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Terceiro Período 1881-1911: No contexto da ocupação efectiva

1.2.2. Periodização da Missionação Jesuítica em Moçambique

1.2.2.3. Terceiro Período 1881-1911: No contexto da ocupação efectiva

Para ganhar a alma do preto é preciso anima-lo com algumas ofertas. As irmãs ficariam muito reconhecidas se os que se interessam pelas missões lhes mandassem os

objectos mencionados.

Irmãs de São José de Cluny, Mponda

Foi um período caracterizado pela presença de missionários das várias províncias Jesuíticas. Em três décadas floresceram as missões, dividiu-se a Zambézia pela Inglaterra e Portugal enquanto províncias da Companhia de Jesus com sedes na Zambézia e Salizbury. De facto, de 1881 a 1910, fundaram oito missões e três paróquias, além dos seis colégios em Quelimane, Milange, Inhambane, Chupanga, Coloane e Lifidzi, e de dois internatos, um em Boroma e outro em Zumbo e quinze escolas78. Eles tinham uma acção circunscrita dentro dos limites da Companhia de Moçambique, com cujo proprietário mantinham relações. A escassez de jesuítas em Portugal fez com que a cooperação ganhasse forma e gerou o interesse pela vocação missionária. Em 1871 havia apenas oito sacerdotes na Província Portuguesa da Companhia de Jesus. A partir de 1880, vários prelados que se sucediam, auxiliados por sacerdotes diocesanos, asseguravam a presença sacerdotal em Moçambique79. O Mons. Barroso, que, a sua chegada encontrara apenas três missionários Jesuítas, reorganizou a vida missionária da prelazia. Primeiro, fez visitas às vastas terras do seu

77 Cfr. Delacroix, Simon; Costantini, Celso; Barthe, Gilles. Histoire Universelle des missions catholiques. / 2, Les Missions modernes (XVIIe et XVIIIe s), Paris: Grund, 1957:44ss.

78

Lopes, António. História da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, Lisboa, Brotéria/Fundação Oriente, 2000:41-43

79 D. António Tomás da Silva Leitão e Castro (1883-84); D. Henrique José Red da Silva (1884-86); D.

António Dias Ferreira (1887-91); D. António José de Sousa Barroso (1891-97), D. Sebastião José Pereira (1897-1900), D. António José Gomes Cardoso (1900-01), D. António Montinho (1901-05), D. Francisco Ferreira da Silva (1905-20), D. Rafael Maria de Assunção (1920-36), D. Teodósio Clemente de Gouveia (1936-40). Cfr. P. 54 em o Colégio das Missões em Cernache do Bom Jardim, de Cândido da Silva Teixeira, Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, pp. 5-185, cfr. Também pp. 83, 88 3 89.

apostolado apreciando a fauna, a flora, a hidrografia e a fertilidade dos solos. Depois, tratou de reorganizar o ensino e a educação da mulher moçambicana.

Fundou um colégio para jovens africanos em Cabaceira-Grande, junto a Ilha de Moçambique e pensava em fundar um seminário para a formação do clero. Lutou contra o isolamento dos missionários, porque «a razão e a experiência têm mostrado várias vezes que o missionário assim abandonado, no meio da barbárie que o circunda por todos os lados, não modifica, civilizando, mas é por ela absorvido, a não ser que a providência não faça milagres que, embora possíveis, não são a regra, nem são de esperar80». O seu trabalho só começa a dar o seu fruto a partir de 1889 quando foram submetidos os belicosos matabeles. O empresário Paiva de Andrade, proprietário da Companhia de Moçambique, fez um pedido ao rei a 20 de Abril de 1881, para a reentrada dos Jesuítas no seu domínio. Dois anos antes, o Zambeze Superior, actual Zimbabwe, fora tomado pela Província da Inglaterra da Companhia de Jesus e Andrade considerava ser uma ameaça que só poderia ser combatida por outra ameaça. Aqui, embora os padres ingleses trabalhassem com sucesso no meio de uma forte propaganda protestante, a liberdade de apostolado só lhes foi concedida em 1887. Foram enviados de Lisboa, o padre Francisco Antunes e Irmão António Ferreira. Estes beneficiam-se dos jesuítas expulsos da Argélia que a eles se juntaram além dos padres e irmãos das províncias de Áustria e da Inglaterra.

Multiplicaram-se os centros de evangelização tendo-se estendido para Quelimane, Coalane, Milange ou Tumbini, onde havia boas escolas. Subindo o Zambeze estava Chupanga com um internato, o primeiro, e uma tipografia. Tete foi substituído por Boroma por iniciativa do padre Vitor Courtois, em 1885. Em 1890 já eram 17 Jesuítas ao mesmo tempo que 11 missionários tinham falecido em Sena, Mopeia e Tete. Vitor Courtois teve que criar amizade com o sanguinário Cipriano Pereira, de modo a poder ter passagem para o Norte e em 1892 fundou-se a estação missionária de São Pedro Claver de Miruru no Zumbo, junto da Zâmbia, então Rodésia do Norte.

O jesuíta francês Victor José Courtois, ao serviço da Prelazia de Moçambique, desde 17.10.1882, foi durante anos missionário no Zambeze, no prazo Boroma, de cuja paróquia era responsável em 1885, devendo-se-lhe, para além de notável trabalho pastoral, valiosos estudos de filologia africana, haver salvo o resto documental do arquivo eclesiástico da freguesia da vila que publicou. Faleceu em Inhambane a 18 de Janeiro de 1894. D. António Barroso, que o conheceu e tinha um grande apreço considerando-o «um missionário modelo», dirigiu, a 9 de Dezembro de 1895, um ofício ao Ministro de Ultramar a dar conhecimento que o padre Victor Courtois havia deixado preparados, à data da sua morte, importantes trabalhos sobre línguas cafres, como um bom missionário, uma tradução dos Evangelhos e alguns outros livros, todos muito meritórios debaixo do ponto de vista da cristianização dos portos da África Oriental Portuguesa81.

No terceiro período, Boroma e Miruru foram centros de grande desenvolvimento, além de possuírem igrejas grandiosas. A mentalidade católica espalhou-se entre as famílias e comunidades inteiras em três décadas de trabalho. Ao todo, foram 118 missionários e 41 deles foram dizimados pelo clima ou pela acção do veneno ministrado pelos nativos. E os internatos desempenharam um papel preponderante devido a presença permanente e contacto dos jovens com os missionários. A obra de Júlio Torrend compreendendo 24 línguas da família banta ficou registada. Outros padres que deixaram nomes registados são Vitor Courtois, Czimmermann, Alexandre Moreira Aranha, Rivière. No período da perseguição contra os missionários católicos, em Moçambique há toda a liberdade para os

80 Sobrinho Neves, D. António Barroso, o bispo dos três continentes, em Além-mar, nr. 7/8, 1968.

81 Marques, João Francisco, O Dominicano bracarense D. Fr. Amaro José de Santo Thomaz, primeiro bispo

enviados de outras igrejas que, sob a protecção dos acordos de Berlim (1885) e de Bruxelas (1890), se empenham seriamente no proselitismo.

Todos os estrangeiros são vistos com suspeita e considerados um perigo para a soberania. Mas será que a Igreja tinha a ver com o medo que pairava sobre a nação portuguesa? Para D. Francisco Ferreira da Silva, protestando contra o governo por causa das injustiças e arbítrios infligidos à Prelazia, entre os anos 1912 e 1913, «não foi a Prelazia que pediu os missionários do Verbo Divino, alemães e austríacos e nem foi da minha iniciativa chamar os missionários protestantes estrangeiros, ingleses e suecos, americanos e turcos ao abrigo das convenções de Berlim e Bruxelas e do artigo 10º do tratado Luso-Britânico82».

Desde então inicia-se com a gradual delimitação do campo de acção; o empenho apostólico- cultural e o interesse científico. Limitam-se ao Vale do Zambeze, porque a Messe é grande para os poucos operários. Os poucos missionários disponíveis, não podem evangelizar todas as povoações, da Ilha de Moçambique até Tete e Inhambane, como tinha sido feito no passado! Os numerosos missionários tombados pelo clima em Tete, Sena e Mopeia deram motivo do abandono destes centros.

A Missão de Milange é deixada depois da sua total destruição pelos ajauas de Matipwiri, em Outubro de 1894 e a de Inhambane, em 1898, com a chegada dos franciscanos. Os centros missionários de Quelimane e Coalane, de Chupanga e Boroma tornam-se pontos de evangelização e de instrução jesuítica; este último articula-se em instrução elementar e iniciação ao trabalho artesanal e agrícola83.

Cientificamente, a filologia, a linguística, a meteorologia e as ciências naturais conheceram os seus primeiros passos. Na Linguística, o francês, Júlio Torrend compôs a gramática comparada de 24 línguas da família bantu; na meteorologia foram erguidos dois observatórios em Boroma e em Milange (este destruído em 1894) cujos dados suscitaram admiração e interesse na Europa. No campo das ciências foram feitos vários trabalhos de classificação de plantas, insectos e animais exóticos.

A educação da juventude de Milange não foi fácil. Não são claras as razões desta dificuldade. Talvez fosse pela ameaça que pairava sobre a religiosidade naquelas terras. Não poucas foram as vezes que os jesuítas foram obrigados a tomar atitudes militares para alguns centros e as suas missões, patriotismo que será utilizado para fazer frente ao forte anticlericalismo português. As armas utilizadas nessas defesas eram as mesmas utilizadas para a caça, ou para afugentar os animais ferozes quando abriam estradas pela floresta numa zona onde se continuava a utilizar o rio Zambeze.

Com a abertura de estradas foi possível a introdução de carros de bois, vulgarmente conhecidos por Ngolo.Os missionários tiveram que contar com apoio das irmãs, sobretudo para a sensibilização da camada feminina. Os Padres Brancos chegaram em 1889, ano em que fundaram a Missão de Mponda, mais para os Niassalandenses que para moçambicanos, rivalizando com os Jesuítas. Esta Missão foi afectada por uma peste. Em 1890 chegaram as irmãs de São José de Cluny, como primeira congregação feminina. Ao lado dos Jesuítas fez um trabalho relevante. Eis o seu testemunho:

A Missão passou por uma grande provação por causa da peste bovina; sucumbiram ao flagelo quasi todos os bois; as cabras e as galinhas também não escaparam. Pela falta dos bois os transportes tornaram-se muito difíceis; por isso as irmãs teem de esperar anos inteiros, para que os seus

82 Silva, Ferreira da. A Prelazia de Moçambique, Lisboa, 1913:16.

83 Em Bormoa havia, entre outras coisas, uma tipografia e dois motores a vapor para accionar uma serra

fornecimentos e provisões lhes cheguem de Portugal. Os gafanhotos também fizeram a sua apparição e devastaram campos inteiros de milho. As irmãs viram-se a mandar parte das creanças para as suas terras por falta de víveres. Somos cinco irmãs, 80 pretinhas resgatadas e sessenta pretinhas livres84.

As dificuldades sentidas em Mponda também foram notadas em Milange e em Boroma. Nesta última Missão, a irmã Natividade, superiora, morreu antes de completar um ano. Segundo relataram as companheiras «tinha feito um passeio ao sol acompanhando as pretinhas na segunda-feira de paschoa e queimou o bílis com o sol. Na altura, eram sete Irmãs, 145 Pretinhas e 36 pretinhas adultas. A morte desta irmã afectou grandemente o tratamento dos 1048 doentes e 20 órfãos, presentes a volta da Missão. No seu relatório de contas, em 1893, as três irmãs que cuidavam de 44 raparigas em Milange reconheciam a resistência e preguiça das pretinhas à conversão e ao estudo.

As irmãs têm muito que sofrer com a falta d´agua. Na estação seca vem se a ir buscal-la a três quartos de hora de distância. As pretinhas teem grande repugnância para frequentarem a escola. O único meio de lhes atrair seria dar-lhes presentes, taes como: terços, medalhas, missanga, espelho. Para ganhar a alma do preto é preciso anima-lo com algumas ofertas. As irmãs ficariam muito reconhecidas se os

que se interessam pelas missões lhes mandassem os objectos mencionados85.

Com vista a recolha de donativos e ofertas, organizavam várias actividades culturais em Portugal. Os bens entregues eram geridos com toda a transparência possível, desde o local da recolha ao destino final. Esta luta pela transparência promovida pelas irmãs de São José de Cluny visava dar garantia aos benfeitores de que o seu donativo tinha valido a pena. Em menos de três anos de Missão tinham conseguido 154.000$00 conforme o relatório de 15 de Maio de 1893 sobre as despesas feitas e contas pagas. Havia duas associações que promoviam espectáculos para donativos: Auxiliar da Missão Ultramarina e Associação das

Meninas Pobres com 5 homens e 15 mulheres.

Em 1901, o Major Marqueza de Rio escrevia que «o movimento anti-religioso que tão lamentável incremento tomou nos meses do anno passado, também prejudicou bastante a nossa associação, inhibindo-nos de realizarmos a nossa festa no teatro de D. Maria, na noute de 11 de Março d´aquele anno, e privando-nos dos recursos com que contávamos e que estamos habituados a encontrar nos espectáculos públicos86».

A recolha de donativos conheceu um revés quando o anticlericalismo cresceu em Portugal, no início do século. Em 1897 chegaram a Moçambique as irmãs Franciscanas Missionárias de Maria (FMM) seguidas dos Padres Franciscanos, no ano seguinte, o que permitiu estender a obra de evangelização e escolarização no centro-sul. Por ser pessoal português não suscitou muita reacção por parte da autoridade política, sempre anticlerical.

Os irmãos maristas franceses, por exemplo, por causa das restrições que lhes foram impostas, em 1908 recusaram-se a trabalhar na Zambézia. À medida que aumentava o número de missionários, novas áreas eram abertas e restauradas algumas, pelo D. António Barroso. A Missão da Zambézia será reaberta, pela quarta vez, em 1941. Foi-o pela primeira vez em 1560, pela segunda em 1610 e pela terceira em 188187, não obstante as terríveis dificuldades climáticas que valeram a esta Missão o nome de Tumba dos Jesuítas88».

84 AAMU. Relatório e contas da gerência dos annos 1898 a 1901, Lisboa, Typographia Catholica, 1901, in

Arquivo das Congregações, Ac, mç. 13, mct. 1, Lisboa, Torre do Tombo.

85 Idem, ibd. 86

AAMU. Relatório e contas da gerência dos annos 1898 a 1901, Lisboa, Typographia Catholica, 1901, in Arquivo das Congregações, Ac, mç. 13, mct. 1, Lisboa, Torre do Tombo.

87 Cfr.Cortesão, II Série do Boletim Geral das Colónias, Nº 188, Lisboa, Ateliers Gráficos, Fev. 1941:153. 88 Cfr. Missione affidate alla Compagnia de Gesú tragli Infideli, cenni storici e statistici, Roma, 1925:25.

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