• Nenhum resultado encontrado

A Missionação Jesuítica no Contexto da Igreja Concordatária

1.3.1. Primeiro Subperíodo, 1941-1966 A Missão da Zambézia

1.3.1.1. A Missionação Jesuítica no Contexto da Igreja Concordatária

A 7 de Maio de 1940 é assinada a Concordata Missionária através da qual e «Em nome da Santíssima Trindade» Sua Santidade o Sumo Pontífice Pio XII e Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, dispostos a regular por mútuo acordo e de modo estável a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e maior bem da Igreja e do Estado, resolveram concluir entre si uma solene Convenção que reconhecia e garantia a liberdade e salvaguarda dos legítimos interesses da Nação Portuguesa, inclusivamente no que respeitava às missões católicas e ao Padroado do Oriente.

Os Jesuítas, como todas as associações com personalidade jurídica, beneficiaram-se do Acordo Missionário à medida que podiam «adquirir bens e dispôr dêles nos mesmos termos por que o podem fazer, segundo a legislação vigente», segundo o artigo 3º. Foi à luz destes instrumentos que podiam fazer pedidos de donativos para a construção das igrejas, porque ela «pode livremente cobrar dos fiéis colectas e quaisquer importâncias destinadas à realização dos seus fins, designadamente no interior e à porta dos templos, assim como dos edifícios e lugares que lhe pertençam». Para a importação de bens de Portugal para as colónias, o artigo 8º isentava a Igreja de impostos. Os benefícios para Portugal advinham do facto de poder ser capaz de influenciar na nomeação de pessoas-chave para o funcionamento da hierarquia da Igreja.

A Santa Sé, antes de proceder à nomeação de um Arcebispo ou Bispo residencial ou de um coadjutor cum iure successionis, salvo o que está, disposto a respeito do Padroado e do Semi-Padroado, comunicará o nome da pessoa escolhida ao Govêrno Português a fim de saber se contra ela há objecções de caracter político geral. O silêncio do Govêrno, decorridos trinta dias sôbre a referida comunicação, será interpretado no sentido de que não há objecções. Tôdas as diligências previstas nêste artigo ficarão secretas107.

A Educação beneficiou-se muito dos preceitos do Acordo Missionário «as associações e organizações da Igreja podem livremente estabelecer e manter escolas particulares paralelas às do Estado, ficando sujeitas, nos termos do direito comum, à fiscalização dêste e podendo, nos mesmos termos, ser subsidiadas e oficializadas». Uma forma de evitar conflitos com a Igreja residia no casamento. No artigo 22º «o Estado Português reconhecia efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas, desde que a acta do casamento fosse transcrita nos competentes registos do estado civil. Com a Bula Papal «Solemnibus Conventionibus» de 4 Setembro de 1940, Pio, Bispo Servo dos Servos de Deus

para Perpétua Memória, suprimia a Prelatura «Nullius» e pretendia-se satisfazer os artigos

26º a 28º em que estavam enunciadas as normas fundamentais relativas à actividade missionária. Este documento visava regular, especificamente, a vida missionária no Ultramar. Pelo artigo 26º do Acordo Missionário:

A divisão eclesiástica do Ultramar Português será feita em dioceses e circunscrições missionárias autónomas. Dentro de umas e de outras podem ser erectas direcções missionárias pelos respectivos prelados, de acôrdo com o Govêrno. Os limites das dioceses e circunscrições missionárias serão fixados de maneira a corresponderem, na medida do possível, à divisão administrativa. Os padres vivendo em determinadas paróquias são pessoas influentes e sua saída é sempre motivo de preocupação pelo que justificam aos fiéis.

O Acordo Missionário e o Estatuto Missionário são documentos que vieram aperfeiçoar o estabelecido nos acordos de 1928 e 1929, incorporados, depois, no Acto Colonial. A Igreja Católica tinha uma consideração especial o que era aceite pela maioria do povo português. De forma unilateral, o governo português régulou a vida missionária nas suas colónias e era

chegado o tempo de incluir uma dimensão bilateral com a Santa Sé. Pela força da Concordata, a hierarquia sofreu profundas modificações criando-se dioceses - sob égide de um bispo auxiliado pelo clero secular - e circunscrições missionárias autónomas, confiadas às congregações missionárias reconhecidas pelo Governo como corporações missionárias. Para garantir o aportuguesamento da população foi preciso dar primazia aos sacerdotes de nacionalidade portuguesa, abrindo, contudo, espaço para os de outras nacionalidades, desde que aceitassem estar sob alçada das leis e dos tribunais de Lisboa. Os bispos, os vigários e prefeitos apostólicos seriam todos portugueses porque deles dependeriam todos os missionários seculares e regulares em tudo o que dissesse respeito à missionação. Qualquer actuação da Santa Sé em termos de alargamento do espaço por evangelizar tinha que observar-se os limites do território português. No artigo 28º;

Os ordinários das dioceses e circunscrições missionárias, quando não haja Missionários em número suficiente, podem, de acôrdo com a Santa Sé e com o Govêrno, chamar missionários estrangeiros, os quais serão admitidos nas missões da organização missionária Portuguesa, desde que declarem submeter-se às leis e tribunais Portugueses. Esta submissão será a que convém a eclesiásticos108.

A Concordata também afectou nas nomeações de Arcebispos ou Bispos residenciais ou ainda de um coadjutor com direito de sucessão, porque tinha que cair sobre os portugueses. Embora feitas pelo Papa, devia-se consultar o Governo para possíveis objecções de caracter político geral, sucedendo o mesmo no caso de prefeitos e vigários apostólicos estrangeiros. No espírito do Acordo Missionário houve consideráveis facilitações económicas que iam desde a isenção de impostos à concessão de subsídios às congregações missionárias, atribuindo-lhes terrenos e, até a assistência médica e a pensão concedida aos Bispos como chefes de Missão, aos vigários e prefeitos apostólicos, a reforma aos missionários anciãos, despesas de viagem entre a metrópole e a colónia.

A Igreja tinha a liberdade de fundar escolas para os indígenas e europeus, seminários, catecumenados, postos de saúde e hospitais, mesmo até fora da colónia, onde houvesse compatriotas em número significativos. Será por isso que encontraremos o padre José Vicente Martins em Salisbury, lá mais adiante. A obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa não afectava o ensino religioso no qual podia usar-se a língua indígena. Como se pode ver, aparentemente o trabalho missionário, à luz dos documentos emanados, teve grandes vantagens. Mas nem sempre! As complicações advieram de falsas interpretações e abusos a que deram azo. Maritain nota que:

A Concordata de 1940 não privilegiou a igreja católica portuguesa e não foi uma discriminação social e política da igreja e a concessão de privilégios temporais aos seus ministros e aos seus fiéis ou a uma política de clericalismo, e também não foi um tipo de corrupção da religião pelo interior, para a qual trabalham os ditadores de caris totalitário-clerical e que é pior do que a revolução109.

O Estado tentava, por meio de reversões indirectas, devolver o que havia sido confiscado à Igreja, com a Revolução de 1910, agora que as missões católicas eram tidas como instituições de utilidade imperial e de um valor eminentemente civilizador, conforme o Estatuto Missionário que foi da autoria do Estado, numa linguagem jurídica acomodada aos seus gestos e interesses.A atribuição de subsídios aos bispos deu, até onde pôde, ocasião para o Governo poder exercer controlos e pressões conforme os seus interesses. Todavia, tratavam-se de benefícios produzidos na própria colónia. Pelo artigo 9º

108 Cortesão, Armando Zuzarte (Coord.). Cronica Colonial, Missões e Patriotismo, II Série do Boletim Geral

das Colónias, Nº 211, Lisboa, AGC, Ateliers Bertrand (Irmãos) Lda. Jan. 1943:92.

As corporações missionárias reconhecidas, masculinas e femininas, serão, independentemente dos auxílios que receberem da Santa Sé, subsidiadas segundo a necessidade pelo Governo da metrópole e pelo Governo da respectiva colónia. Na distribuição dos ditos subsídios, ter-se-ão em conta não somente o número de alunos das casas de formação e dos missionários nas colónias, mas também as obras missionárias, compreendendo nelas os seminários e as outras obras para o clero indígena. Na distribuição dos subsídios a cargo das colónias, as dioceses serão consideradas em paridade de condições com as circunscrições missionárias110.

Foi na base desta bula que se criaram, pelo Art. 6º, as três dioceses em Moçambique, com sede em Lourenço Marques, Beira e Nampula. Aqui também renovava-se o desejo de que «os limites das dioceses e circunscrições missionárias serão fixados pela Santa Sé de maneira a corresponderem, na medida do possível, à divisão administrativa e sempre dentro dos limites do território português111». Reafirmava-se, no Artigo 1º, que:

A divisão eclesiástica das colónias Portuguesas será feita em dioceses e circunscrições missionárias autónomas. Aos bispos das dioceses cabe organizar, por intermédio do clero secular e regular, a vida religiosa e o apostolado da própria diocese. Nas circunscrições missionárias a vida religiosa e o apostolado serão assegurados por corporações missionárias reconhecidas pelo Governo, sem prejuízo de, com autorização deste, se estabelecerem, nos ditos territórios, missionários doutras corporações do clero secular112.

Antes desta Bula, o outro documento foi o Estatuto Missionário. O diário do Govêrno de 5 de Abril de 1941 publicou-o, regulamentando os princípios da Concordata e do Acordo Missionário. O Art. 46º obrigava cada corporação reconhecida a comunicar «ao Ministro das Colónias, dentro dos primeiros noventa dias de cada ano:

a) O número e a localização das suas casas de formação; b) O número e a localização das suas casas de repouso; c) O número de professores das casas de formação; d) O número de alunos de cada casa de formação; e) O número e a localização das escolas de enfermagem; f) O número de alunas das escolas de enfermagem;

g) O número de alunos que durante o ano escolar anterior desistiram do curso;

h) O número de alunos que findaram o curso no ano escolar anterior, discriminando o número dos que partiram para as Colónias e o número dos que ficam, com a indicação dos motivos;

i) O número dos missionários que estão a repousar, com a discriminação dos que não podem voltar às colónias.

Em 1940 foram criadas em Moçambique mais quatro missões católicas: em Guijá – Missão Sucursal de Santa Joana de Aveiro, Princesa do Guijá, Missão do Infante Santo do Ile, Missão de Nossa Senhora de Fátima de Macutamala-Mogovolas e Missão de Santa Teresinha de Imbunho-Maconde113. No mesmo ano foi nomeado Dr. Moreira de Almeida para Director dos Serviços de Instrução. Essa escolha era motivada pelo seu caracter nacionalista como sustentara Alfaro Cardoso, num artigo publicado no A União «Pedagogo

dos mais distintos e espírito profundamente nacionalista, a sua escolha demonstra a atenção especial que o ilustre Ministro das Colónias, Sr. Dr. Vieira Machado, dedica à

110 Cortesão, Armando Zuzarte. Boletim Geral das Colónias, Nº 180, Lisboa, AGC, Ateliers Gráficos Bertrand

(Irmãos) Lda. Jun. 1940:24-25

111 CORTESÃO, Armando Zuzarte. op.cit.. Jun. 1940:23.

112 CORTESÃO, Armando Zuzarte. op.cit. Jun. 1940:22-23.

preparação das futuras gerações114». Tinham sido seus antecessores, Carlos Moreira e

Braga Paixão. O cuidado direcionava-se para os jovens porque «é na mocidade que está o futuro da nacionalidade» para combater as ideias desnacionalizadoras, internacionalistas e derrotistas que prevaleciam antes ao 28-05-1926.

Documentos relacionados