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2.1.1. Missão de São Francisco Xavier – Lifidzi

2.1.1.3. Os Assassinos de Chapotera

Chapotera e Chabualo responderiam pelas comunidades do norte, junto à fronteira com o Malawi enquanto Domwe, para onde tinham seguido o padre José Belarmino de Araújo e Irmãos António Pérez Costa e Silvério Guirione, estaria para as comunidades do interior até a zona da Macanga. Importa salientar quea construção da residência de Chapotera foi orientada pelo Ir. Silvério Guirione, tendo sido residentes: Pe. Joaquim Barata e Ir. José Lima; Pe. Sílvio Moreira e Pe. João de Deus Kamtedza, estes dois últimos ali sucumbiram assassinados.

O padre Belarmino justifica a sua recusa e não deixa de recordar que havia consehado ao Kamtedza: «era muito isolado, muito perigoso para viver e sempre chamei atenção aos companheiros181». Quando a Missão de Lifidzi foi tornada propriedade estatal os padres procuraram viver dispersos. Esta estratégia poupou muitos deles dos assassinatos. Foi no centenário da Missão de Boroma que os padres João de Deus Kamtedza, primeiro africano como sacerdote jesuíta e primeiro sacerdote religioso da sua diocese e Sílvio Moreira morreram assassinados182. Acompanhemos longamente o desenrolar dos acontecimentos:

Na noite do dia 4 do corrente mês de Novembro (1985), fomos sobressaltados por um telefonema do Malawi, comunicando que os Padres João de Deus e Sílvio Morreira haviam sido assassinados em Chapotera, actual sede da Missão de Lifidzi. Na manhã seguinte, a notícia era confirmada por telex,

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Costa, Ernesto Gonçalves, A obra missionária em Moçambique e o poder político: Maputo, Editorial Franciscana, 1996:99-101

181 Entrevista com o autor, Lisboa, 4 de Janeiro de 2011

enviado do Maputo pelo padre Abílio Gonçalves. Segundo os elementos de que dispomos neste momento, os trágicos acontecimentos ter-se-iam desenrolado da seguinte forma: 30 de Outubro: os cristãos notam a ausência dos dois padres durante todo o dia. 31 de Outubro: continuam a assinalar a sua ausência. 1 de Novembro: apreensivos com o que lhes poderia ter acontecido, dada a comunidade a noticia em toda a zona de Angónia, avisam o sucedido os Padres António Reis e Joaquim Barata que vivem a 30 km na Vila Ulónguè. Convencem-se que teriam sido raptados como os outros ocorridos em Junho. 4 de Novembro: ao verem o mínimo de segurança os dois padres e o Irmão Simeão Santos vão a Chapotera, a fim de recolherem os corpos dos padres desaparecidos e o principal da casa.

Só então tomaram conhecimento do bárbaro assassinato dos Padres, com requintes de crueldade. Os corpos, já em estado de decomposição, haviam sido pouco antes descobertos a duzentos metros da casa, no meio de um tufo de árvores que constitui o cemitério da aldeia. Mais tarde: envolveram os corpos em lençóis e meteram-nos nos caixões. Estavam os dois de bruços e perto um do outro. Foram ambos chacinados a baioneta e à facada. O Padre João de Deus mostrava, além disso, sinais evidentes de duas balas que lhe entraram pelas costas e saíra pelo peito. Nessa mesma tarde, foram enterrados no cemitério da Vila Ulónguè, em talhão da Companhia de Jesus, junto dos padres Peixoto e Sarreira.

Perante esta realidade pode concluir-se que não chegou a haver rapto. Devem ter sido barbaramente assassinados perto de casa, na noite de 30 de Outubro. Quem os terá matado? Talvez nunca o possamos saber ao certo, apesar de prosseguirem as investigações. Viviam totalmente dedicados ao bem do povo sendo muito estimados por cristãos e pagãos. Através das suas últimas cartas vê-se claramente que eram conscientes do perigo que estavam a correr. Voluntariamente, tinha feito diante de Deus a opção de partilhar do sofrimento e da sorte daquele sacrificado povo183.

Uma carta encomendada por um padre de Zomba (supomos ser o padre Domingos Isaac, pelo facto de o mesmo, na altura estar a trabalhar na Universidade Local) a um outro padre norte-americano, liga o assassinato dos dois padres a problemas políticos. E este último fizera-se acompanhar por um mecânico que fora para zona de Ntengo wa Mbalame com objectivo de conseguir motores da camiões ou tractores abandonados. A carta foi escrita a partir de Kabwazi a 1 de Novembro de 1989.

Consumaram-se, ontem, 4 anos inteiros desde que Kamtedza e Sílvio, estão ausentes do mundo dos vivos. No domingo passado, 29, tive a ocasião de ver lágrimas de pessoas adultas, numa das capelas, quando o gurupa pronunciou os referidos irmãos e recordei-me do nosso compromisso. Eu estou bem, o motorista mecânico também está bem e conseguimos algumas peças que certamente servirão. Quanto ao nosso compromisso, temos que volver agora os olhos para a Missão da Fonte Boa, que, apesar de ser recente possessão dos Jesuítas, tem uma elevada importância oferecendo condições para um maior questionamento sobre porquê e quem matou ou mandou matar os padres de Chapotera. Sobre quem matou ou mandou matar, o padre não terá a minha resposta mas tentarei dizer um pouco sobre o porquê. Em Lifidzi alguns apontaram dedo aos bandidos armados, dizendo que quiseram com isso incitar ódio das pessoas contra o governo e força-las a fugir. No passado mês de Julho, aproveitando do frio, fui até Chisoka, terra natal de Kamtedza e de lá não tive grande coisa, só há ruinas e as pessoas que aí trabalham as mundas [herdades agrícolas] recusam prestar informação aos brancos sobre este estranho mister, mas um homem de idade, com ar de chefe veio ao nosso encontro e após ouvir-nos apontou-nos o caminho da Fonte Boa, para irmos às aldeias onde era possível encontrar catequistas. Um pouco acima, a 7 Kms vemos Lidowo, uma aldeia comunal modelo que João de Deus Kamtedza parece ter condenado publicamente nas homilias.

As palavras de fiéis evidenciam uma relação causa efeito entre o silêncio das autoridades e a morte praticada em Chapotera. Dizem que quando a Missão da Fonte Boa foi nacionalizada, Kamtedza foi construir o Centro de Satemwa, outros 7 km abaixo, para quem vai a Vila Coutinho e aquilo era, a vista do regime, grande afronta, procura-se saber onde arranjaram tanto dinheiro, uma vez que outro fora congelado aquando das nacionalizações. Quando foi transferido para Lifidzi, onde igualmente a Missão fora nacionalizada, mandou construir outra residência, a de Chapotera, onde veio a ser barbaramente assassinado.

Percorri mais de 10 aldeias, entre elas Kachenya, Kalipale, Kaloga (Malawi), Chisoka, Manyanga, Banga, etc. o nome do sacerdote é simplesmente conhecido. O Padre sabia-se perseguido e já fora interpelado numa capela. Dias antes de morrer dissera, na missa, «recebi aviso para me calar, na pior hipótese ou exilar-me na melhor, mas o pastor não deve abandonar as suas ovelhas. Como não há diálogo entre o pastor e as ovelhas, as ovelhas não poderão saber nunca o quanto o pastor sofre por estar aqui a sentir os efeitos desta guerra sobre todo o pasto, embora o pastor consiga perceber as necessidades pertinentes das suas ovelhas. E a vossa necessidade é única, por enquanto – a paz»184.

O conteúdo da carta lança luz para se saber as motivações do assassinato. Contudo, conforme a informação recebida no terreno, o Padre João de Deus Kamtedza condenava as violações a que as mulheres eram sujeitas pelos homens em luta. O problema era mais local do que nacional. Segundo a versão de algumas pessoas que chegaram primeiro ao local, havia fotografias do líder dos rebeldes para dar a entender que era obra deles. Todavia, as investigações levadas a cabo pela secreta, embora não reveladas, encontraram o mesmo tipo de imagens no carro do administrador. Poderiamos ser tentado que tal tratasse duma armação do próprio administrador.

Fomos até ao local de uma das pessoas apontadas como arquitecto da morte dos padres. Para as testemunhas dos factos, pesava uma acusação contra o motorista do Administrador Zacarias, residente na Madeya, de ter violado algumas mulheres, assassinando outras. Para uma das fontes que disse ter trabalhado para os padres como cozinheiro, o referido motorista, apercebendo-se que o assunto da violação havia chegado ao Padre, fez tudo para o eliminar. Infelizmente que pouco tempo depois, o motorista assassino acabou queimado numa emboscada. Segundo Cecilia185, residente na Vila de Ulongué «o assassinato dos padres de Chapotera foi planificado na Madeia. Eu, pessoalmente encarreguei-me de ir avisar aos padres, quando soube, mas faltou-me guia de marcha. Quando fui aqui na paróquia para avisar o Padre Reis, ele não estava».

Domue e Chabualo foram assistidas a partir de Lifidzi, mas em determinado momento conheceram um protagonismo independente. A paróquia de São Paulo Apóstolo de Chabualo foi fundada em 1970. Entre 1979-83, teve único padre residente e substituiu a Missão de Lifidzi já nacionalizada. Em 2011 tinha uma população estimada em 55.000. 17.000 eram católicos, assistidos por 138 catequistas. Tinha como Movimentos Laicais a Legião de Maria e Infância Missionária. A Missão de S. Pedro Claver – Domwe foi fundada a 22 de Abril de 1973.

A sua superfície é de 6.500 Km2 com uma população de 73.000, da qual 28.000 eram, em 2011, católicos assistidos por 325. Aqui estavam em execução obras de promoção por meio do Centro infantil e pelos Movimentos Laicais: Legião de Maria e Infância Missionária. Igualmente fazia-se o Apostolado Bíblico com alguns Cursos, retomando um sonho antigo. Em 1983 era intenção do então Bispo de Tete, D. Paulo Mandlate de fundar um Centro Catequético para três dioceses: Tete, Beira e Quelimane e colocou-se Pe. José Sousa à frente.

184 Bambo Makoyo, Kabwazi a 1 de Novembro de 1989

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Cecilia Phiri, antiga funcionária da administração distrital de Angónia. Na altura dos factos encontrava-se a trabalhar e era prima do motorista acusado. Na administração distrital de Ulónguè não conseguimos encontrar este nome na lista dos funcionários para comprovar se a Senhora Cecília trabalhou naquele local. Todavia, consideramos que o depoimento dela lança luz sobre o que terá acontecido naquele tempo, pois, suas declarações coincidem em muito com o dos demais. Por exemplo, Francico Ketulo, também falou do motorista do administrador como quem andava a defamar os padres. Segundo ele, era preciso que as pessoas abandonassem as aldeias de modo a que os rebeldes não tivessem abrigo e apoio em víveres. Uma das formas mais eficientes era eliminar os padres que davam esperança e coragem ao povo. [Entrevistas, 25/01/2013].

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