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De produto militar a companhia pessoal: sentidos transformados

Capítulo IV. Novas tecnologias de informação e comunicação

4.1. O que são as NTIC

4.1.1. De produto militar a companhia pessoal: sentidos transformados

Segundo Castells (1999, p.78), a Segunda Guerra Mundial (SGM) é a mãe de todas as novas tecnologias. Durante a SGM e nos anos seguintes é que se iniciaram as principais descobertas tecnológicas em eletrônica39, que são o cerne da revolução da tecnologia da informação do século XX. No entanto, ainda segundo Castells, essas tecnologias se difundiram amplamente somente na década de 1970. Essa seria, portanto, a “divisora de águas” da revolução das tecnologias da informação, representando uma época em que houve um salto qualitativo na sua propagação maciça em aplicações comerciais e civis (id., p.91).

Com efeito, apesar da crescente “popularização” das novas tecnologias, que faz com que hoje estejam tão presentes no cotidiano de todas as pessoas e em todos os lugares, suas origens remontam aos anos da SGM, principalmente nos Estados Unidos. Boa parte das pesquisas que originaram as diferentes tecnologias da informação e comunicação, na forma como as conhecemos, foram patrocinadas por instituições militares ou tiveram algum tipo de aplicação bélica. A própria Internet é resultado do desenvolvimento de uma estratégia militar elaborada pelo Departamento de Defesa dos EUA. A sua Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA), financiou o desenvolvimento de um sistema de comunicação invulnerável a ataques militares que deu origem à primeira rede de computadores, a ARPANET

39 As tecnologias baseadas em eletrônica são, para Castells (1999), a microeletrônica, os computadores e as

(CASTELLS, 1999, p.82). Entretanto, por trás do desenvolvimento da Internet, havia redes científicas, institucionais e pessoas que não se ligavam ao projeto militar e a elas se atribui as principais características da Rede Mundial de computadores do século XXI. Processos similares aconteceram também com a informática, de tal forma que, hoje, o computador pessoal guarda pouquíssima semelhança com o ENIAC (primeiro computador para uso geral, criado em 1946), tanto em sua forma quanto em seus usos.

Intermediando essa mutação de sentidos, o aspecto comercial teve grande importância, juntamente a movimentos de contracultura (CASTELLS, 1999, p.86). Mas a localização espacial particular em que se deram todos esses processos deixou marcas: “As empresas, instituições e inovadores norte-americanos não só participaram do início da revolução da década de 1970 como também continuaram a representar um papel de liderança na sua expansão, posição que provavelmente se sustentará ao entrarmos no século XXI (id., p.99). Assim, o desenvolvimento dessas tecnologias ficou marcado por dois movimentos quase simultâneos, de certa forma independentes, mas que se interligaram para definir o atual papel das tecnologias de informação e comunicação. Por um lado, estabelece-se sua utilização industrial, em busca de ganhos em produtividade e, por outro, uma corrente cultural espontânea apossa-se desses meios e impõe um outro curso para o desenvolvimento tecno- econômico (LÉVY, 1999, p.32). Na esteira de ambos os processos, consolida-se um mercado muito rentável de novos produtos comerciais.

Desta maneira, a partir das diversas e sucessivas apropriações e modificações de uma tecnologia, inicialmente pensada em termos militares, chega-se a um ponto em que a informação e a comunicação, hoje, são impensáveis sem o uso das diversas mídias40. Não se trata, portanto, de uma ausência de sentido, mas de sua transformação. Afirmar que as possibilidades de uso não se fecham, a priori, não denota o abandono de toda e qualquer definição de novas finalidades. Hoje, a informática e as telecomunicações são cultura, mercadoria e ideologia. Isso justifica a preocupação com as relações inéditas (não necessariamente positivas) entre as novas tecnologias e o mundo humano.

Atualmente, o acesso e a veiculação de informações bem como as ações comunicativas se dão principalmente nas e por meio das diversas mídias (rádio, TV, aparelhos telefônicos, computadores etc.) que consistem nos suportes das tecnologias da informação e comunicação. Estas últimas, por sua vez, estão intimamente articuladas às denominadas tecnologias da

40 Segundo Kenski (2003), a palavra “mídia” é a forma como popularmente são designados os meios de

comunicação no Brasil. A origem do termo vem do latim (media é plural de medium, que significa “meio”) e sua conceitualização vem do inglês, designando meios de comunicação de/em massa (p.21).

inteligência, que nada mais são do que aplicações da linguagem. É justamente essa articulação (tecnologia e linguagem) que faz com que a relação entre o mundo humano e o mundo das novas tecnologias aconteça de maneira tão original e tão essencial (Kenski, 2003, p.21). Com efeito, por interagirem com o universo simbólico humano, as TIC são mais do que ferramentas: elas têm “suas próprias lógicas, suas linguagens e maneiras particulares de comunicar-se com as capacidades perceptivas, emocionais, cognitivas, intuitivas e comunicativas das pessoas” (id., p.23). E, mais do que isso, essas tecnologias tem sido humanizadas pela incorporação dos conteúdos que veiculam aos seus atributos de máquina (id., p.22).

Assim, desde o surgimento e expansão das NTIC, o funcionamento social e a vida humana passaram a ser influenciados por um outro “tipo” de tecnologias. É o surgimento de uma nova cultura e uma nova sociedade que se caracteriza pela personalização das relações com a informação e das ações comunicativas. As mídias estão, agora, tão presentes no cotidiano das pessoas que passam a fazer parte dele não mais como “tecnologias”, mas como complementos, como companhias, como continuação de seu espaço de vida (KENSKI, 2003, p.25). E, deve-se acrescentar, como ampliação de seu espaço de criação de sentidos. Trata-se, portanto, de uma nova relação homem-máquina. Em certo aspecto, as tecnologias estão cada vez mais “dentro” do homem, tanto concretamente (próteses) quanto simbolicamente (cultura digital). Em grande medida, o homem também está cada vez mais dentro das máquinas, já que as tecnologias se humanizam, apropriando-se dos mecanismos de pensar e incorporando, em si, uma linguagem:

A relação homem-máquina torna-se uma relação fundada em outros parâmetros, não mais de dependência ou subordinação, mas uma relação que implica o aprendizado dos significados e significantes inerentes a cada um, e também o imbricamento desses elementos. Poderíamos pensar na maquinização do ser humano, como também na humanização das máquinas. (Pretto, 2006, p. 22)

A grande proximidade entre o tecnológico e o humano, nesse sentido, sugere que as características “humanizadas” das avançadas tecnologias as fazem intrinsecamente positivas e que, desta forma, é possível esperar benefícios crescentes advindos de seu desenvolvimento. Na verdade, o forte apelo emocional do diálogo que as mídias estabelecem com as pessoas, exigem, ao contrário, o desenvolvimento da crítica aos meios e aos conteúdos que veicula. Em outras palavras, o entusiasmo relativo às tecnologias não pode sobrepor, acriticamente, os limites do próprio humano.

No outro extremo, interpretações diversas, localizadas no limite tênue entre realidade e ficção científica deste mundo repleto de tecnologias, avaliam a possibilidade do surgimento de máquinas-homem, robôs capazes de realizar tarefas caracteristicamente humanas. A constatação da crescente humanização das máquinas também não valida essa equivalência. A impossibilidade da criação de inteligências artificiais quase-humanas reside no simples fato de que o ser humano não se reduz a ser (no sentido de “consistir em”). O ser humano se caracteriza no modo de existir e de estar no mundo: o homem define-se na ação, posicionando-se diante de circunstâncias (MARCONDES FILHO, 1996, p.27).

Sendo assim, nenhuma positividade pode ser atribuída a priori para quaisquer mídias e tecnologias, pois é preciso contextualizá-las em um projeto de sociedade e de ser-humano. Em se tratando de projetos educativos e/ou formativos tal como o PEC - Formação Universitária Municípios há que se considerar tanto uma proposta técnica e pedagógica quanto as ações que definem o ser-aluno nesses espaços.