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As missões protestantes têm a força do dólar e da libra; por isso ao contrário dos missionários católicos, a actividade protestante não conhece dificuldades materiais.

Rui da Silva Ganhão Pereira

Fundada a 1 de Setembro de 1945, a Missão da Fonte Boa foi das mais gloriosas missões jesuíticas em Moçambique, a avaliar pelo resultado das suas acções. A 16 de Outubro de 1945 foi baptizada com nome de Imaculado Coração de Maria. Em 1953 chegaram as primeiras missionárias freiras da Congregação Franciscanas Missionárias do Divino Pastor. Após a chegada tinham que aprender a língua local o que levava muito tempo.

As irmãs dedicavam-se aos cuidados na Saúde, no internato feminino e no Hospital enquanto os Padres à evangelização, visitas as comunidades e os Irmãos ficavam a cuidar da residência e das hortas enquanto os escolásticos se dedicavam ao ensino e ao cuidado dos alunos internos. Aqui saíram os primeiros padres jesuítas moçambicanos, João de Deus Kamtedza e Ezequiel Pedro Gwembe, o primeiro ordenado em 1964 e o segundo em 1975. Até 2009, numa superfície de 1.335 Km2 com 85.000 habitantes dos quais 37,6% são católicos, isto é, 32.000, havia cerca de 300 catequistas a garantir o normal funcionamento da evangelização. As principais obras de promoção eram a Promoção da mulher, biblioteca, promoção agro-pecuária, moinho, orfanatos, maternidade, apostolado bíblico. Os movimentos laicais eram Leigos para o Desenvolvimento e Legião de Maria.

 Esta Missão foi fundada para, entre outros objectivos: travar a influência católica promovida pelos padres provenientes da Missão de Nzama (Niassalândia)

 Fazer face à infiltração dos protestantes que ameaçavam, à luz dos Acordos de Berlim, os interesses de Portugal

 Combater a propagação do Nyau que impedia a progressão dos planos governamentais no ensino.

 Assegurar os limites do território português junto da fronteira, aportuguesando e cristianizar a região.

O primeiro padre servia da sua cama como altar para a celebração das missas. O primeiro nome era Chigwirizano e Fonte Boa provém de uma fonte de água um pouco abaixo, água que serve para o consumo na Missão que se chamava masambiriro (local de banhos). Ali se reuniam os mais influentes e falavam sobre os problemas da comunidade e as vias de estanca-los. Convidavam-se as autoridades tradicionais para se inteirarem dos mesmos e grande número de pagãos recorriam a elas. Diz-nos Raúl Sarreira: «Estas reuniões têm profunda ressonância na manutenção e renovação da vida cristã e na organização do apostolado entre aqueles que ainda não receberam o dom da fé207».

Em 1963 estava em construção o Internato Masculino, previsto a ter três pisos com ajuda dos padres Teodoro Rebelo e Francisco Sousa Monteiro. O engenheiro da Construção foi António de Sousa Lobo. Em 1952, o Ir. Manuel Gaspar se lançara para o acabamento da residência, transportando água, areia e saibro208. Nas herdades novos instrumentos de trabalho mais modernos substituíam os rudimentares dos nativos e a tecnologia era passada.

207 Raul Sarreira. 1941, De regresso mais uma vez 208 Cfr. Ecos da Província de Portugal, Junho/1952:53

Os sacrifícios a que os Jesuítas estavam submetidos eram motivados pela falta de um apoio mais eficaz para a realização da grande obra a que Deus os destinara. Desde os anos de 1950 houve plano de se construir uma Igreja de raiz capaz de dar visibilidade a Missão da Fonte Boa. Até ao momento, ainda não foi possível a concretização desse sonho. Nos Arquivos da Companhia existe o esboço da Planta daquilo que seria nova Igreja, como ilustrado na foto. Foto 3: Esboço da Planta da Igreja da Fonte Boa

Nesta missão, a actividade missionária contribuiu para reduzir o número de pagãos. Em matéria do ensino e de instrução conseguiu-se formar um número significativo de indivíduos qualificados. Os escolásticos, além de ensinar, ajudavam a ensaiar os rapazes e as raparigas do internato, representação de peças teatrais de Gil Vicente, Todo o Mundo e Ninguém, Arca da Barca do Inferno, a Vida é um Sonho. Era mais notório o elevado número da mulher no ensino que, como veremos no terceiro capítulo, ultrapassava o dos rapazes. É possível que tal se deva ao elevado número das raparigas em relação aos rapazes ou da influência do Nyau que mais era apoiada pelos rapazes do que pelas raparigas. De qualquer modo, a conclusão parece duvidosa por causa de outros elementos, como a emigração ao território inglês. Um aluno liceal do sétimo ano fazia notar que o catolicismo tinha adversários no protestantismo e animismo, além do islamismo.

Em Nyapanzi no distrito de Tete e Ching´amba na Angónia gozam ainda de grande preponderância, que só a instrução continuada conseguirá neutralizar. O Nyau, dança africana, está generalizada por toda a Zambézia e por toda a Angónia. Os missionários com quem contactamos foram unanimes em afirmar a imoralidade desta dança que apaixona os autóctones pagãos. Os seus adeptos não procuram só a satisfação de um prazer mais ou menos carnal; mas congregam-se em espíritos sectário contrário a tudo o que seja civilizado, moralidade e religião. Por detrás de toda esta animosidade não anda longe o ódio ao branco209»

O avanço do protestantismo deveu-se muito ao apoio em dinheiro o que incentivava a população para a sua aderência. Por isso Rui concluirá que «as missões protestantes têm a

força do dólar e da libra; por isso ao contrário dos missionários católicos, a actividade protestante não conhece dificuldades materiais. Pudessem os nossos missionários ter as mesmas possibilidades económicas, e a nossa cristianização seria muito mais eficiente»210. Nas áreas fronteiriças criaram centros de promoção de encontros e de convívio com as missões do interior a fim de consolidar a unidade nacional. Fonte Boa tinha como áreas de influência: Banga, Mpenha, Msaladzi e Satemwa que, em determinado momento, assumiram um papel independente com um padre residente. Contudo, dadas as circunstâncias históricas, neste primeiro momento juntaremos estas áreas e, na terceira parte, falaremos de episódios em separado. São muitas as áreas de intervenção missionária dos Jesuítas nesta Missão.

Em 1964, havia 9 missionários com 5 irmãs auxiliares, 2500 católicos, um internato, associação católica Chigwirizano e outras associações, 40 escolas e 21 professores, 845 alunos, hospital e maternidade. Estenderam a sua dimensão social do apostolado privilegiando as áreas de entrada das seitas proféticas. Para fazer face à melhoria da dieta alimentar, vários projectos foram ensaiados, como cultura alimentares nutritivas (soja e girassol) e a transformação em óleo alimentar.

Desde sempre, colocaram as suas viaturas ao dispor das comunidades locais em caso de doença grave e que requeresse uma intervenção médica especial num hospital rural ou provincial. Com ajuda dos benfeitores, os missionários oferecem bolsas de estudos aos estudantes dedicados e pobres. Para dar azo a esta iniciativa, os Leigos para o Desenvolvimento também contribuíram na oferta de bolsas de estudo. É reconhecida a dedicação da Leiga Isabel que em 2011 trabalhava em Moçambique pela terceira vez como voluntária, após ter trabalho no Timor Leste. Ela concedeu bolsas de estudo a alguns alunos.

2.1.4.1. Os Orfanatos e as Famílias Artificiais

Em 2006 o padre Vitor Pereira inaugura em Ching´amba, o orfanato Sementes de Amanha financiado pela Fundação Gonçalo da Silveira. Estavam presentes os líderes tradicionais e as autoridades administrativas que deram seus discursos. O projecto visava responder as necessidades da população ligados a orfandade, um dos primeiros projectos que a fundação levou a cabo em Moçambique. Era tempo de festa.

«Los festejos comenzaron com la santa misa, presidida por el pároco padre Vítor Lamosa. La comunidade llenó la capilla de Ching´amba, una de las más antíguas de la parroquia, com una construcción característica del Pe. João de Deus [Kamtedza], en forma de T. Tambiém estuvieron presentes los líderes tradicionalistas y el jefe de la localidade. Fue una celebración muy animada, muy al estilo africano, em la que las danzas, cantos, palmadas y saltos, em la acción de gracias, casi echaban abajo la capilla211.

Os orfanatos são visitados pelos familiares mais próximos das crianças além de jovens voluntários portugueses ligados aos Leigos para o Desenvolvimento, à Fundação Gonçalo da Silveira e ao CREU. A fundação Gonçalo da Silveira tem em vista a coordenar os apoios nas missões sob administração dos Jesuítas, desde 2004. Luta para combater a pobreza e melhorar as condições de vida das comunidades desfavorecidas, em particular nos países de língua portuguesa, assim como promover o conhecimento dos problemas do desenvolvimento com vista a uma cidadania activa e solidária. A criação de orfanatos

210 Rui da Silva Ganhão Pereira, 7º ano do Liceu de Leiria

deveu-se a constatação de que havia pouco cuidado dos órfãos pelos parentes mais próximos. A questão do abandono motivou a este projecto que é deixado a cargo de umas senhoras preparadas para fazer o acompanhamento de uma família de crianças órfãs que, da parte da Igreja, recebem o apoio paterno para estudo, saúde, habitação e vestuário. Todavia, o elevado número delas faz com que a assistência não seja a desejada. Voltaremos a este ponto lá mais adiante.

Os orfanatos foram construídos em aldeias distantes da Missão: Makodzakodza, Lidowo (10Km) Mbidzi, Ching´amba, Nkhawo e Magwai e Bintoi. A capacidade de resposta é limitada com 6 casas que colhem 80 crianças em situação de abandono. Algumas vezes os padres vão dar uma visita e convivem com os meninos, como era hábito do padre Francisco Almenar. As casas têm capacidade para 12, mas vivem 15 pessoas num ambiente familiar, estrategicamente localizada junto de escolas da aldeia em que se situam e devido a necessidade de assistência médica também não estão muito distantes de vias de acesso de modo a que as viaturas tenham acesso mesmo em tempo chuvoso.

Foto 4: Uma tia com os 14 órfãos acolhidos no Orfanato Jerónimo Senzani(06-03-2013)

As casas foram feitas de modo a não estarem distantes das comuns, uma casa principal, algumas redondas nos lados, casa de meninos e de meninas. Mas estão mobiladas. Isto pode ajudar a proporcionar um crescimento saudável as crianças não distante do comum dos habitantes da aldeia. Mas faz diferença num meio em que as casas são palhotas. Em cada casa vive uma senhora que esta a cuidar entre 12 a 15 meninos de ambos os sexos com idades compreendidas entre 2 a 15 anos.

Também há uma figura principal que desempenha papel de tia. Depois dela, segue-se outra com idade superior a 15 anos e a Missão custeia-lhe seus estudos garantindo que tenha mais tempo para estar com os meninos. Entretanto, nem todas as casas gozam desta característica. A necessidade da figura paterna satisfaz-se com as visitas frequentes dos parentes da zona

da proveniência dos meninos e são coordenadas pelo gurupa. Existem as mães sociais escolhidas em representação a cada zona em número de duas. Estas recebem uma formação de dois dias para se inteirarem dos deveres a ter para com os meninos na organização da casa, na saúde e nos estudos. Depois há formações contínuas. O processo de seleção dos meninos é moroso devido a sua quantidade. Líderes comunitários e civis participam da definição do plano de trabalho. Para garantir a continuidade do projecto usa-se o dinheiro proveniente da moagem presente junto de cada orfanato.

Mas não cobre de tal sorte que os padres têm que fazer um esforço acrescido. Diz-nos o padre Vítor «o moinho de Makodzakodza só consegue a despesa do diesel». Os ofertórios em alimentos que os padres recebem durante as missas são canalisadas para esse fim. A colaboração governamental é mais moral que material pois «quando iniciamos o projecto comunicamos à Acção Social em Tete, isto em 2006. Na altura tínhamos três orfanatos e prometeram vir. Só chegaram neste ano de 2013, com ajuda para as três casas quando já temos seis212».

A moagem presta serviço à comunidade que vive fundamentalmente do milho e seus derivados como comida principal. A 14 de Dezembro de 2007 entrou em funcionamento o moinho de Ching´amba e em 22 de Fevereiro de 2008 o moinho de Bintoni. Em 2010 foi inaugurada a última das seis casas previstas e em 2011 era visível a motivação das áreas circunvizinhas ao projecto de modo a imita-lo, com as comunidades locais apostadas a construir por conta própria casas similares.

Quanto às áreas pastorais da Fonte Boa, entre 1965-1971 esteve em funcionamento a estação missionária de Banga com o padre David Ferreira da Silva como principal assistente, antes de passar para João de Deus Kamtedza. O padre David recorda-se de como se mudou o nome, de Cristo Rei para S. João de Brito. «O primeiro nome era Missão de Cristo Rei da Banga. Por algum descuido, o padre Rebelo achou que o nome devia ser para Mpenha, e assim foi, passando Banga a designar-se Missão de São João de Brito213».

Em Maio de 1965 foram criadas as missões-paróquias de Ulónguè, desmembrada de Lifidzi sob Pe. José Neto; Banga sob David Ferreira e Mpenha sob o padre Theodoro Rebelo, estas duas desmembradas da Fonte Boa. A partir de Banga assistia-se Msaladzi, na altura Cristo Rei da Bela Vista. Quando o padre Rebelo foi transferido para Mpenha, levou consigo o nome do padroeiro, Cristo Rei, e o padre João de Deus Gonçalves Kamtedza deu à Missão de Msaladzi o nome do Fundador da Ordem, Santo Inácio. Esteve livre o padre Rebelo para baptizar a Missão de Cristo Rei de Mpenha que perdeu a terminologia de Bela-Vista.

Na sua evolução, Fonte Boa possuiu: duas residências, dois internatos, uma maternidade, uma herdade agrícola com horta, uma oficina de serralharia e carpintaria, um colégio, um centro de promoção cultural/pastoral, um moinho, seis orfanatos214. Os primeiros padres jesuítas moçambicanos são desta Missão: João de Deus Kamtedza (ordenado em 1964) e Ezequiel Pedro Gwembe Mlauzi (ordenado em 1975). Tal como aconteceu em Lifidzi com Chapotera, aqui Satemwa foi edificada depois das nacionalizações. Levantaram-se duas residências uma para os padres e outra para as irmãs. Trabalharam incansavelmente os padres João de Deus Kamtedza, Joaquim Barata, Honório Santos e Irmão Casimiro de Lima, Irmãs Joséfa Rodrigues, Isabel Iglesias, Carmelina e Paulino, FMMDP.

212 Vítor Manuel Lamosa Pereira, Fonte Boa, 6 Março de 2013, entrevista com autor.

213 Pe. David Ferreira da Silva, Entrevista com autor, Fonte Boa, 06 de Março de 2013

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