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As circunstâncias, ou o espaço de ação do homem/usuário

Capítulo IV. Novas tecnologias de informação e comunicação

4.1. O que são as NTIC

4.1.2. As circunstâncias, ou o espaço de ação do homem/usuário

Se a crescente aproximação entre seres humanos e máquinas, bem como a forte presença de avançadas tecnologias no cotidiano do indivíduo comum são motivo de grande preocupação para muitos, a discussão toma ainda maiores proporções na educação. Já não se trata de questionar a abertura da escola ou a sua recusa às novas tecnologias, mas de debater a maneira pela qual as instituições e os agentes responsáveis pela sociabilidade das novas gerações podem colaborar para que não se aprofundem fossos de desigualdade, tanto com relação ao acesso quanto às formas de apropriação desses novos produtos da cultura humana.

Curioso e difícil de se questionar é o argumento de Lévy (s/d), em torno de um certo consenso que vem se instalando – não só entre educadores, mas entre pensadores sociais em geral – a propósito da reivindicação do acesso às novas tecnologias para todos. O autor argumenta que essa concordância “revela que a participação no ciberespaço funda-se num direito e que sua construção se apresenta como uma espécie de imperativo moral”. Com efeito, mesmo os mais conservadores admitem que é preciso que cada vez mais pessoas estejam inclusas no mundo virtual, e que a todos deve ser reservado o direito de participar da cibercultura.

Uma vez que há um acordo a respeito da necessidade de acesso generalizado, a discussão passa a girar em torno dos meios necessários para atingir tal objetivo. Esse é um dos motivos pelos quais a escola (pública) começa a ser vista como um espaço de inclusão digital,

principalmente nos países onde a desigualdade social é um obstáculo que está justaposto à desigualdade de ingresso no mundo cultural. Boa parte das ações políticas que equiparam as escolas brasileiras com aparelhos de TV e computadores partiu desse princípio, ao menos em tese. Superada, no entanto, essa primeira barreira, parece que a preocupação com a exclusão digital deixa de existir nas políticas educacionais. As potencialidades das novas tecnologias e a competência técnica adquirida pelo indivíduo se encarregariam, por si só, de propiciar a participação de todos, com igualdade de condições, no ciberespaço. Questiona-se, porém, até que ponto o acesso basta, e propõe-se o deslocamento da preocupação com os meios para a preocupação com os fins. Assim sendo, o acesso é condição necessária, mas não suficiente.

Ao traçar o panorama das transformações culturais advindas da criação e do emprego de diferentes tecnologias intelectuais – oralidade, escrita e informática –, Lévy faz uma previsão otimista da ampliação do acesso às novas tecnologias, especialmente à Rede Mundial de Computadores, pela criação da condição cultural que ele chama de “universal sem totalidade”, essência da cibercultura (LÉVY, 1999).

O universal é, segundo Lévy, “a presença (virtual) da humanidade em si mesma” e a totalidade define-se como “a conjunção estabilizada do sentido de uma pluralidade” (1999, p.121). A totalização, em outras palavras, opera sobre a identidade do significado, sobre o “congelamento” de sentidos em torno dos quais as pessoas se comunicam e se compreendem. O universal, por sua vez, é uma espécie de aqui e agora da humanidade, o compartilhamento geral (ainda que virtual) de espaços e tempos. Correspondem aos três tempos do espírito, referidos pelo autor, três formas ou condições de relação entre o universal e a totalidade.

Conforme visto anteriormente, nas sociedades orais, primeiro momento da cultura, o fato da recepção de mensagens estar sempre limitada ao momento e local da sua emissão (tempo e espaço comuns), obrigava a existência de sentidos compartilhados entre emissor e receptor. Para Lévy, tratava-se de uma condição de totalidade sem universal: agrupamentos humanos limitados ao seu tempo e espaço, obsortos em um único universo de significados homogêneos. O universal totalizante expressa, para o autor, a condição das sociedades em que a escrita é a tecnologia predominante na gestão do conhecimento. Nesse caso, emissor e receptor já podem estar separados no tempo e no espaço e, para que se possam comunicar, empreende-se um esforço de universalizar os sentidos, estabilizar significados. O universal totalizante é, assim, uma espécie de compartilhamento de espaço, tempo e sentidos. Para Lévy, aqui se inclui a comunicação feita pelos meios de massa, pois se dirigem ao

A antevisão positiva do autor diz respeito, por fim, à condição humana na cibercultura que, para ele, desvincula o universal e a totalidade. Com a popularização da informática e o estabelecimento da vinculação entre pessoas de diferentes culturas pela interconexão mundial dos computadores, todos passariam a participar do mesmo espaço (ciberespaço), sem que a totalização dos sentidos se tornasse um imperativo, já que se partilharia também do fator tempo (interação em tempo real). Seria essa, então, a criação de uma espécie de “tradição simultânea”, o universal sem totalidade. Recontextualizando as mensagens, a interconexão generalizada criaria, portanto, uma espécie de comunidade mundial.

Até aqui, a discussão se restringe à questão do acesso: feitas as devidas conexões, todos estão integrados à comunidade mundial. Todavia, embora Lévy faça ressalvas a esse respeito, afirmando a característica desigual e conflituosa do ciberespaço, e a não neutralidade da cibercultura, a polêmica fica obscurecida pela alegação de sua indeterminação. Nem o ciberespaço, nem a cibercultura estão (ainda) indeterminados. Ao contrário, o espaço de atuação social, assim como a cultura que se constitui nesse espaço, conforme já visto, estão articulados a determinantes do momento histórico presente. E embora ainda não se tenha conseguido popularizar o acesso aos meios, não se pode ludibriar com pretensões democráticas futuras e se abster de atuar em torno de finalidades, desde já.

Obviamente, transformações são possíveis. Mas não sem a vinculação necessária com as condições sociais, econômicas e políticas do que está dado. Nesse contexto, a educação é somente um dos espaços de atuação possível. A escola também é condição necessária, mas não suficiente, para obtenção de quaisquer resultados sociais mais amplos e efetivos. A democratização de acesso a esses produtos e dos conhecimentos necessários para sua utilização e apropriação crítica dependem de esforços políticos e alterações econômicas e sociais tanto quanto de mudanças educativas.

Diante desse fato, é preciso ter em conta as possibilidades restritas de transformação que se operam a partir de projetos de formação de professores. A inclusão digital de um grupo numeroso de docentes é, sem dúvida, um passo necessário para que sejam incluídos um grupo ainda maior de crianças e adolescentes. Mas essas ações não se podem limitar à questão de acesso e nem podem desconsiderar o contexto social em que estão inseridas. É nesse sentido que Programas de formação docente tais como o PEC Municípios precisam resgatar, com os professores em formação, os limites e possibilidades das NTIC, mais do que levá-los a utilizar suas ferramentas e recursos.