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1.2.2. Periodização da Missionação Jesuítica em Moçambique

1.2.2.2. Segundo Período 1610-1759: Desenvolvimento da Cristandade

Este é o maior período até ao momento, com 149 anos. Teve como grandes centros a Ilha de Moçambique para cobrir toda a macuana e as ilhas de Quelimane, para evangelizar todo o litoral, Sena para a região intermediária, Tete para o interior mais a Oeste do Zambeze acima. Com eles havia dominicanos a trabalhar no centro. Em Zambézia contam-se dezasseis missões com nove dominicanos, seis Jesuítas e um sacerdote secular. Os jesuítas fundam também colégio-seminário mas tudo fica comprometido com a supressão da ordem, decretada pelo Marquês de Pombal, em 1759.

Em 1610 instalaram-se definitivamente na Ilha de Moçambique de onde se estenderam até ao Zimbabwe. Abriram um colégio, outro em Sena por volta de 1626 e do Espírito Santo em Tete que era a residência permanente donde podiam planificar outras missões. Construíram escolas, residências e igrejas em Cabeceira, Caia, Luabo, Quelimane, Chemba, Maringue, Marávia e só nos rios Cuama havia-seis igrejas em 1667. À Bula Aequum Reputamus, de 3 de Novembro de 1534, substituiu-se-lhe com a «in superiminenti militantes eclesiae, de 21 de Janeiro de 1612, com a qual Pio V separou da Igreja de Goa o Distrito da Ilha de Moçambique que, a partir de então, constituiu-se numa administração espiritual independente à frente da qual estava «um vigário graduado em ciências eclesiásticas, com poderes de plena jurisdição espiritual e eclesiástica», mas nomeado pelo rei de Portugal, sem posterior confirmação da Santa Sé.

Em 1563, Pio IV em Dispositione de 12 de Fevereiro, criará as administrações eclesiásticas de Moçambique e Sofala. Foi o êxito conquistado pelos missionários jesuítas ao lado dos dominicanos que fez com que o Sumo Pontífice separasse o território de Moçambique da Arquidiocese de Goa. Nesta data é nomeado, Manuel Sousa Coutinho. Em seguida, nos últimos decénios do século XVI, são nomeados visitadores vários padres dominicanos: Fr. Jerónimo de Santo Agostinho, Fr. Diogo Correia, Fr. Estevão da Assunção.

Iniciou-se, então, um trabalho de adaptação, por meio de traduções de línguas locais para o Português. Este esforço só será posto em causa mais de um século e meio depois, quando alguns políticos no governo de 1775-1777, entre os quais Sebastião José de Carvalho e Melo e Marquês de Pombal, o consideram um perigo para a língua portuguesa69. Embora a dependência de Goa possa ter contribuído para a escassez de informações sobre o decurso da missionação neste período, um trabalho de referência «Etiópia Oriental» foi desenvolvido pelo dominicano Frei João dos Santos. Também possuímos uma gramática da língua Sena (1680) e o Itinerarium do padre Júlio César.

A maior parte dos trabalhos que permitem reconstituir a História da missionação neste período foram feitos pelos Jesuítas. Por meio deles é possível seguir os lugares e as orientações do trabalho apostólico, bem como as orientações histórico-culturais em que se vieram a encontrar; contém várias observações acerca da sociedade moçambicana do tempo e as suas manifestações religiosas; lembra os modos de presença muçulmana, as formas de escravidão e as tentativas de escolarização70.

Pressionado pelo aumento do paganismo, Goa, pela Santa Inquisição, publica em 1771 um édito contra as práticas pagãs dos cristãos de Moçambique, porque muitos cafres eram levados pela feitiçaria e deixavam seus valores no Cristianismo o que favorecia o Islamismo. O território caracterizava-se pela maior penúria económica e pelo mais baixo e

69 Cfr. Brásio, António; Almeida, Manuel Lopes de. Política do espírito no ultramar português, Monografia,

Coimbra [s.n.], 1949:30

degradante nível moral porque «a índia ou Macau exportavam para Moçambique o que de pior possuíam, a escória indesejável da sociedade, a ralé dos canalhas71».

Na segunda década do século XVII assiste-se, em Moçambique, muitas revoltas, destacando-se a do Mutapa-Changamire. Estas revoltas tiveram um reflexo na evangelização. Na segunda metade do século, a situação normaliza-se o que cria bases para se repensar no projecto evangélico. A nomeação do Frei António da Conceição, como administrador apostólico, foi uma ajuda preciosíssima ao trabalho apostólico. Propôs ao rei, em 1695, a fundação de seminários em Sena para formar 200 sacerdotes párocos no território e necessitava de 20 missionários catequistas.

A resposta positiva mas inesperada. Em vez de serem os Agostinhos «os jesuítas seriam os mais indicados para esta tarefa72». O frei ficou desapontado e o projecto não avançou por alguns anos, até a sua retoma pelo padre João Nogueira da Cruz, em 1776 e pelo Frei Amaro, dez anos mais tarde, e a ideia de autonomia foi ganhando forma. Aliás, em 1696, o Frei António da Conceição escrevia no seu «Tratado dos rios de Cuama»: «para aumento desta cristandade em primeiro lugar parece-me necessário um Bispo tão zeloso do serviço de Deus como todos o devem ser principalmente o das novas cristandades como esta, e com tal talento que possa dispor desta nova planta de forma melhor do que a tida até agora, pondo em prática o que foi ordenado em cinco concílios que se celebraram em Goa.

Em 1759 foi expulso de Sena, o Jesuíta Maurício Thoman que veio a publicar as memórias em 1788 relatando o sentimento dos Jesuítas na época final. Até à expulsão, houve um florescimento da cristandade jesuítica em Moçambique. Expulsos os Jesuítas o Frei Victoriano de S. José Machado, O padre transferiu a residência dos administradores para a capital, a Ilha de Moçambique, abandonando a Sena73 e a Igreja sentiu um grande golpe com ausência do pessoal. Mesmo assim, foi no meio destas dificuldades que cresceu o sentimento de autonomia. Em 1783 o vicariato apostólico torna-se prelatura nullius.

A 23 de Junho de 1800 o Senado da câmara de Moçambique fez sua a aspiração a um episcopado local. A 25 de Julho o Governador da província, Francisco Guedes de Carvalho e Meneses, escreveu ao Ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho pedindo a elevação da prelazia a episcopado. Era o retomar de ideias antigas quando em 1616 era desejo do rei e de vários missionários74. A Prelazia passou a ser controlada directamente de Goa.

A Rainha D. Maria I em 1782 nomeia administrador efectivo Frei Amaro de S. Tomás, O.P., confirmado pela Santa Sé a 16 de Julho de 1783 e consagrado Bispo de Goa a 25 de Outubro de

178575. Morto em Tete em 1801, sucede-lhe o seu confrade Frei José Nicolau de Jesus Maria Pegado

e em 1804 é eleito prelado ordinário D. Vasco José de Nossa Senhora da Boarte Lobo que encontra grandes dificuldades por causa de uma série de contrastes com o Capitão Geral da Província. De 1811 a 1819, Frei José Nicoalu Pegado administra de novo a prelazia. A cronica dos prelados que se sucedem entre 1819 e 1882 regista dois bispos e seis administradores por sede vacante76.

71 Cfr. Gonçalves, José Júlio, O Mundo Árabo-Islâmico e o Ultramar Português: édito contra as práticas pagãs

dos cristãos de Moçambique, por portugueses, canarins e cafres, Ministério do Ultramar, Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e Sociais, Estudos de Ciências Políticas e Sociais 10, Vila Nova de Famalicão, 1958:211-212.

72 Sousa, José Augusto Alves de. Os Jesuítas em Moçambique, 1541-1991: no cinquentenário do 4º. período

da nossa missão, Livraria A.I., 1991:32

73 Brásio, A. A Igreja em Moçambique, in Portugal em África, I, 1944, II Série, 1944:293

74

Frei Francisco de Avelar, Pe. Manuel Barreto, S.J. (1667), Frei António da Conceição (1696), Frei Simão de S. Tomás (1734) e vice-rei, Conde de Linhares (1635).

75 Brásio, A. A Igreja em Moçambique, in Portugal em África, I, 1944, II Série:293 76 Brásio, A. A op. cit. p. 294

O golpe final chegou com as leis de Aguiar, de 1834, o mata-frades, que suprimiu as Ordens e as Congregações Religiosas confiscando-lhes os bens em todo o território nacional pelo que foram afectados, em Moçambique, os dominicanos presentes no Baixo Zambeze. Durante duas décadas, o território contava apenas com menos de cinco sacerdotes. Quando a 24 de Outubro de 1858, o padre Faver, então vigário-geral do bispo da Ilha de Bourbon desembarca nas costas orientais da África Portuguesa encontra cinco sacerdotes talvez os únicos que ficaram.

Estes padres não olhavam os africanos como gente merecedora de evangelho e nenhum considerava como seu dever trabalhar junto dos africanos. O vazio foi preenchido pelo Mons. Allard, Responsavel do Natal (África do Sul) que, a pedido da Sagrada Congregação de Propaganda Fide, devia ocupar-se também dos católicos de Lourenço Marques, mas o governador de Moçambique opôs-se dizendo que «o território depende do patriarcado de Goa e que as instruções da Congregação da Propaganda Fide não dizem respeito aos territórios sujeitos ao padroado». O governo de Lisboa, apressa-se em construir uma capela e enviar um sacerdote de sua escolha77.

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