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A Acção Missionária dos Jesuítas na Habitação e na Alimentação

Uma das lutas que os Jesuítas travaram foi a tentativa de mudar a mentalidade das pessoas no sentido de melhorarem as suas habitações. Para o efeito, começaram por levantar casas melhoradas para os catequistas e os professores, junto das igrejas-capelas que iam sendo levantadas nas diferentes comunidades. Na altura, as pessoas estavam a viver em palhotas, redondas e sem nenhuma janela, com portas de palha. O uso de tijolos queimados foi sendo espalhado para que as pessoas aprendessem, e todas as vezes eram os cristãos que fabricavam os tijolos. O Padre Lacerda é atencioso na vida individual e diz ter notado algum progresso na;

a) habitação – uso bastante frequente de portas à europeia, uso menos frequente de janelas sem vidro, aumento do número de casas rectangulares, presença de cadeiras e mesas em muitas casas;

b) vestuário – cai em desuso o simples pano das mulheres, para dar lugar a blusas e saias, vestidos à europeia, soutiens, uso do lenço na cabeça, uso de calças, casaco e camisa da parte dos homens, aumento de uso de calçado nos homens, uso do sabonete e do perfume;

c) alimentação – maior uso do açúcar mas sem sair do menu habitual da massa e do caril; aumento de cantinas junto das estradas onde se vendiam bolachas, chá, melhoria das técnicas agrícolas; iv) aumento do uso de bicicletas284.

Contudo, «este progresso material não parece acompanhado pelo progresso moral e religioso. Os milandu (questões) aumentam cada dia e cada vez temos menos meios para os reduzir ao bom caminho. Antigamente os cristãos ou pagãos implicados em questões morais com cristãos reconheciam e acatavam a autoridade do missionário em tudo o que se referia à solução e castigo dos ditos milandu285.

O inimigo dos missionários era o próprio governo porque à medida em que estes tentavam criar uma imagem da vida humana decente, aqueles vinham impor a sua força com os recrutamentos da rapaziada. Era muito difícil deixar criança crescer, quando fosse homem. Por causa da fuga de muitos jovens para a Niassalândia vemos que as estatísticas dos alunos no ensino, na Missão da Fonte Boa, a maioria é composta de raparigas. «A caça ao homem pelos Fumos e Nhakwawas às ordens dos recrutadores, dos agricultores e das autoridades, tudo isto tem atirado para fora da circunscrição e das fronteiras a uma grande percentagem de homens». Referindo-se à prisão do régulo Dama, o padre Lacerda diz

284 Pe. Arnaldo Augusto de Lacerda, Fonte Boa, 20 de Março de 1958, in APPCJ, 1943-1962:508

As questões de há dois anos, que Vª. Revª. conhece muito bem, criaram um descontentamento geral que é difícil de tirar. O Administrador está cheio de boa vontade mas o restaurar é sempre moroso. O movimento emigratório voluntário para fugir ao movimento emigratório forçado aumentou muito. Creio que os recrutadores das diversas companhias nacionais ou estrangeiras (oh vergonha!) continuam a peitar as autoridades indígenas, que andam de palhota em palhota a amarrar os que

encontram. Entram altas horas da noite e assim mesmo como os encontram os levam286.

A partir dos anos cinquenta, nas missões de Tete já havia sinais de pessoas imitando a forma de construir as casas de blocos queimados ou não e de forma rectangular. Esta foi a primeira mudança e a maior conquista. A substituição de palhotas por casas com instalações próprias para a vida humana, a começar pelas habitações que pertenciam aos professores, catequistas,

gurupas foi um processo moroso mas criou um orgulho da parte dos beneficiários. A

introdução de chapas de zinco foi mais demorada e nem sempre uniforme. As igrejas foram as primeiras obras a beneficiarem destas e as ventanias algumas vezes destruíam telhados inteiros deitando abaixo os esforços de então.

Na aprendizagem da construção, os irmãos coadjutores apoiavam os cristãos interessados na construção e assim aprendiam um trabalho útil para suas vidas, habilidade que foi sendo aperfeiçoada com o passar do tempo, chegando a ser transmitida de pai para filhos de tal sorte que na Angónia «para casar deve ser campones e pedreiro. Aqui todo o rapaz sabe colocar o bloco na linha graças aos antigos missionários. O que nos falta são os níveis de construção e outros instrumentos de trabalho287».

3.2.3.1. A contribuição dos Jesuítas na Reconstrução Nacional

Terminada a guerra, assinado o AGP, em 1992, os Jesuítas viviam um dilema: voltar ao país de forma a forçar que os refugiados voltassem ou permanecer no Malawi até que o último homem saisse. A primeira coisa que fizeram foi transferir as escolas do MOLU para algumas zonas de Angónia e de Moatize, bem como para Milange na Zambézia. Importa fazer referência que aquando do conflito do Padre Manuel Ferreira que levou ao fecho do MOLU em Tete e na Zambézia, as escolas e o projecto foram entregues ao Ministério da Educação destas províncias, alegando a falta de fundo.

A reconstrução nacional contou com a construção e reabilitação das infraestruturas que tinham sido destruídas pela guerra. A assistência às pessoas que tinham o peso da consciência pelo seu papel na guerra que terminava era outro ponto crucial. As mensagens de perdão foram cruciais para que as pessoas não se vingassem umas contra as outras. No Malinde, uma aldeia 7 km da Missão da Fonte Boa existia uma nítida divisão: uma parte tinha apoiado ao regime durante o conflito e a outra tinha apoiados aos rebeldes. Vivia-se um clima de total desconfiança e desejo de vingança.

A mesnsagem de perdão difundida pelos missionários ajudou a resolver os conflitos, embora não na sua totalidade, uma vez que as pessoas se conheciam e reconheciam-se nos crimes cometidos. A ocupação dos espaços, a concessão de emprego e criação de parcerias foram algumas das acções levadas acabo pelos missionários para apaziguar os animos. Assim, as pessoas encontravam-se mais ocupadas. Levram para si a responsabilidade de educar os retornados que não tinham meios de subsistencia. A ONU através do PMA dava generos alimenticios: soja, sardinha, açucar, sal, farinha, feijao e óleos.

286 Pe. Arnaldo Augusto de Lacerda, Idem, p. 510

Mas isso durou até 1996, data aprtir da qual o PMA começou a trabalhar directamente com o Governo e toda ajuda passava pela supervisão deste. Era preciso criarem-se condições para o sustento dos internatos com o inicoo de abertura das machambas. Adquiriram um trator que lavrou as terras, e assim puderam minimizar os efeitos da falta de alimentos tanto para sos alunos como para os proprios missionários. Nas machambas dos missionários encontravam-se pessoas a fazerem trabalhos «party time288» denominadas Ganho-ganho. A construção de novas capelas e escolas faz parte do processo de reconstrução nacional iniciado há duas décasas. A existência de pessoas mutiladas em consequência da guerra, dementes, órfãos e pobres contribuiu para que os Jesuítas pensasem na nova forma de encarar a realidade. Acima disso, as pessoas foram vitimas de doenças sexualmente transmissiveis que deixaram muitos ófaos.

Além do trabalho evangélico, os Jesuítas lançaram um olhar na busca de soluções para alimentação, vestuário, habitação, educação, saúde, vias de comunicação e controlo político administrativo, algumas vezes de forma indirecta. Perguntado sobre o que pensava sobre o papel do Estado nestas iniciativas, um padre dirá, como veremos mais adiante, «é verdade que o Estado não dá apoio ao mesmo tempo que não proíbe fazer».

Na segunda metade da década de noventa já tinham sido concebidas as intenções, aspirações e reacções recíprocas entre o Estado e os missionários a favor do bem-estar social. O Estado comprometia-se apoiar as iniciativas missionárias. Todavia, este compromisso foi imprevisível porque adoptou uma política laica acentuada. Para o Pedre Hermínio João Vitorino, «o Estado não proibia fazer como também não apoiava».

Em consequência, no início do século, já era visível como efeito indirecto o encorajamento de um isolamento mental dos missionários tendo-se confinado cada vez mais na actividade da evangelização o que contrastava com o desejo de uma missionação cada vez mais virada para a criação do reino de Deus na terra. Com uma população cada vez mais sofredora era impossível evitar a sua entrega às seitas messiânicas que, em nome de Deus, exploram o povo já sofredor com doenças, fome, nudez e analfabetismo, sob promessa de milagres. Era preciso diminuir a distância que separava o missionário da Missão e alargar a acção até às dimensões de novos desafios, orientada para o bem-estar social.

O sentimento de isolamento mental teve uma materialização em 2006 quando a residência dos missionários da Fonte Boa foi invadida por bandidos que assassinaram um padre e uma leiga. Em 2006, já era previsível o esforço na luta contra SIDA, levado a cabo pelo padre Vitor Lamosa que, ao lado de líderes tradicionais e as autoridades administrativas lançaram bases para criação de casas de órfãos em Ching´amba. A fundação Gonçalo da Silveira desempenhou este papel de relevo.

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