• Nenhum resultado encontrado

1.3.1. Primeiro Subperíodo, 1941-1966 A Missão da Zambézia

1.3.1.2. O Desenvolvimento Missionário na Missão da Zambézia

Dissemos que a missionação dos Jesuítas foi condicionada pela Segunda Guerra Mundial. Importa incluirmos a neutralidade de Lisboa. Pio XII, reconhecendo que «as dioceses da África Portuguesa sofrem de uma grande falta de apóstolos e vastas circunscrições missionárias estão confiadas a poucos operários evangélicos», pediu para a igreja organizar dias especiais das vocações missionárias e difundir por todos os meios, para recrutar e preparar santos e hábeis missionários115. A guerra mundial ofereceu à burguesia portuguesa uma ocasião para afrouxar os laços com a Grã-Bretanha.

O comércio com os vários países beligerantes constituiu a base para a arrancada industrial do pós-guerra. Os produtos agrícolas industriais, gozando o favor do mercado, alcançaram o dobro da produção nos anos 1939-52. Neste campo o algodão cuja cultura era praticada e intensificada também em Moçambique, desempenhou um papel preponderante. Protegeram- se os capitais portugueses e privilegiaram-se as companhias, quer assumissem directamente a mão-de-obra assalariada quer obtivessem do Governo o monopólio da compra do produto. A introdução das culturas de rendimento esteve ligada a necessidade de introdução da moeda para o pagamento de imposto. Com a medida, o governo pretendia introduzir o circuito monetário na colónia.

Para do circuito monetário remete-nos a falar do trabalho o que significa indicar exactamente a relação existente entre patrões e trabalhadores, e as intervenções do Estado na evolução progressiva destas relações. Em 1878 e em 1880 deu-se um regulamento dos contratos para os trabalhadores domésticos. Em 1899 foi publicado um regulamento do trabalho indígena; em 1813 e em 1914 passou-se a regular o trabalho na província de Moçambique. O Governo pôde intervir como garante e defensor de direito, obrigando a um contrato e estabelecendo as condições e a duração do mesmo. Também fiscalizava as normas de recrutamento dos trabalhadores, determinando as condições do trabalho obrigatório e do trabalho correcional. No papel precisava os deveres dos patrões em relação ao respeito, ao salário e à assistência médica aos trabalhadores, mas na prática não era verificável, embora existisse toda uma série de decretos para a Sociedade de Emigração. Já em 1897 indígenas moçambicanos à procura de trabalho iam à África do Sul e, em 1913, à Rodésia onde eram utilizados como mineiros.

O Estado e as sociedades de emigração lucravam com esta mão-de-obra, além de outras entradas provenientes de contributos e taxas, cobradas directamente e de várias maneiras às povoações da colónia. O imposto de família (a palhota), criado em 1884 e transformado mais tarde em contributo pessoal (per capita) pagável, a partir de 1900, também em selos ou em algodão onde existisse este cultivo (1915), era um dos exemplos. Em alguns distritos de Tete o imposto per capita abrangia também, desde 1934, e tornou-se obrigatório para os dois sexos a começar dos dezasseis anos em Lourenço Marques, em 1938 (150$00 para os

114

Cardoso, Alfaro. O Ensino em Moçambique (art. de opinião) Jornal A União, Lourenço Marques, 20 de Julho de 1940. Vide Boletim Geral das Colónias, Nº 182-183, II Série, Lisboa, AGC, Ateliers Gráficos Bertrand (Irmãos) Lda. Ago-Set. 1940:170-171

homens e 100$00 para as mulheres). A 20 de Julho de 1957 suprimiu-se o imposto individual e cria-se a taxa pessoal anual. Parece certo que o governo queria suprir a raridade do dinheiro e combater as transações comerciais feitas por meio de tecidos, pólvoras ou armas. Segundo Santos,

Durante as décadas de 1920-1940, o volume da força de trabalho nas plantações da região Centro, mesmo descontando as crescentes práticas de trabalho forçado, aumentou o suficiente para introduzir um importante circuito monetário. Só nas plantações de chá, uma actividade instalada já na década de 1920, trabalhavam 25000 africanos. Calcula-se que em 1938 o conjunto das plantações da Zambézia ocupasse mais de 28% da população masculina adulta. Isto significa que do ponto de vista fiscal, esta região fosse,

em geral, problemática apenas nas circunscrições sem plantações116.

O crescimento fiscal do Norte de Moçambique - diferentemente do sul que contou com a mão de obra emigrante – foi feita na base da promoção de cultivo do algodão. Santos avançadas hipóteses sobre as políticas algodoeiras africanas do Estado Novo. i) O algodão tinha um valor comum às indústrias europeias e às manufacturas pré-capitalistas de muitas sociedades subsaarianas; ii) a utilidade dos mercados de algodão serviam para monetarizar o que seriam as futuras receitas fiscais. O autor sustenta que «as prioridades orçamentais colocavam a cobrança do imposto antes do êxito de qualquer política agrícola ou comercial; para os poderes públicos o único valor de uso do algodão consistia imediatamente no seu valor de troca, isto é, na sua capacidade de assegurar as receitas fiscais117».

A fixação dos preços obrigava sociedades a exportar para a metrópole, com preços de favor o que lhes possibilitava obter lucros consideráveis. As companhias, por sua vez, pediam ao Governo grandes concessões de terras e a obrigação para os trabalhadores indígenas produzirem algodão nas suas machambas para depois lho entregarem. Anos climaticamente desfavoráveis convertiam-se num verdadeiro flagelo para os indígenas, constrangidos muitas vezes a comprar a quantidade de algodão estabelecida para a entrega a fim de escapar à repressão. A política colonial portuguesa continuava o seu caminho fora do novo quadro internacional que se estava a criar, especialmente com a formação da Carta Atlântica de 1941. Porém, estamos também longe do desejo da reestruturação radical.

Portugal chega a considerar-se uma potência afro-europeia, como se depreende da nova constituição de 1951, na qual Angola e Moçambique já não são colónias, nem protectorados nem possessões ultramarinas, mas partes integrantes e orgânicas de Portugal com a categoria de províncias118. O objectivo recôndito de perpetuar o domínio colonial irá aparecendo, cada vez mais evidente ao longo dos anos sessenta. Enquanto uma grande parte de África atinge a independência, Portugal inicia uma campanha de censura da imprensa, servindo-se da polícia política para manter o nacionalismo português e o processo de assimilação com que se quer fazer do indígena um dócil súbdito português.

É no isolamento que Portugal de Salazar amadurece e consolida a sua política colonial, seguindo uma visão particular e usando muitas vezes o método forte. É neste contexto socio-político que a Companhia deve exercer o seu mandato. A sua obra orienta-se em dias direcções complementares: por um lado procura-se esclarecer as relações com o Estado a fim de garantir a sua própria liberdade de acção no respeito das recíprocas competências, por outro, dedica-se à própria responsabilidade, e Missão evangelizadora. Além da

116 Santos, Maciel, Imposto e Algodão: o caso de Moçambique (1926-1945) in AAVV, Trabalho forçado africano: Articulações com o poder político, CEAUP, Porto, 2007:204

117 Santos, Maciel, Imposto e Algodão: o caso de Moçambique (1926-1945) in AAVV, Trabalho forçado africano: Articulações com o poder político, CEAUP, Porto, 2007:209

preocupação em aumentar o pessoal missionário, recorrendo até Lisboa, os primeiros seis missionários ocupam-se em:

 Organizar guia para evangelização

 Formar nativos e distribuir melhor o pessoal existente  Determinar os sectores de trabalho para cada um

 Introduzir uma metodologia missionária adequada a realidade local  Fornecer uma formação mínima ao pessoal auxiliar

 Estudar a cultura local com estadas prolongadas nas comunidades  Visitas pastorais

Os missionários tinham enfrentado uma situação concreta: conciliar a evangelização com a civilização. A evangelização implicou a criação de uma rede de acções sociais merecedoras de elogios como aquele de Andrade Corvo: «deve-se reconhecer que os Jesuítas compreendiam bem a maneira prática de civilizar os selvagens combinando o ensino religioso com o industrial e agrícola». Saldanha sintetizava que «os indígenas do Norte falam a língua portuguesa mais do que no sul do Save. Os missionários que no passado vieram para a África pensaram bem em pregar a religião e o arado. A instrução foi colocada ao cimo da agenda, com destaque para as escolas artesanais e à formação da mulher indígena, porque, como diria D. Rafael: «a civilização cristã, na África, prepara-se nas escolas e completa-se nas igrejas119».

Entretanto, os padres tomaram a evangelização como meio para proteger os indígenas contra as arbitrariedades das autoridades e não para fomentar o nacionalismo, conforme o desejo do regime. Pe. José de Sousa dirá, mais adiante: «quando fui pela primeira vez tinha esse pensamento, mas após regressar a Europa para completar a Teologia conclui que Moçambique era Moçambique e portanto, com nacionalismo próprio120. A evangelização como forma de defender o povo cujos direitos eram espezinhados e destruídos incitou as autoridades a intervir com cautela. Já em 1926, afirmava-se: «o concílio tributa os maiores elogios aos missionários, tanto religiosos como seculares, que nas províncias do ultramar e na diocese do padroado português bem os mereceram da parte da igreja e da pátria, trabalhando com zelo na pregação do Evangelho121». A difusão de valores portugueses ao nível ideológico, cultural e religiosos devia impedir nascer, entre africanos, a consciência da própria identidade cultural ligando-lhes, por meio da assimilação, à pátria-mãe. Ao mesmo tempo, os jesuítas foram colocados na Angónia para fazer face ao protestantismo proveniente do território vizinho controlado pelos ingleses.

Afonsina, confirma que até 1946, toda a zona da Fonte Boa era evangelizada pelos padres vindos do território inglês: «a primeira igreja estaria da outra margem do riacho, mas para facilitar aos ingleses, construímo-la aqui, deste lado122». Esta questão será ultrapassada por intermédio de D. Sebastião Soares de Resende123. O prelado buscou melhorar as condições dos Indígenas, ou seja: «indivíduos de raça negra ou seus descendentes que não satisfaçam simultaneamente às seguintes condições: falar português, não praticar usos e costumes

119 Cfr. Saldanha, Eduardo d'Almeida, Colónias, missões e acto colonial, Lisboa, Minerva de G. Pinto de

Sousa & Irmão, 1931:64

120 Sousa, José Augusto Alves de. Covilhã, entrevista com o autor, 3 de Janeiro de 2013 121

Cfr. Concilio Plenário Português, Lisboa, 1926:423.

122 Gwembe, Afonsina Pedro. Makodzakodza, entrevista com o autor, 28 de Fevereiro de 2013

123 D. Sebastião de Resende foi nomeado seu primeiro bispo em 21 de Abril de 1943, Cfr. Resende, S. S., De

característicos do ambiente indígena, exercer uma profissão, comércio ou indústria ou possuir bens com que viver, as mulheres e os filhos dos não-indígenas, os filhos de um indígena e de um não-indígena, se reconhecidos Juridicamente por este último124». Aceitou o envio de missões antropológicas e etnológicas para o estudo das respectivas populações sob o ponto de vista bio-étnico, porque isto contribuiria para dar garantia científica a algumas escolhas de política colonial, visando uma melhoria da acção baseada em dados e valores bio-culturais. Na saudação pastoral de 1943 recorda o sentido da presença da Igreja na África Oriental e os empenhos assumidos com o Acordo Missionário.

Em 1945, numa carta que é uma análise pastoral e social dos problemas da fé, da vida e da colonização, sublinha que a função colonizadora tem um caracter profundamente social e colectivo: colonizar é educar, educar é civilizar e civilizar é cristianizar. Os outros argumentos tratados até 1967, ano da sua morte, são os mais variados e numerosos; o problema da educação em África, a responsabilidade cristã, a dinâmica cristã do trabalho, o significado do Natal e da Quaresma, os temas do Concílio e as responsabilidades do pós- concílio, etc. Segundo Adriano Moreira:

Ao conceito oficial de que à Igreja africana só era lícito intervir no seu próprio governo, dogma, moral e disciplina, o Concílio, D. Sebastião de Resende, opunha a insistência na necessidade e urgência da acção social. Pelo menos desde 1945 que combatia o trabalho forçado e a arbitrariedade nas relações de trabalho; defendia desde 1951 a criação dos estudos universitários na África Portuguesa; sustenta em 1961 a necessidade da “integração plena e total de pretos e brancos de Moçambique”, defendendo, em 1966, contra os factos teimosos, que se acabe “de uma vez para sempre com o ultrapassado Estatuto do Indigenato”125

.

As suas viagens pastorais se tornam uma análise concreta da situação das pessoas, o comportamento das autoridades, a repressão policial, as injustiças, o trabalho das mulheres e dos velhos encontrados ao longo das estradas, os problemas das escolas, a pobreza do povo, é tudo anotado nos seus apontamentos e recordado e discutido no momento oportuno. Para os missionários ele é um pai e um mestre, um amigo que os quer a todos empenhados, disponíveis e livres de qualquer vínculo com os colonizadores. Com a Igreja, criava-se um ambiente favorável para a introdução do código penal, cujo projecto inicial data de 1944, seguido de um projecto definitivo, dois anos depois, relacionando-o com direito criminal indígena126. Incapaz de construir prisões adequadas aos delinquentes indígenas perigosos o governo recorria à sua deportação para Angola, conforme o decreto do 1º de Agosto de 1902 e, mais tarde, de 26 de Agosto de 1911.

Este exílio foi abolido, pela Carta Orgânica de 15 de Novembro de 1933, depois pela Carta Orgânica de 5 de Maio de 1937, o desterro para Angola foi substituído com a deportação dentro da colónia. O exílio passou a significar afastamento forçado para outro distrito e a pena anexa ao exílio foi abolida e substituída com o trabalho público. As condições de trabalho eram indigentes e o chamado contrato de trabalho parecia funcionar sobre a carta, mas na realidade era pura escravidão. O trabalhador, depois de seis meses de serviço vem a receber apenas o dinheiro suficiente para pagar o imposto indígena. Saldanha critica a ingenuidade do Governo que se propõe pagar os seus trabalhadores indígenas até melhor do que outros contribuintes, ironiza sobre o trabalho agrícola limitado a nove horas diárias,

124 Ubaldo. Madela Maggiorino. La Chiessa Cattolica in Mozambico: Dellévangelizzazione dal 1940 ad oggi,

Roma, Giugno 1980:283

125

http://bibliotecaadrianomoreira.cm-braganca.pt/PageGen.aspx?WMCM_PaginaId=27807

126 Cota, José Gonçalves, Projecto definitivo do Estatuto do Direito Privado dos Indígenas da colónia de Moçambique: precedido de um estudo sumário do direito gentílico. Lourenço Marques, Impr. Nacional de

sobre o direito do trabalhador à alimentação e à casa, vestuário e assistência médica: «elogiamos o facto de que seja concedido aos nossos trabalhadores indígenas um tratamento melhor do que aos próprios agricultores brancos da Europa. Somos sempre muito astutos. É o caso de ou tudo ou nada. E este tudo ou nada será bem ponderado pelos colonizadores que escolherão tranquilamente a segunda parte127».

Documentos relacionados