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Capítulo IV. Novas tecnologias de informação e comunicação

4.3. Uma questão central: interatividade ou interação?

O “ressurgimento” da EaD pelo entusiasmo com as novas tecnologias relaciona-se, conforme já explicitado, com novas possibilidades por elas trazidas. Assim, uma das justificativas aparentemente mais contundentes para a adoção de certas mídias em cursos a distância, diz respeito ao incremento da relação entre professores e alunos e entre os alunos e as tecnologias pela possibilidade de interatividade ou, ainda, de interação, trazida por tais mídias. Em princípio, a possibilidade técnica assim dada, parece ser o argumento definitivo para que se adotem esses artefatos, certamente os melhores que a ciência e a tecnologia podem oferecer atualmente para a educação. Isso não significa, por outro lado, que o próprio argumento da interatividade não seja passível de questionamentos.

De acordo com um certo entendimento do que seria a interatividade, é possível afirmar que, a rigor, o conceito prende-se exclusivamente ao campo da informática (MARCONDES FILHO, 1996, p.265). A restrição a esse universo específico relaciona-se ao fato de que, em outras situações, ocorrem ou a sociabilidade convencional (interação pessoal, in loco) ou a recepção predominantemente unilateral de conteúdos das mídias de massa, e não são essas as características que definem, nessa forma de compreensão, a interatividade. Ao contrário, trata- se de defini-la no campo da sociabilidade imaterial – tanto com o “outro” quanto com a máquina – num contexto onde a comunicação é bidirecional e mediada em tempo real por equipamentos eletrônicos (id.,ib.).

Nessa linha de compreensão, a interatividade não é possível em toda e qualquer sociabilidade por meio de máquinas. Isso implica que o argumento (quase sempre mercadológico) que atribui características interativas a meios de massa, não são críveis. Assim, a interatividade não está determinada pelo simples feedback do telespectador ou radiouvinte em programas de cultura de massa, por exemplo. E qualquer afirmativa em contrário – tal como Marcondes (op.cit.) observa,

faz parte de um discurso que não deixa de revelar a obsolescência histórica daquilo que pretende defender: utilizando-se da interatividade apenas como álibi, ele tenta conferir aos media convencionais uma imagem de atualidade num contexto de predomínio de media mais avançados (...) Peremptoriamente, não há interatividade em meios de massa. Qualquer tentativa nesse sentido sempre resultará em simulação do que se pretende instaurar. (id, p.266)

Além do argumento da interatividade, um outro termo tem sido bastante utilizado nos discursos sobre as possibilidades da tecnologia: a interação. No cotidiano, aliás, os termos interatividade e interação não raramente são usados de forma indistinta, como termos sinônimos. Entretanto, os estudiosos das tecnologias tendem a distinguir os conceitos. Para Lévy (1999, p.79), o parâmetro fundamental a ser levado em conta a fim de determinar o grau de interatividade de um determinado artefato tecnológico é a possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por seu receptor. Ao definir a centralidade do conceito por uma questão material, de manipulação de informações, portanto, o autor não considera a questão em termos de relações interpessoais, mas em termos da relação entre um sujeito e um produto (o objeto técnico e os conteúdos que veicula). Assim, é possível afirmar que, para ele, interatividade não se confunde com interação.

A questão das relações interpessoais é abordada por Belloni (2001) e é essa autora que melhor delimita o alcance de cada um dos conceitos. Segundo ela, a interatividade é uma característica técnica que significa a possibilidade de o usuário interagir com uma máquina. Por outro lado, a interação é a ação recíproca entre dois ou mais atores na qual ocorre intersubjetividade – direta ou mediatizada por algum veículo técnico de comunicação (p.58). A interatividade é a principal característica das tecnologias da informação e comunicação, para Belloni (op.cit.). No entanto, as NTIC também oferecem possibilidades inéditas de interação (mediatizada), que combinam a flexibilidade da interação humana com a independência no tempo e no espaço (id., p.59).

Assim sendo, a presença de tecnologias avançadas em projetos educativos com o argumento da interatividade pode ser questionada em dois sentidos. Primeiro, é preciso que estejam claros os pressupostos envolvidos na adoção das mídias interativas e é necessário avaliar a quem eles servem: a professores, alunos, a ambos ou a nenhum dos dois? Em outras palavras, é preciso indagar: interatividade para quê e para quem? O segundo questionamento a ser feito, talvez ainda mais importante do que o anterior, é relativo à ponderação do limite que o conceito de interatividade impõe: mesmo com o uso das mais modernas tecnologias de informação e comunicação, não é possível garantir a interação.

Desta forma, perseguindo quase incansavelmente o objetivo de potencializar a interação, em cursos de grande alcance, por meio das tecnologias, com base na mais bem intencionada crença de que o ideal é que o ensino estimule a participação intensa e que atinja o grau máximo de complexidade nas formas sociais de interação e comunicação (KENSKI, 2003, p.124), o maior perigo, é de que se faça da interação e, por que não dizer, da interatividade, uma “camisa de força”, uma obrigatoriedade de certa maneira limitante ao invés de uma possibilidade edificante. De qualquer maneira, não custa reafirmar, que por isso mesmo, “não são as tecnologias que vão revolucionar o ensino e, por extensão, a educação de forma geral, mas a maneira como essa tecnologia é utilizada para a mediação entre professores, alunos e a informação” (id.,ib., p.121). Nesse sentido, é preciso estar atento para posições que enalteçam as tecnologias atribuindo-lhes características amigáveis ou excessivamente maleáveis.

Lévy (1993), defendendo o caráter intrinsecamente político da técnica acredita que “o fato de podermos aprender a usar um computador em vinte minutos ao invés de quarenta dias provavelmente contribuiu mais para a “reapropriação da técnica” do que mil discursos críticos” (p.60). Posição de difícil sustentação a partir da constatação de que, justamente por serem mais “atrativas”, essas tecnologias são mais acriticamente consumidas (Belloni, 2003, p.69). É urgente incorporar, junto à tecnologia, a reflexão e, junto ao uso, a crítica. Para (muito) além de incrementar a sala de aula com belos equipamentos interativos, de última geração, as novas tecnologias devem se apresentar como uma possibilidade para a educação, e não como uma imposição para a qual se encontram justificativas posteriores, que transformam potencialidades em obrigatoriedades.