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Discursos (inter)nacionais sobre formação: consensos aparentes

Capítulo II. Formação de professores: tendências atuais

2.1. Contexto nacional e internacional

2.1.3. Discursos (inter)nacionais sobre formação: consensos aparentes

Embora a formação de professores se dê num campo de conflitos entre projetos distintos de educação e sociedade, circulam discursos em torno do tema que parecem homogeneizar as pretensões de uns e outros. Por isso, há que se atentar para os aparentes consensos a respeito da formação docente para que não se confundam reivindicações e conquistas históricas e recomendações descontextualizadas, que fazem retroceder. Nesse sentido, destaquem-se as recomendações internacionais, em especial para a formação de professores, que pretendem contemplar as necessidades e peculiaridades dos países a que se destinam. No Brasil, atualmente, são disseminados discursos dos organismos internacionais que se aproximam de diagnósticos de estudiosos da formação e importantes pesquisas na área. Onde aparentemente há convergência, no entanto, distorcem-se concepções e práticas, com o apoio e ação da política local.

Em torno dessa constatação, Maués (2003, p. 99) identifica um novo “receituário” de formação de professores, definido pelo movimento internacional, que está presente nas

reformas educativas. Segundo a autora, os elementos que o constituem são: a “universitarização” da formação como meio para a profissionalização docente, a ênfase na formação prática e a validação das experiências, a formação continuada, a EaD e a pedagogia das competências. Todos são elementos que se encontram, com maior ou menor destaque, no PEC - Formação Universitária Municípios.

Ao fazer análise a respeito de cada uma das recomendações dadas para as políticas de formação de professores, Maués (op. cit.) explica as distorções possíveis – dado que muitas delas parecem contemplar princípios educacionais legítimos – explicando em que sentido elas podem resultar em fragilização da formação. A universitarização da formação, por exemplo, em princípio indicada como forma de obter melhor qualificação e profissionalização para os docentes, tem sido realizada, segundo ela, de forma aligeirada: fora da universidade, sem ligação estreita com a pesquisa e ignorando experiências de projetos de formação anteriores. Além do mais, a autora adverte que o discurso da profissionalização é ambíguo na formação de professores. Tradicionalmente ligada ao saber científico e ao desenvolvimento na universidade, a profissionalização docente ora é calcada na realidade prática, ora, na técnica. (ibid., p. 100).

A valorização da formação prática é um segundo aspecto distorcido nas reformas, segundo a autora. O argumento, nesse caso, parte das críticas que se fazem ao excesso de teoria nos cursos de formação e investe na crença de que os saberes práticos resolveriam os problemas do cotidiano. Maués acredita que a ênfase na formação prática é uma distorção do histórico e do desenvolvimento dos estudos da relação entre teoria e prática na formação que reduz a questão das funções dos saberes teóricos e dos saberes de ação à carga horária destinada a cada um. Com relação à validação das experiências, a autora lembra que sua aplicação tanto pode enriquecer a formação, quanto apenas diminuir os custos e a duração dos cursos e aligeirar a formação. Novamente, transforma-se um princípio de transformação qualitativa num ganho quantitativo: maior número de diplomas (ibid., p. 103).

A autora também inclui a formação contínua nesse “kit reforma” como um meio de alinhamento dos professores em exercício às políticas educacionais em curso. Se, de um lado, a formação continuada pode ser um importante recurso para a atualização e o aperfeiçoamento profissional também se a tem compreendido e utilizado como forma de preencher lacunas e reparar deficiências, o que leva ao aligeiramento da formação inicial, e abre portas para a criação de um novo mercado de formação (ibid,. p. 104). Por fim, Maués mostra como o aporte pedagógico das reformas parece mais ou menos consensual em torno do modelo das competências, na esteira da utilização do termo em indústrias e empresas. A autora acredita,

nesse caso, que as definições dadas para a “competência” convergem para a predominância do

saber fazer e representam um risco de que se diminuam os conhecimentos na formação, de que se enfatize o saber procedimental e torne a formação utilitarista, voltada para o mercado de trabalho, em detrimento da formação do cidadão crítico (ibid., p. 106).

Assim sendo, a formação de professores molda-se às reformas internacionais da atualidade que, de forma geral, estão baseadas em princípios de mercantilização da educação e utilitarização da formação. Para que esteja de acordo com tais princípios, os discursos e as práticas de formação são (re)configurados, contando com o arsenal de discussões e propostas de educadores, historicamente constituídas.

Quanto à EaD, como parte do mesmo receituário para a formação de professores, há uma lacuna a ser apontada no texto de Maués e que se pode preencher a partir das considerações de Barreto (2003). Para essa autora, a modalidade faz parte da reconfiguração da formação docente, no Brasil, incentivada pelo financiamento nacional e internacional. Condizente com o modelo de formação a distância proposto pelos organismos internacionais, as políticas do MEC enfatizam os novos materiais utilizados em EaD, numa perspectiva de esvaziamento. Nesse modelo, as NTIC são deslocadas para a posição de sujeito, capazes de substituir o professor em busca de maior produtividade. Assim, divulga-se a idéia segundo a qual as tecnologias são mais importantes do que o próprio ensino. A perspectiva aponta para o primado da dimensão técnica em detrimento da análise de seus modos e sentidos. Em tal perspectiva, as NTIC e a EaD são produtos a serem consumidos:

Consumo com todas as suas conseqüências na divisão internacional do trabalho, a principal delas sendo a articulação de um ensino fundamental minimalista e uma formação profissional aligeirada, conforme as condicionalidades estabelecidas pelos organismos internacionais. (BARRETO, 2003, p. 19)

Segundo a autora, a incorporação das tecnologias é condição necessária, mas não suficiente para universalizar a educação inclusiva e de qualidade. Na forma como as políticas têm se conformado no país, a formação de professores gira em torno de uma simplificação que valoriza a técnica em si e, conseqüentemente, enfatiza o treinamento para a sua utilização “correta” (ibid., p. 20). Nessa perspectiva da substituição das mediações pelos meios, em que as tecnologias deixam de ser meio auxiliar e passam a ser estruturantes do processo educativo, os novos desafios para os professores – reconhecidos e trabalhados nos países ricos – acabam sendo obliterados por “soluções mágicas” nos países pobres (ibid., p. 21). Para Barreto, enfim, é desta forma que o MEC atribui “distância” como “ausência” na formação de professores.

Portanto, a EaD e as tecnologias também fazem parte do quadro que reconfigura a formação e distorce as discussões históricas na educação. Da maneira como a EaD tem sido proposta e posta em prática, com ou sem o apoio das NTIC, reforçam-se os preconceitos contra a modalidade e somam-se críticas de educadores e associações que analisam essas propostas como não sendo formativas e que desqualificam o professor em exercício (PRETI, 2001, p. 33).

O mapa final das políticas para a formação de professores no Brasil, portanto, assim está composto: por um lado, privilegia-se a Educação Básica – para a aquisição das habilidades e competências de base e gerais que possibilitem desenvolver a performance exigida pelo mercado mundial (MAUÉS, 2003, p. 98) – e por outro, prioriza-se o desenvolvimento individual de competências docentes – habilidades treináveis em curto prazo, das quais a utilização das TIC dêem conta, “de modo econômico e eficaz, preferencialmente a distância” (BARRETO, 2003, p. 14). De fato, o lugar reservado à formação docente na política nacional – do MEC – reflete uma estratégia de suposta

flexibilização (BARRETO, 2003; FONSECA, 2003) recomendada por órgãos internacionais, em que, na verdade, oferece-se mais treinamento (formação aligeirada e barata) e menos formação stricto senso.