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De há bastante tempo que se avolumavam, neste governo, fundas suspeitas de infiltração de indígenas da Niassalândia na região fronteiriça da circunscrição da Macanga, especialmente na área do Posto Administrativo de Vila Gamito

António Carlos Craveiro Lopes

A acção missionária foi para Macanga, junto do rio Chiritse onde fundaram a Missão de S. Miguel, a 40 Km de Furancungo, a sede administrativa. O local era distante da vila sede, uma estratégia que os Jesuítas apostaram para fugir do controlo administrativo. Poucos anos depois de fundada teve seis missionários para 712 cristãos, tinha internato, posto de enfermagem, Apostolado da oração, escolas com 37 professores e 1727 alunos.

A Missão de São Miguel Arcanjo do Chiritse foi fundada a 29 de Setembro de 1957, e ocupa uma superfície de 18.300 Km2 com uma população estimada em 45.500, 20,8% da qual (13.000) é católica assistida por 235 catequistas. Actualmente é assistida a partir de Lifidzi e tem como obras de promoção o Desenvolvimento agrícola. O Movimento laical expressivo é a Legião de Maria. No ano seguinte, deixou de ser uma mera estação missionária dependente de Lifidzi para se tornar uma Missão independente.

Sousa (1991), descreve que o contacto das populações de Chiritse com os Jesuítas não é recente. Já em 1939, um grupo de três jovens215 que foi para a Rodésia trabalhar, teve contacto com os Jesuítas ingleses os quais disseram-lhes que havia, na zona deles, Jesuítas em Lifidzi a quem poderiam contactar pois eles já tinham sido baptizados. Voltados iniciaram com a pregação de forma isolada, e preparam grande número de almas para o baptismo. Caminharam cerca de 150 km a pé, ao encontro dos padres de Lifidzi, em 1942, tendo sido orientados a irem para Boroma, 100 km dali, o que fizeram.

No começo, a administração local deu emprestado uma casa aos primeiros missionários ali residentes, a partir de 1958, com o padre Luciano, seu primeiro habitante, seguido de Arnaldo Augusto de Lacerda. A casa Penedo, como era conhecida, acolhia todos os missionários que para Furancungo iam. O padre Luciano Ribeiro dedicou-se a procurar um local apropriado para a Missão, a partir dos conhecimentos que tinha do padre José João Gonçalves. De Boroma teve apoio dos padres Raúl Sarreira, Augusto Pinto e Manuel Agostinho. Os padres ali residentes dedicaram-se também a orientação das escolas confiadas pela administração às missões.

No campo da evangelização, em 1959 já havia 61 baptismos, 16 confirmações, 439 cristãos e 890 catecúmenos. Na escolarização, no mesmo ano havia 16 escolas, sendo duas em Bene, 3 na Vila Gamito, 4 em Casula, 7 em Chiuta216. Ao longo do seu progresso, Chiritse teve o um internato masculino, salas de aula, capela, residência para os missionários, herdade agrícola, horta e uma barragem sobre o rio Chiritse. Em 1964, possuía 1000 católicos, 34 professores, 1373 alunos, 90 alunos internos, 3997 doentes.

Aqui o padre Miguel Ferreira da Silva morreu quando uma árvore caiu-lhe em cima. Eram colaboradores, após o abandono dos missionários, os catequistas: Maros Chalera e

215

São eles: João Chiutano, Miguel Chiutano e Pedro Maquia, este último pai do futuro jesuíta, Pe. Alberto Pedro Maquia. Miguel era pai da futura irmã Beatriz Miguel (FMMDP)

216 Sousa, José Augusto Alves de. Os Jesuítas em Moçambique, 1541-1991: no cinquentenário do 4º. período

Marcelino Nelson. Os ventos da guerra colonial vieram tornar cada vez mais imperativa a presença missionária naquele território. Os nativos, cansados da exploração e com base no que acontecia nos territórios ingleses iniciaram com acções de sabotagem. O reconhecimento de alvos militares contou com o fingimento de maluquice ou qualquer outra doença, que não levantasse suspeita junto das autoridades e mesmo dos missionários. Por exemplo, Afonso I. Ferraz de Freitas, fala de Petane Chatiola, um suposto doente mental que é apanhado nas mediações do quartel. Depois de ameaçado diz que ia para incendiar o quartel e que os colegas viriam a noite. Houve reforço e nada aconteceu, o homem foi mandado regressar. O mesmo homem tinha incendiado o celeiro do milho da mãe, Ecineia; ela queria levá-lo ao hospital mas o médico declarou-o normal.

O doente fora detido pelo furriel de serviço que pediu reforço de sargento Simões que «anteriormente tinha estado a comandar a secção de infantaria aqui; retirou-se no dia 12, depois de ter pernoitado uma noite no Fumo Cassepa, fronteira com a Rodésia do Norte. Foram estes factos que, segundo consta, provocaram o alarme injustificado que se deu em Tete217». Um telegrama em poder da Torre do Tombo sobre este acontecimento é muito claro. Citemos o telegrama de José Nogueira Valente Pires:

Relatório acontecimentos Zambue dia 6 atravessaram fronteira 4 indígenas Missão incendiar 3 fugiram 1 prisioneiro interrogado apurou-se que noite 7/8 viria mais gente atacar quartel e que há naquela região indígenas com ordem da Rodésia para expulsar brancos. Um dos chefes deste grupo é o antigo interprete posto, já conhecido pelas suas actividades subversivas. Situação actual calma. Secção reforço regressa Fingoe por não necessitar segundo indicações cmdt destacamento sargento Simões fica mais dois dias naquela região fim obter informações. Prisioneiro foi para autoridade civil

Zumbo por iniciativa cmdt destacamento Zambue. A bem da nação218.

Para os políticos, a cedência do terreno na Macanga tinha em vista assegurar o domínio, ameaçado com as independências dos territórios ingleses. Para os padres «nesta região só se fará alguma coisa ou com uma Missão local, ou com boa vigilância da parte do chefe do posto, para acabar com a dança do nyau219». Informações confidenciais indicavam a infiltração dos indígenas, desde 1961, na Macanga. De Lourenço Marques, 11 de Agosto de 1961, António Carlos Craveiro Lopes, no ofício Nr424/GDT descreve os acontecimentos, sem contudo, propor medidas missionárias, as quais serão encontradas localmente, na base das constatações no terreno. Eis o que nos diz:

1º «de há bastante tempo que se avolumavam, neste governo, fundas suspeitas de infiltração de indígenas da Niassalândia na região fronteiriça da circunscrição da Macanga, especialmente na área do Posto Administrativo de Vila Gamito, o que levou a uma intensificação de colheita de informações, tendentes a concretamente conhecer de que se estava passando.

2º Em resultado das diligências levadas a efeito, foi agora possível conhecer, com exactidão, que na regedoria de Cussarara tal estava sucedendo, tendo sido detidos e processados doze indígenas portugueses que, interrogados, confirmaram estar trabalhando a favor do Malawi Congress Party.

3º No decorrer dos interrogatórios, confessaram que, na última reunião efectuada, tinha ficado deliberado qual o tratamento a dar aos europeus, logo que o Dr. Banda tomasse conta das terras situadas entre a actual fronteira e o rio Zambeze.

217 SCCIM, cx 159, nº 1094. Na Rfa. Nota 42.432/B-2.935, de 24 de Setembro de 1962 e Assinado em 21 de

Novembro de 1962, António Carlos Craveiro Lopes, Insp Admvo, em 31 de Outubro de 1962. Veja também Afonso Ivens Ferraz de Freitas, no Oficio 661/sdi, acontecimentos de 7 de Setembro de 1962 no posto de Zambue, Zumbo, TT

218 Nota telegrama 441/0i-C de 11/9/62. B. Art. 162-Tete

3.1. Entre os assuntos versados nessa reunião figuram as da violação de todas as mulheres europeias, de que se serviriam todos os homens da povoação, e de destino a dar aos filhos dos europeus que, ficou resolvido, seriam queimados.

3.1. As armas para a acção que pretendiam vir a empreender seriam fornecidas pelo Dr. Banda, que lhes daria grandes regalias, como a posse de geleiras, carros, casas grandes e dinheiro.

4º. Os indígenas detidos estão a ser removidos para esta cidade, encontrando-se, já, neste Governo do Distrito, os respectivos processos, parecendo-me que seria de grande conveniência que a PIDE promovesse a vinda urgente de elementos para tomarem conta do caso, procedendo a ulteriores diligências que se tornam convenientes e promovendo sobre o destino mais conveniente a dar aos presos.

5º Seria aconselhável que da Companhia de Cavalaria Aquartelado na Macanga fosse destacado temporariamente para o Posto da Vila Gamito, uma secção, que ali ficaria enquanto fosse julgado conveniente, a fim de proceder a repetidos reconhecimentos e, pela simples acção de presença, apoiar o Chefe do Posto mais diligências que está efectuando com vista à identificação de mais núcleos de propaganda que possa existir, tanto mais que no próximo dia 15 se espera perturbação da Ordem na Niassalândia, em virtude das eleições que nessa data ali se realizarão.

5.1. Da conveniência desta medida vou dar conhecimento ao Comandante Militar de Tete.

6º Muito conviria, ainda, que para a regedoria Murunguja, da circunscrição de Zumbo, fosse, igualmente, destacada uma secção, pois se trata de região muito distanciada e isolada, que de há

muito vem preocupando este Governo220.

Na interacção com as populações locais foi enfrentada a árdua tarefa de combater a prática do Nyau, de modo a evitar a fuga da escola e a baixa frequência dos alunos, a ausência de raparigas no ensino, a resistência dos chefes indígenas que viam na escola uma ameaça alienadora da cultura, a falta de colaboração da parte das autoridades, o factor língua e o não retorno dos alunos à escola. Mesmo assim, debaixo destas dificuldades, houve melhoras, iniciadas em 1949. Estatísticas de 1957, precisa a frequência das meninas nas escolas pré- elementares. No primeiro caso a média é de 36% sobre o total das frequências ao passo que no segundo atinge os 42%, sendo 26% só de meninas de raça africana (negras ou mistas)221. A preocuação em melhorar a qualidade das construções de salas de aula com qualidade fez parte do rolo das preocupações. Os edifícios escolares das missões, espalhados pela savana obrigam um observador atento escrever que: «grande parte destas escolas fazem pensar em estábulos para animais: paus e lama, cobertas de palha, sem bancos nem carteiras com uma tabua pintada de preto à guisa de quadro. As crianças sentadas no pó da terra ou sobre troncos mais ou menos adelgaçados. Mas o que mais me assusta é como, com tao pouco, os professores indígenas possa obter tanto. Como podem tais escolas dar o rendimento que injustamente se lhes pede)222.

A Estação Missionária maior nesta Missão era a de Furancungo, onde trabalhavam as pessoas memoráveis como, Amélia do Rosário Frazão de Almeida, Maria Adelaide Martins Dias, Padre David Ferreira da Silva, Padre José João Gonçalves, Irmãos Amadeu Inácio, Cirão Justino e Araújo Andrade.

220 ANTT, SCCIM, cx 159, nº 1094. Na Rfa. Nota 42.432/B-2.935, de 24 de Setembro de 1962 e Assinado em

21 de Novembro de 1962, Pelo Chefe interno dos serviços, A. Ivens Ferraz de Freitas, no Oficio 661/sdi

221 Cfr. Silva, Maria da Conceição Tavares Lourenço da. As Missões Católicas Femininas Edição 37, Junta de

Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e Sociais, Lisboas, 1960:79.

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