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1.3.2. Segundo Subperíodo, 1966-1993 – A Vice-Província de Moçambique

1.3.2.1. Estratégias, nuances e o desenrolar do conflito armado

Na sua estratégia, a Renamo procurou diversificar as etnias nas suas forças, colocando para cargos de relevo, pessoas que representavam o maior número possível de tribos. Durante esta fase, a sua estrutura central teve a seguinte estrutura central [entre parêntesis etnia].

Comandante em chefe: Afonso Dhlakama (Ndau), Vice-comandante em chefe e comandante do 1° Batalhão: João Macia Fombe (Manica), Comandante do 2° Batalhão: Vareia Manje Languane (Sena), Secretário no Departamento Nacional de Defesa: José Domingos Cuanai (Manica), Comandante do 9° Batalhão: José Luís João (Sena), Secretário no Departamento Nacional de Defesa: Raúl Manuel Domingos (Sena), Chede do Departamento de Formação: José Marques Francisco (Sena), Comandante do Batalhão de Telecomunicações: José Manuel Alfinete (Lomwe), Comandante do 3° Batalhão: Mário Franque (Manica), Vice-comandante de batalhão: Joaquim Rui de Figueiredo Paulo (Shangane), Vice-comandante de batalhão: Henriques Ernesto Samuel (Chope), Vice-comandante de batalhão: Ossufo Momade (Makwa), Chefe do Departamento de Telecomunicações: Olímpio Osório

Cambona (Yao), Chefe do Departamento de Saúde: Albino Chavago (Ronga)141.

139 Marime, Benedito, Samora Nega ir ao Vaticano, in Jornal SAVANA - 25.11.2005

140 Dom Jaime Pedro Gonçalves. SAVANA – 28.10.2005

Esta estrutura visava garantir a rápida expansão do movimento de guerrilha pelo país. Entretanto, no comando das operações manteve o maior número de comandantes do centro do país. Entre 1979 e 1984, abriu várias frentes de combate que, em muito, superaram às abertas pela Frelimo durante a guerra colonial, a ponto de chegar às portas da Capital.

Em 1979, André Matsangaice (Manica) e Paulo Tobias (Ndau) tinham aberto a Frente de Sofala enquanto João Macia Fombe (Manica), Lucas Mulhanga (Ndau), Mário Franque (Manica), Vareia Manje (Sena) e Magurende John (Manica) abriam a Frente de Manica. Coube a este último a abertura da Frente da Zambézia, em 1981, no mesmo ano que Vareia Manje abria a Frente de Inhambane e Mário Franque a de Gaza. Em 1982, Pedro Muchanga (Ndau) abriu a Frente de Maputo e Calisto Meque (Ndau) abriu a Frente de Tete e no ano seguinte, Ossufo Momade (Makwa) fez chegar a guerrilha em Nampula, na mesma altura em que Rocha Paulino (Sena) levava a guerra para Niassa.

Também coube a Rocha Paulino a abertura, em 1984, da Frente de cabo Delgado142.

Negligenciando os factores internos, o regime foi fazer um tratado de não-agressão com a República da África do Sul (RAS), suspeita de ser arquitecto de todo o projecto da Renamo, após que esta foi expulsa do Zimbabwe, quando este país se tornou independente em 1980, nos acordos de Inkomati. Todavia, os ataques não pararam. Foi então que as Forças Populares de Libertação de Moçambique organizaram o seu nó Górdio, para destruir a Renamo. Para isso contaram com o apoio de Robert Mugabe, um católico fervoroso, e de especialistas cubanos e soviéticos. Numa operação relâmpago, a Renamo foi apanhada de surpresa na Base de Citatonga. Esta retirou-se estrategicamente.

A Renamo reorganizou-se, sob comando do próprio Dhlakama, encontrou-nos com uma intensidade nunca antes vista e tivemos que fugir. Os nossos amigos também fugiram e morreu-se muito. Nós não conhecíamos bem a região. Foi então que Samora começou a acusar o Malawi de apoiar a Renamo e disse aquela famosa frase: se o apoio do Malawi não parar nós bombardearemos o país, pois já temos mísseis, o que não temos são alvos143.

Tinha faltado o apoio popular às FPLM o que impossibilitou a aquisição da informação sobre a localização e quantidade do inimigo além do tipo de armamento. Foi o início da queda de Machel e da sua popularidade bem como dos esforços que vinha protagonizando nos Países da Linha da Frente. Para chamar atenção internacional, a Renamo optou por raptar estrangeiros. O primeiro grupo foi o de seis búlgaros que, em 1982, reparavam estradas em Lugela, libertos pelas FLPM em Tacuane e Muabanana. Mais tarde, foi a vez de quatro portugueses e um russo, em 1983, nas minas de Murrua (Ile).

Na Zambézia, muitos régulos filiaram-se à Renamo. O régulo Muango, comandante e hospedeiro de guerrilheiros provenientes da base de Nantuto (Maquiringa) actuava na localidade de Márea e Mualiua onde foram mortos acima de 45 pessoas, cujos corpos foram queimados numas casas previamente escolhidas. Semeou horror até que foi morto em 1987. Em entrevistas que levamos a cabo, os informantes que passaram os horrores da guerra e que não a desejam de regresso falam sem pestanejar.

O régulo Naphere, homem da logística foi guia de Muango nas suas incursões, vingativo e assassino do comerciante Napade, esposa, filha e dois netos na zona de Muala, além do professor Pedro. Não há dúvidas que foi ele quem rasgou a barriga de uma mãe coitada e tendo introduzido pedaços de duas criancinhas, acção esta que criou um descontentamento na zona que pediram aos milicianos que o assassinassem em 1985 quando ia colher arroz. Foi das poucas mortes festejadas pela população, que

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Do diário de Francisco [Ndagwira] Franque, ex-combatente e comandante da Renamo, entrevista com o autor, Tsangano, 6 de Fevereiro de 2013/Transcrito. Ndagwira, é nome com que era conhecido em virtude de em cada assalto sempre sair com um prisioneiro governamental vivo, a fim de explorar os futuros planos.

espectaram sua cabeça no bambu correndo pelas ruas em procissão enquanto o seu corpo era queimado144.

Para ganhar simpatia popular e enfraquecer o poder central, a guerrilha começou a promover as autoridades tradicionais. Nantuto, cuja povoação acolhera a primeira base da região norte da Zambézia antes de ser transferida para Maquiringa, fora designado chefe geral dos anciãos, tendo-se evidenciado como conselheiro da Renamo nas práticas mágico- religiosas. As suas acções custaram-lhe a vida pela 7ª Brigada do Gurue. Na altura um missionário afirmava

É uma guerra que opõe moçambicano a moçambicano, uma guerra de desgaste que destrói casas, machambas, pontes, fábricas, postes de transporte de energia, aldeias inteiras, que ceifa cruelmente vidas humanas sem conta, sem excluir crianças, que deixa sem-abrigo e meios de subsistência milhares de pessoas, umas conservadas cativas nas zonas ocupadas, outras fugidas para os países vizinhos, Zimbabwe, Suazilândia, Zâmbia e Malawi (só aqui há 700.000 refugiados moçambicanos), outras ainda procurando segurança à volta dos centros urbanos (onde não encontram emprego, terrenos para cultivar, lenha ou comida. É uma guerra sem sentido, de tipo terrorista. Actualmente só 20% do território está sob controle governamental: trata-se das cidades e sedes de distrito. Só se pode viajar, com segurança, entre cidades, de avião. De resto, há as colunas militares, os ataques frequentes… Algumas vilas e cidades são autênticas ilhas, só por ar se podem alcançar, no terreno

não se pode viajar para além dum raio de 10 km de algumas cidades145.

O régulo Ndalawe, igualmente conselheiro, encarregado da logística tirava especialidade na colocação de minas anti-carro na estrada entre Ile e Namarrói. O régulo Wede, o recrutador de jovens e recolector de víveres para serem enviados à base Sugula (Lugela) tinha ligação directa com a base de Alfazema (Morrumbala). Munhagula, comandante e agente do reconhecimento e tal como Wede, este fora amnistiado e reintegrado mas a fuga de ambos valeu-lhes à execução, o primeiro na Sede de Namarroi e o último na base de Erurune (Lugela). Inlugo também foi conotado como colaborador.

No distrito de Mocuba, a grande base era Muaquiwa cujo régulo permaneceu com a Renamo durante muito tempo antes de ir viver em Mocuba. Em muitas áreas: dos régulos Rosa, Nigula, Muha, Mariha, Namaquita, Mulo, a Renamo abriu escolas e procurou subtrair a população da influência governamental. Ela nunca explicava as populações os motivos da guerra, mas exigia-lhes mantimentos, carregadores e guias e colocava-as nas zonas de primeira entrada das forças governamentais para servirem de escudo humano, numa espécie de postos avançados. Foi o milho da Zambézia que reforçou a guerrilha em Manica e Sofala. A população descontente com esta exploração recorreu ao cultivo de produtos em zonas inacessíveis; caso fosse descoberta era punida pelo corte de órgãos.

A 25 de Setembro de 1986, pelo 22º Aniversário das FPLM e um mês antes de morrer, Machel fala da necessidade do sangue novo nas forças armadas «a participação das Forças Armadas passa essencialmente pela elevação sempre maior de níveis de organização, disciplina, eficiência, rapidez e prontidão combativa, o que exige a presença nas fileiras militares de jovens, quadros política, técnica e cientificamente preparados que deverão substituir os combatentes veteranos, cuja experiência tem de ser aproveitada na formação das novas gerações.

No mesmo ano Gimo Phiri rompe-se da Renamo com seus 500 homens a unirem-se em torno da União Nacional de Moçambique (UNAMO) que trava combates contra a Renamo e

144 Lobiness Mário Phiri, entrevista ao autor, Namanjavila, 10 de Fevereiro de 2013/Gravado

145 Gomes, Francisco Sampaio, Moçambique, Uma Jovem Missão com 330 anos de existência, in Anuário da

contra a Frelimo, simultaneamente gozando do apoio étnico em Milange e montes Namuli. O seu adversário no Gurue foi o comandante Calisto Meque de etnia Ndau cujas acções exacerbaram os conflitos étnicos entre Ndau, Chuabo e Maconde. A separação de Gimo Phiri foi uma contestação desta actuação e o desejo de formar um país independente quer da Frelimo quer da Renamo. Calisto tinha optado por eliminar todos os oficiais que não eram da sua etnia que lhe criou dificuldade de travessia dos territórios pois tinha que mudar de guias e carregadores em função do território que pretendia atravessar.

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