os objetivos das reformas na educação, internacionalmente. Nas últimas décadas do século XX, as prioridades estabelecidas por esses órgãos foram os investimentos na Educação Básica (ensino fundamental e médio para as grandes massas) seguidos pelos incentivos à formação de professores para esse mesmo nível de ensino. Tais reformas, generalizadas nos países da América Latina, são estruturadas, segundo Maués (2003), para servir aos interesses do projeto neoliberal.

De acordo com a autora, as reformas educacionais que se vêm delineando desde a década de 80, partem de um mesmo princípio – atender às novas exigências do mercado – e apresentam um objetivo político bem definido. As reformas, ao contrário do que divulga o senso comum, não são necessariamente formas de mudança, de progresso ou avanço. A autora as identifica com o processo de regulação social (MAUÉS, 2003, p. 95), na medida em que

são propostas pelos governos locais a partir das suas relações com o contexto mundial. Em tal contexto, segundo Maués, marcado pelo avanço do capitalismo, pela globalização ou mundialização20 da economia e pela reestruturação do Estado, a educação desempenha um importante papel.

Os discursos que buscam legitimar a conformação das reformas educativas a esse contexto giram em torno da necessidade de construir uma nova sociedade e, para tanto, uma nova educação que corresponda a suas novas exigências. Em que pese a boa intenção de muitos ao divulgar expressões tais como “Sociedade do saber”, “Sociedade do conhecimento” ou “da informação”, o fato de nem sempre se esclarecer o significado exato dos termos dá margem ao escamoteamento de uma relação desvantajosa para os países mais pobres no movimento de globalização. Esse movimento, que é tanto econômico quanto cultural e por isso, perverso (PRETTO, 2003, p. 36), aumenta o poder de uns e delega aos demais o papel de consumidores (ou excluídos) da “nova ordem”. É nesse sentido que os discursos da inserção (note-se: “inserção” e não “participação”, por exemplo) nessa “Sociedade” pressupõe o alinhamento das reformas a determinantes não necessariamente educacionais e que nem sempre levam aos resultados sociais esperados. E é nessa linha que se persegue, nas reformas educativas, a construção da “Sociedade do saber” que, segundo Maués, é indispensável para a fase informacional da economia (MAUÉS, 2003, p. 93). Assim, as metas estabelecidas pelos órgãos internacionais, voltadas para o crescimento econômico, alinham a escola à empresa e os conteúdos ensinados às exigências dos mercados.

Nas análises dos órgãos multilaterais, divulga-se a necessidade de reformar a escola e a formação e atuação dos professores a partir do argumento de que sua configuração “tradicional” já não forma para as mudanças no mundo do trabalho tais como a introdução das novas tecnologias e o fim do paradigma industrial. (ibid., p. 91) Essas transformações, por sua vez, estão relacionadas ao desenvolvimento do capitalismo mundial, em direção a uma nova fase de expansão do regime de acumulação. Uma vez que se percebe que o estado intervencionista barra o avanço do capital, o neoliberalismo econômico ganha terreno. Em outras palavras:

20 Para a autora ambos os termos referem-se a um processo econômico de “intensificação de trocas de

mercadorias e serviços, dos fluxos de capitais, a desregulamentação da economia e sobretudo o aumento do poder dos países ricos sobre os demais, impondo suas regras e exigências” (MAUÉS, 2003, p.91).

De um lado, há o interesse de abrir mais mercados (globalização), sendo necessário para tanto que haja uma desregulamentação do Estado, o fim das barreiras administrativas ou políticas (neoliberalismo), de modo a facilitar a entrada de capitais internacionais, com vistas à eficácia econômica. Nessa lógica, a educação passa a ser um poderoso instrumento para atingir esse fim. É esse o contexto que propicia uma intervenção mais direta dos organismos internacionais nos Estados-Nação, entre outras formas, mediante a educação, com o objetivo de alinhá-los à nova ordem econômica, política e social. (id., ib.)

É nesse sentido, portanto, que as reformas educativas conformam-se ao movimento de mundialização. De um lado, o desenvolvimento do capitalismo – do paradigma industrial para o informacional –, de outro, a reestruturação do estado e o avanço do neoliberalismo e, enfim, a globalização articula os dois processos. De acordo com esse projeto, que é tanto econômico quanto social e educativo, as reformas pretendidas na educação definem-se como meio para finalidades outras, essencialmente, mercadológicas e reguladoras. As reformas educacionais prestam-se a formar os novos trabalhadores (adaptá-los) e formar novos consumidores. Sendo assim, as transformações se operam pela educação, com fins duvidosos, e deixam de acontecer para a educação, como finalidade democrática. Programas de formação de larga escala tais como o PEC Municípios pretendem atender a uma parte dessa demanda por transformações na educação, em alguma medida, guiados por tais princípios.