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Capítulo II. Formação de professores: tendências atuais

2.2. A formação na nova realidade sócio-cultural

O histórico de lutas – conquistas e frustrações – de educadores e demais envolvidos com a formação de professores, assim como a política, a economia e a cultura definem os referenciais a partir dos quais se constituem os discursos sobre a formação docente e as ações a ela direcionadas na atualidade.

Conforme visto anteriormente, muitos educadores preocupados com a qualidade da educação brasileira não vêem com bons olhos a interferência de organismos internacionais nas políticas educacionais em nível nacional e indicam distorções que, em toda a América Latina, têm levado à precarização da formação de professores. No entanto, esse posicionamento que relaciona tão intimamente e negativamente os interesses do mercado mundial às reformas educativas não é um consenso entre estudiosos da área, embora seja arriscado desvincular por completo ambos os movimentos, conforme se tentou demonstrar. O que se tem afirmado, com mais freqüência e maior consenso, é que o elemento sócio-cultural – sem dúvida alguma configurado em novos termos, especialmente, a partir da disseminação das novas tecnologias – deva ter papel preponderante nas mudanças previstas para a estrutura da educação formal. A principal diferença a ser notada, nesse caso, é entre os discursos que

não fazem senão escamotear os diversos modos pelos quais cada sociedade participa na globalização cultural – como produtores ou consumidores da cibercultura21 –, e os que fazem análise crítica dessa realidade.

Para Rego e Melo (2002), um dos fatores responsáveis pela atenção privilegiada que se tem dado à preparação e desempenho dos professores na atualidade seria a necessidade de atender às demandas da Sociedade da informação (p. 167). Dada a importância do papel dos professores na nova realidade sócio-cultural, seria urgente a construção de um novo paradigma para as políticas de formação docente nos países da América Latina e do Caribe, em que se deveria incluir a incorporação das tecnologias (ibid., p. 188). As autoras lembram que a reformulação da formação docente é uma política que tem sido adotada em todo o mundo, especialmente a partir dos anos 90, e indicam os pontos em comum nas propostas. De acordo com suas análises, tanto nos países mais desenvolvidos quanto nos países dependentes, tais reformas vêm como resposta ao problema do baixo desempenho escolar e da própria formação, independentemente de aspectos conjunturais político-econômicos contemporâneos.

Na contramão do que as autoras apontam, acredita-se que, para uma análise mais consistente da questão, é preciso considerar a educação e a formação como partes integrantes desse contexto e dinâmica sociais. Conforme já visto anteriormente, os discursos e as propostas políticas em educação divulgadas por organismos internacionais estão alinhados às demandas da atual conjuntura econômica – marcada pela globalização e pelo neoliberalismo – em que países de diversas realidades sociais e culturais, exercem diferentes papéis. A discussão em torno do tema encontra-se diluída e os discursos disseminam-se: a recomendação da incorporação das tecnologias nas escolas e nos cursos e programas de formação de professores é quase onipresente e parece consensual a necessidade de realizar a inclusão digital, tanto de crianças e jovens quanto – e talvez principalmente – dos professores responsáveis por sua educação.

Mesmo autores como Maués (2003) – que mostra como as tecnologias e a EaD se relacionam intimamente com as propostas da globalização neoliberal – chegam a incluir a tecnologia como parte das boas condições de trabalho do professor (p. 113). Ainda que essa autora, em especial, sustente uma perspectiva radicalmente crítica a respeito de tais políticas, ela mantém a idéia da importância da incorporação das NTIC na prática docente, assim como a maioria dos pensadores em educação atualmente. Sendo assim, como resolver o dilema

21 Segundo o filósofo francês Pierre Lévy (1999), cibercultura é “o conjunto de técnicas (materiais e

intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p.17). O ciberespaço, por sua vez, é “o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores” (id.,ib.).

entre as pressões mercadológicas internacionais e a necessidade incluir e dar condições de participação plena para professores e alunos na nova realidade sócio-cultural?

Para Pretto (2003), as transformações culturais pelas quais o mundo está passando são pressionadas pela globalização, e é nesse sentido que se trata de um processo tanto econômico quanto cultural. O autor destaca o papel da mídia, nesse processo, chamando a atenção para a tendência aos monopólios mundiais no mundo da comunicação. Levando em consideração que o domínio dos meios ficam a cargo de poucos que concentram, assim, muito poder, o autor define a Sociedade da Informação como esse universo da comunicação, que tem sido muito fortemente associado ao processo de globalização, além do veloz desenvolvimento científico e tecnológico, em especial na indústria eletroeletrônica (p. 30). Segundo o autor, as políticas públicas, desde o início da década de 90, seguem em direção a inserir os países nessa Sociedade, cujo pilar principal é a Rede Mundial de Computadores, a Internet. Pretto lembra ainda que, no Brasil, são as camadas mais favorecidas da população que tem acesso ao mundo da comunicação generalizada e são, no mínimo, consumidores diferenciados pela possibilidade que têm: “o que nos obriga a pensar em políticas públicas que favoreçam a inclusão das camadas mais pobres nesse mundo tecnológico de comunicação” (ibid., p. 39). Por isso, aponta para a necessidade de dar amplo acesso à conexão, afirma a relevância da alfabetização digital e defende que é preciso incluir as escolas no processo (id., ib.).

Note-se, portanto, que as políticas públicas nesse sentido são desejáveis, contanto que não se limitem ao acesso aos meios de informação e comunicação. A preocupação de Pretto gira em torno da necessidade de “formar o cidadão”, pensando a cidadania como “um espaço de enriquecimento da formação do produtor de cultura, de conhecimento e de bens, não sendo limitado à preparação de um melhor consumidor” (op. cit., p. 34). Resta refletir a respeito das possibilidades e limites para atingir tais fins, no contexto cultural globalizado e monopolizado por grandes corporações e, além disso, pensar a respeito do papel da formação de professores, nesse contexto.

É nesse sentido que Barreto (2004) reivindica a discussão das questões de fundo que envolvem a inserção das tecnologias na educação. A autora lembra que a idéia de Sociedade da Informação está associada ao movimento que atribui poder miraculoso às tecnologias informacionais e questiona o determinismo assim pressuposto. Barreto destaca, ainda, que, nessa maneira de analisar a atual realidade social e cultural, as tecnologias deixam de ser produto e passam a ser produtoras da mudança (p. 1183). Abre-se espaço, assim, para a perspectiva maniqueísta em que, de um lado alguns poucos privilegiados são participantes das maravilhas desse “admirável mundo novo” e, de outro, a maioria excluída perde

oportunidades que somente o acesso às tecnologias mais avançadas pode proporcionar. É assim que a escola passa a ser vista como meio de salvação dos que, de outro modo, estariam perdidos (ibid., p. 1184). E assim, também, a formação de professores ganha importância, já que é posta como canal de ligação entre as novas tecnologias e a escola.

Assumindo-se a Sociedade da informação como pressuposto, faz-se utilitária a formação e se distorce o próprio papel das tecnologias que, nas políticas atuais, têm sido reduzidas a meras ferramentas de EaD. Barreto explica que, na ausência do questionamento dos determinantes políticos, econômicos e sociais que estão por trás da incorporação das NTIC na educação, faltam as condições necessárias para a sua apropriação na formação e no trabalho docente (BARRETO, op. cit., p. 1193). Reverter esse quadro, segundo a autora, “requer a formação de professores no/pelo trabalho com as TIC e requer que, portanto, não lhes atribua o estatuto de meros instrumentos para quaisquer finalidades.” (ibid., p. 1188). Reitera-se a afirmação de que não se trata de uma questão de acesso. No entanto, não basta afirmar a necessidade de formar para a cidadania se não estão inseridos na própria formação as discussões e o indispensável questionamento acerca do momento histórico (político, social e econômico) em que as novas tecnologias chegam às escolas. Em outras palavras, o que realmente importa é conscientizar os professores sobre o “modo como o acesso é produzido e os sentidos de que é investido” (ibid., p. 1190).