• Nenhum resultado encontrado

Estratégias e Métodos de missionação e de evangelização

1.1.1. Ascensão, decadência e renascimento dos Jesuítas

1.1.1.4. Estratégias e Métodos de missionação e de evangelização

Os métodos de missionação e de evangelização dos Jesuítas eram variados conforme o contexto cultural e geográfico. No Brasil, Couto encontra três fases: i) a conversão por amor, na qual o Jesuíta difunde a mensagem cristã sem interferir nos padrões de organização económica e social das comunidades indígenas, de forma persuasiva, ii) aplicação do suave jugo de Cristo aos grupos tribais,na qual fazia-se apelo a ida de mais cristãos da metrópole para o Brasil a fim de sujeitarem os Índios ao jugo da servidão eos obrigar a acolher-se à Bandeira de Cristo e iii) criação de aldeiamentos isolados do contacto com os colonos e as autoridades locais e régias, concentrando os missionários os poderes temporal e espiritual22. A prática de Antopofagia pelas populações índias e pelos grupos tribais da floresta tropical era intolerável pois, comendo seus semelhantes, os índios excediam em crueza os «brutos animais» que não participam da razão, o que levou alguns a duvidarem da natureza humana destes seres humanos. Gabriel Soares de Souza dá uma ideia desta crueldade:

Ao cativo é-lhe posta uma corda no pescoço de modo a evitar a fuga e fica ao cuidado de uma moça que o acompanha em todos os movimentos podendo prostituir-se com ele durante 5 ou 6 meses findos

e prover à sua sustentação. Cfr. Dias, Geraldo J. A. Coelho. A Evangelização: Portugal e a Política Externa da

Igreja no século XV. Revista da Faculdade de Letras, UP, Porto, 2010:160

21 Pereira, Zélia. Os Jesuítas em Moçambique: Aspectos da acção missionária portuguesa em contexto colonial

(1941-1974), Lusotopie. Lisboa, UCP, Mimeo. 2000:21

os quais é morto e a carne consumida. Se a moça estiver grávida, o bebé que nasce é igualmente morto. Havia mulheres castas que vivem como homens e que tem ao seu serviço alguns escravos. Esta

gente não tinha ocupação nenhuma senão comer, beber e matar gente23.

O debate era aceso e a dado ponto, o Provincial da Ordem dos Pregadores na América, frei Domingos Betanzos, fez um pedido ao Sumo Pontífice de modo que reconhecesse solenemente os Índios como homens racionais. Pela Bula Papal Sublimis Deus de 2 de Junho de 1537 o reconhecimento veio expresso. Condenou-se a servidão a que estavam submetidos os indígenas e a crueldade com que eram tratados. Para o Papa Paulo III,

Nós exercemos, ainda que indignamente, o lugar de Deus na terra e procuramos solicitamente juntar no seu aprisco, com todas as outras, aquelas ovelhas, aos nossos cuidados confiadas, que andam fora do seu rebanho. Atendemos que esses Índios, como verdadeiros homens, não só tem capacidade para a fé cristã, mas correm para ela prontissimamente segundo nos informam, desejando, por outro lado, providenciar sobre a matéria com soluções adequadas, determinamos e declaramos, pelas presentes letras, com a autoridade apostólica, e não obstante o que quer que seja em contrário, que os referidos Índios, como todos os povos cuja existência depois de chegar ao conhecimento dos cristãos, ainda que esteja fora da Lei de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, quer da sua liberdade, quer do domínio sobre as suas coisas24.

Do outro lado, no Oriente, os Jesuítas tiveram vários métodos para fazer-se presentes. As crónicas sobre esta penetração foram fornecidas por quatro missionários que para lá foram depois da Morte de Francisco Xavier. Foram eles, Alessandro Valignano, Metteo Ricci, Semedo e António de Gouveia. Tudo leva a crer que Francisco tinha encontrado resistência no Japão, pelo que teve que rumar a China para que, uma vez convertida, servisse de guia para forçar os japoneses a abandonarem os seus credos. E escreve: «creyo que esto anno de 52 irey laa, onde estaa El-rey da China, porque he terra domde se pode muyto acrecemtar a ley de Nosso Senhor Jhu Xto; e se ahy a recebessem, seria gramde ajuda pera em Japão descomfiarem das seitas em que crem25».

A morte prematura, a 2 de Dezembro de 1552, interrompeu este projecto. Passados vinte e seis anos Alessandro Valignano chegou a China, como visitador das Missões da Companhia no Oriente e teve boa impressão da região. Todavia, levou algum tempo para ter autorização de residência no território chinês. Depois de várias tentativas, a mesma foi conseguida em 1582 pelos italianos Michele Ruggieri e Metteo Ricci. Os padres seguintes tiveram que usar estratégias de mercadores para se juntarem aos seus pares como o caso de António de Almeida, o primeiro português a missionar na China, seguido de Manuel Dias, João da Rocha, Gaspar Ferreira, João Soeiro, Jerónimo Rodrigues e Pedro Ribeiro26.

A construção do império português do oriente polarizou as atenções militares, comerciais e religiosas. Quando Francisco Xavier chegou a India já lá se encontravam os franciscanos e dominicanos. Boxer afirma que, entre 1550-1750, o mais notável período das missões portuguesas foi obra principalmente dos Jesuítas que, em Goa, desde 1542, tinham introduzido homens de fé com nova mentalidade e novos métodos, para quem as religiões hinduísta e budista, com seus livros, não eram encaradas como obra demoníaca27. Era uma sociedade onde a poligamia, contrária aos princípios católicos, estava enraizada. O Budismo, o taoísmo e o Confucionismo eram as manifestações religiosas e morais, sendo

23 Souza, Gabriel Soares de. «Tratado Descritivo do Brasil em 1587.

24 Couto, Jorge. Estratégias e Métodos de Missionação dos Jesuítas no Brasil. Lisboa, Brotéria, 2000:65-70

25

Araújo, Horácio Peixoto de. Processo de Aculturação e métodos missionários no império da China, Lisboa, Brotéria/Fundação Oriente, 2000:86

26 Araújo, Horácio Peixoto de. op. cit. pp. 86-90

este último, mais aderido pelas elites. Já havia produção de livros porque havia divulgação do papel28. Não deixa de ser curioso notar como os Jesuítas assumiram valores da sociedade não contrários com o Cristianismo para corromper a sociedade por dentro e evitar um embate cultural. Não desprezaram o que os nativos faziam, pelo contrário, tudo foi aproveitado aos pormenores, a fim de servir de porta de entrada para a evangelização. Estudaram as línguas, observaram atentamente os hábitos religiosos e sociais e contiveram os gestos e as palavras, mudaram os trajes, exploraram a técnica, acompanharam a evolução da ciência e eles próprios brilharam como cientistas. É reconhecido o paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin, no século XIX, que pegou a teoria evolucionista de Darwin para explicar a evolução do próprio cristianismo, embora as suas conclusões fossem proibidas enquanto esteve vivo. Voltando ao Brasil, a sua construção contou com os Missionários Jesuítas. Acompanharam Tomé de Sousa, em 1548, quando viajou para lá com os seus mil homens. Eis o testemunho de um jesuíta, olhando retrospectivamente:

Com elle vieram os jesuítas em 49. Aqui acharam alguns pequenos núcleos de povoação na costa, de Pernambuco a São Vicente. Os indígenas comiam uns aos outros; os reinões os matavam e escravizavam; uns e outros viviam na polygamia e na promiscuidade. Os próprios clérigos aqui se corrompiam. A causa, dal-a-ia o padre António de Sá: «a terra era tão larga e a gente tão solta»! Mas vieram os Jesuítas. Veiu com eles a Virtude. Para os colonos, que a esqueciam e a repudiavam, passada a Linha. Para os Índios, canibais, intemperantes, sensuais, que jamais conheceram freio e reserva. Apenas com durarem perto de vinte anos, já vai alto o sol. Não se come mais carne humana; cada um tem sua mulher, a sua família; aprende-se a ler e escrever, aprendem-se officios29».

Acompanharam as expedições de descoberta com muito entusiasmo para dilatar a fé nas áreas recém-descobertas, além de introduzirem nelas costumes europeus cristãos que gradualmente compensaram perdas causadas pela Reforma. Na viagem, levavam consigo plantas sementes e animais para cultivar o solo, medicamentos para curar os enfermos e a eles próprios e sobretudo livros para ensinar. Em ambos os casos, China e Brasil, a penetração para o interior e, mais tarde, a formação do clero indígena, mesmo com tentativas de levar para Portugal alguns jovens com a finalidade de se tornarem religiosos ou padres, foi um processo moroso e difícil.

A presença dispersa de tribos hostis resultou num choque cultural; numa maior miscigenação e num novo desempenho económico nas formas de organização social. A imigração massiva de Europeus para o Brasil não pelo facto de os Índios e escravos negros serem uma ameaça a cultura europeia, mas pelo facto do espaço ter recursos por explorar e gente por civilizar. A atenção dos Jesuítas incidiu nas crianças visto que os velhos eram tidos como algo perdido, inférteis à educação e habituados ao canibalismo. Era preciso combater a poligamia através do envio de jovens e mulheres que andavam nas ruas de Lisboa, mesmo que fossem maus, ladrões e perdidos ou as prostitutas.

Os Jesuítas consideravam que o recrutamento de índios para as plantações incentivava as lutas inter-grupais. Em 1570, a Carta Régia regulamentava os cativeiros das guerras justas (libertação ao tráfico de índios). Os colonos instalados no terreno tinham ideia exacta da extensão que pretendiam para as possessões da metrópole e sobre os meios a utilizar para lá chegar. Embora desconfiassem, os responsáveis dos países europeus dependiam deles, concedendo facilmente a sua confiança aos europeus de origem. A intervenção dos jesuítas evitou a competição na busca de escravos e e na promoção de lutas injustas entre os índios, pois havia o resgate, o qual era feito mediante troca de objectos pelos escravos.

28 Cfr Araújo. A Companhia de Jesus e a Missionação no Oriente. Lisboa, Brotéria/Oriente, 2000:90

CAPÍTULO II

1.2. História da Companhia de Jesus em Moçambique

Mesmo os gentios, quando vão oferecer algum sacrifício escolhem para levar a oferenda a filhinha mais nova, a que ainda não sabe pecar, a que agrada aos mizimus (os espíritos). No ritual determinara-se que os cestos fossem levados à cabeça pela filhinha mais nova, se havia, se não pelo irmãozito ainda pequenino; só na falta de filhas ou netas seria oferenda levada pela própria mãe de filha.

Padre Raúl Sarreira, A festa das primícias em Boroma

Este capítulo desenvolve aspectos ligados à periodização da presença Jesuítica em Moçambique e factores circunstanciais que influíram na evangelização. Esperamos que o contribua para dar a conhecer os principais feitos de missionários que, deixando suas terras, foram evangelizar em terras moçambicanas contribuindo para a cristianização da sociedade.

Documentos relacionados