• Nenhum resultado encontrado

1.2.2. Periodização da Missionação Jesuítica em Moçambique

1.2.2.1. Primeiro Período 1560-1572: A Tentativa Missionária

A primeira presença permanente dos Jesuítas durou cerca de doze anos, um período caracterizado pelo lançamento das bases da cristandade às elites locais. O pequeno número de missionários difunde a fé ao mesmo tempo que garante a penetração para o interior. Quando chega a Goa a notícia de que um rei negro destes territórios deseja converter-se e que a África Oriental parece abrir-se ao Cristianismo, os Jesuítas deixam-se tentar pela empresa e enviam três missionários. O padre Gonçalo da Silveira chefiou a Missão que partira da metrópole para Goa em 1556, o ano da morte do fundador, Inácio de Loyola. Em 1557 D. Gonçalo da Silveira tinha mostrado ao Superior-Geral dos Jesuítas o desejo de ter mais gente para trabalhar, na qualidade de superior da Província do Oriente. Entre 1559 e 1560 deixou Chaul, Índia, e dirigiu-se a Ilha de Moçambique, onde chegou a 5 de Fevereiro de 1560, tendo, no mesmo mês rumado a Inhambane, para iniciar a propagação da fé. Chegou à Missão de Cafraria tendo sido recebido pelo rei Gamba em Tongue. Estava acompanhado por dois companheiros: Pe. André Fernandes e Irmão André Costa. Abriu a primeira Missão da Companhia de Jesus em Moçambique e na África Oriental no território dos Tonga onde tinha conseguido baptizar o soberano e a Corte. Uma vez consolidada a cristandade, decidiu avançar para o poderoso imperador da África - o Monomutapa - dono da terra onde «o diabo tem grandes gadanhos61».

Mas fez a penetração ao interior sozinho enquanto os companheiros tomavam conta do resto do trabalho. Seguiu para Sena onde mandou saudar o rei, pedindo licença para o visitar. Enquanto isso, baptizava. A pé, carregou o altar rumo ao palácio e o seu trajecto seguiu por Tete, Mabate, Bemba, Quituguim, nesta última onde celebrou as três missas do Natal de 1560. Penetrou corajosamente no sertão, mesmo ao Muenemutapa, baptizando mais de quinhentas pessoas no primeiro ano. Chegado à presença do rei a 1º de Janeiro de 1561 escrevia estar muito decidido a concluir o resto da minha apagada vida nesta negociação da conversão da Etiópia e peregrinação por ela, não apenas me encontro consolado e em paz, mas rico, aleluia62. Foi acolhido amigavelmente pelo rei que pediu o baptismo.

Tinha 500 km percorridos, em quinze dias, desde Tete. Na corte baptizou o imperador e seus conselheiros porque nas suas palavras ao Irmão Luís Fróis «a gente nobre e plebeia toda se queria fazer cristão». Tudo parecia estar bem e prometedor com um inesperado sucesso, mas tudo acabou de forma catastroficamente fulminante quando os muçulmanos há muito presentes na corte conseguiram inverter a situação, acusando junto do rei o superior dos Jesuítas de ser um espião pelo que foi assassinado durante o sono a 15 de Março de 1561. Portugal procurará vingar-se dessa morte. António Caiado, o porteiro e intérprete do missionário diz-nos que;

Por induzimento a malícia dos mouros que eram os maiores feiticeiros da terra a intriga convenceu. E na noite silenciosa de 15 de Março de 1561 uma corda traiçoeira realiza o sacrifício último do Jesuíta que ainda na véspera baptizara 50 neófitos. Fez outras muitas obras tão santas como foi a sua vida, e depois de martyrisado muitos milagres; pelo que o não estar já canonizado he por pouca vetura nssa e grande descuido dos seus Padres que muito se poderão honrar com ter por Irmão tão ilustre martyr, e

muito mayor das ilustres Cazas de Portugal que o tem por parente tão propínquo63»

Atrás, entre os Tonga, o Irmão André Costa morreu de febres. No ano de 1572, o sobrevivente, Pe. André Fernandes em companhia de outros dois Jesuítas que haviam

61 «Gadanhos são unhas compridas. Tirado da Carta que ele escreveu para Goa a 9 de Agosto de 1560

62 Carta ao Padre Geral da SJ

chegado para dar continuidade da Missão foram convocados a regressar a Portugal, porque o Rei, desejoso de vingança pela morte do missionário julgava que «não é conveniente acharem-se padres na sua corte, no tempo que vamos castigar e conquistar». Outros padres que fizeram parte do primeiro período foram Francisco Sales, Diogo Rodrigues e Paulo Rodrigues enviados pelo Rei Rui Lourenço de Távora para fundar, em Moçambique, «a casa que ali se há-de fazer, para benefício dos casados e naturais da terra, das armadas do reino e da Índia e doentes delas que ali vêm ter e para dali governarem e proverem a Missão de Monomutapa pela terra dentro64». Na altura do prometido castigo, 1571, acompanharam o exército de vingança os padres Francisco Gonçalves e Paulo Aleixo e a Missão fica suspensa por vários anos65, até 1610.

Esta efémera presença dos Jesuítas não deixa muitos vestígios, sobretudo no que se refere a qualquer forma de adaptação cultural. A ausência de Jesuítas na área de Mutapa foi preenchida pelos dominicanos, a partir de 1567 – ano em que teve lugar o primeiro Concílio em Goa – saídos de Tete, onde tinham fundado uma paróquia de São Tiago Maior de Tete, recebida do Rei, em 156366. A sua dedicação junto da corte converteu a muitos, recorrendo, por vezes, a métodos coercivos. «O jovem filho de um rei pagão é capturado e enviado para Goa, onde se converte e entra nos dominicanos, alcançando reputação de pregador e teólogo, tanto que o Mestre Geral da Ordem, Frei Tomás Rocaberti lhe concede, em 1670, o título de mestre em Teologia67».

Em 24 de Maio de 1569 baptizaram o próprio Monomutapa e aos filhos dos régulos das áreas satélites, em 1570, trabalho reforçado pelos missionários dos Irmãos de São João de Deus, 10 anos mais tarde. Em 1579 foi erguido um convento na Ilha de Moçambique e em 1586, outro em Sofala, por um grupo liderado pelo Frei João dos Santos. Aqui conseguiram baptizar, em três anos, 1700 almas68, enquanto os territórios de Moçambique (Nampula), Cuama (Zambézia), sena e Tete eram percorridos. O isolamento fez com que alguns missionários entrassem em negócios de escravos, do ouro e do marfim. O desorientamento geral atinge alguns missionários envolvidos em questões de grandes propriedades e de comércio de escravos. Destes negócios resulta um conflito entre Jesuítas e Dominicanos, pela possessão de prazos e de escravos.

Frei Nicolau do Rosário estabeleceu-se em Tete, sobre o Zambeze, mas acompanhando uma expedição portuguesa em qualidade de esmoler foi feito prisioneiro e morreu às frechadas. Apesar das dificuldades, as missões do Monomutapa fazem notáveis progressos, embora, entre pagãos e cristãos sustentados pelos portugueses, haja uma contínua luta pelo poder. O trabalho foi intenso e até 1591 haviam sido baptizados cerca de 20.000 negros, sem preparação adequada. Em 1628 parece que trabalhassem na Zambézia sessenta missionários. Mas as guerras dos portugueses contra os reis do lugar criaram dificuldades à evangelização e o pessoal diminuiu. Os dominicanos estiveram presentes, embora em progressiva redução até serem atingidos pela lei de supressão das ordens religiosas, em 1834.

64 Guerreiro, Fernão, SJ, Morais, Júlio, SJ e Viegas, Artur. Relação anual das coisas que fizeram os padres da

Companhia de Jesus nas suas missões e do processo da conversão e christandade daquelas partes, 1600 a 1609. Volume III, 2ª edição, Scriptores Rerum Lusitanar, Lisboa, 1942.

65 Delacroix, Simon; Costantini, Celso; Barthe, Gilles. Histoire Universelle des missions catholiques. / 2, Les Missions modernes (XVIIe et XVIIIe s), Paris: Grund, 1957:235.

66 Brásio, António; Almeida, Manuel Lopes de. Política do espírito no ultramar português, Monografia,

Coimbra [s.n.], 1949:32.

67 Rolo, Raul de Almeida, O.P. Província da Ordem de S. Domingos, Fátima-Porto-Queruz, 1962:24.

68 Santos, Victor, O Missionário Quinhentista Fr. João dos Santos e o seu Livro Etiópia Oriental, Lisboa,

Documentos relacionados