• Nenhum resultado encontrado

As relações entre os Jesuítas com a Sociedade e os Métodos de evangelização

Quando aos métodos de evangelização notamos que estes foram variados conforme os locais. É evidente que a pretensão aqui apresentada não era nova, pois, inúmeros autores já estudaram o método missionário dos Jesuítas em Moçambique como foram os casos de Sousa (1991) Correia e Sousa (1998), Pereira (1998), de que falamos anteriormente. São excelentes obras, redigidas com atenção sobre a missionação jesuíta em Moçambique. Nelas transparece o ambiente da época, as dificuldades do empreendimento e as relações entre os actores que influenciaram directamente os acontecimentos, apesar do exagero e omissão na interpretação, quando assuntos fossem de carácter político.

A Concordata Missionária criou um ambiente propício para o retorno de congregações religiosas expulsas em Moçambique; em 1961 já existiam 422 sacerdotes, 152 irmãos e 708 irmãs. De facto, os três primeiros bispos preocuparam-se não apenas em fazer a redistribuição do pessoal existente, mas em aumentar o pessoal missionário recorrendo até Roma269. Dentro deste período, os jesuítas empenharam-se a trabalhar nas paróquias e missões, instituições de ensino, de saúde, de promoção e assistência e outras obras sociais. Para além dos padres, irmãos e irmãs, contavam com apoio de professores e catequistas e auxiliares e leigos.

No contexto da guerra colonial pretendia-se desenvolver o trabalho em três sectores: no meio intelectual, factor principal e responsável do desenvolvimento, no meio operário, pretexto para a agitação e exploração devido ao seu estado miserável; no meio militar, instrumento da defesa. Entretanto, somente Angola mereceu um tratamento especial, com envio de capelães militares. Em Moçambique houve desentendimentos com o arcebispo de Lourenço Marques o que levou os Jesuítas a fecharem a sua residência universitária. Desdobraram-se me criar a metodologia missionária, com destaque para a formação mínima de auxiliares e estudo da cultura local além da aprendizagem da língua no Malawi de modo a evangelizar com facilidade. O meio de transporte era a mota, de modo a conseguirem percorrer os trilhos das aldeias locais, e algumas vezes usaram bicicletas e mesmo a pé. No âmbito da preparação para os sacramentos, os catecúmenos tinham sido divididos em três grupos: de urgência, simples e aprovados. Os primeiros eram os de difícil conversão como velhos e aqueles em dificuldades matrimoniais. Deviam ser aprovados e urgentemente receberem o baptismo. Os segundos eram os que frequentando escolas deviam aprender bem as orações. Podiam ficar um, dois ou mais anos. Mas normalmente ficavam um ano. Faziam exame na Missão orientado pelo missionário ou um delegado.

269 Ubaldo. Madela Maggiorino. La Chiessa Cattolica in Mozambico: Dellévangelizzazione dal 1940 ad oggi,

Estes passavam para a terceira categoria, isto é, eram catecúmenos aprovados. Recebiam medalha de catecúmenos, eram inscritos no livro de catecúmenos. Os baptismos eram momentos de festa, e normalmente celebravam-se durante a Pascoa, assunção de Nossa Senhora e no dia do padroeiro da Missão. Em matéria de disciplina religiosa, havia interdições para os filhos de gentios com menos de 11 anos. Até 1948 tinham sido baptizados 1703 cristãos, dos quais 904 eram crianças270. A colaboração com os bispos diocesanos foi notória com a ocupação pelos seguidores de Inácio de Loyola de lugares de relevo dentro da hierarquia da Igreja. Em 1966, Pe. Raúl Serreira já era vigário em Tete, onde o tinham sido também Luís Gonzaga Ferreira da Silva (futuro Bispo de Lichinga) e Luís Abílio Gonçalves. Na Beira era o padre José Augusto Alves de Sousa e em Nampula, o padre João Valente Cabral.

Promoveram as vocações diocesanas através de Zóbue e para a Companhia, fundando o Noviciado em 1974, em S. Benedito- Beira. Formaram grupo de Animação Cristã do Ambiente Universitário – ACAU. A colaboração com os bispos foi constante. Em 1969, colaboram no lançamento do Centro de Investigação Pastoral de Moçambique – CIPM. Um ano antes, haviam-se engajado no Centro Catequético de Nazaré, em Sofala.

Em 1972 quatro missionários, dois de Tete e dois da Beira foram postos na prisão e a imprensa retoma uma campanha difamatória contra os missionários não portugueses e apoiada até por eclesiásticos271. Entre 20 a 25 de Novembro a igreja reuniu-se na Matola para reflectir os últimos acontecimentos e decidir o rumo a seguir exprimindo o seu desacordo com as escolhas ideológicas e operativas do governo colonial e apresentando propostas concretas para um futuro imediato272. Alguns missionários apontam uma serie de argumentos:

 O pensamento da jerarquia perante o problema da guerra, com as violências perpetradas pelas duas partes;

 Perante a divisão entre os bispos na orientação da Igreja, divisão esta que se considera um dos males maiores, pede-se uma análise deste facto e a procura de uma solução;

 Pede-se a elaboração de um documento base que indique claramente a atitude a tomar na defesa dos direitos da pessoa humana na actual conjuntura moçambicana;  Pede-se um exame sobre a oportunidade de a Igreja continuar no seu vasto empenho

no campo do ensino elementar273.

No dia da tomada de posse do Bispo Jesuíta, a 16 de Dezembro de 1972 há massacres de Wiriamu, no regulado de Gandali documentado em duas redacções dos missionários274. A reacção do Governo foi a intensificação do controlo aos missionários decretando algumas expulsões, não renovando as autorizações de residência e fechando as portas aos que queriam entrar em Moçambique pela primeira vez275.

270 Sousa, José Augusto Alves de; e Correia, Francisco Augusto da Cruz. 500 Anos de Evangelização em Moçambique: 11 de Março de 1498 – 11 de Março de 1998, A.I., Braga, 1998:102

271 Noticias de 27/09/1972 publica um artigo do Padre Brásio contra os missionários de Burgos.

272

Cfr. Renovação das estruturas pastorais, in Zambézia, SCJ, documentação nº 12, 1973

273 Cfr. Risposta all´inquista, Vila Junqueiro, 15/05/1972 (Policopiado).

274 A primeira de 19/12/1972, e segunda de 06/01/1973

Em Março de 1973 os bispos protestam junto do Governador-geral por causa dos massacres de Wiriamu e das manifestações de praça postas em causa na Beira contra dois padres de Macuti, processados e absolvidos depois de um ano de prisão e contra D. Altino Santana, Bispo da Beira, que faleceu a 27 de Fevereiro de 1973. O seu campo da pastoral ficou assegurado pelo Padre Sousa. Ubaldo (1983) explica que em Fevereiro de 1973 as autoridades administrativas, por mandato do Ministro dos Estrangeiros e servindo-se às vezes também da polícia política, pedem aos missionários por meio de uma nota explicativa em sete pontos, um juízo sobre a politica portuguesa em Moçambique, esperando uma adesão explícita. A armadilha é evidente; como também a possibilidade de manipular e difundir as respostas. Os missionários que respondem individualmente são pouquíssimos, e a coisa cai por si mesma.

Os padres do Sagrado Coração de Jesus (SCJ) tomam posição em grupo e redigem um documento (Tópicos) que dirigem ao Bispo da Diocese, nele vem expressas algumas opções consideradas urgentes: reconhecem os direitos da pessoa humana, defender a igualdade das raças, proclamar o direito de todos os povos à liberdade dos territórios nacionais, defender a aspiração fundamental do povo à justiça; condenar a guerra. Poucos dias mais tarde o Conselho Presbiteral da Diocese de Quelimane faz seu o documento e pede que seja apresentado à Conferencia Episcopal, de que é presidente D. Francisco Nunes Teixeira. No mês de Julho o artigo do Padre Hastings provoca o escândalo de Wiriamu. Às reacções histéricas do Governo, acrescente-se o desmentido dos factos por parte de um e outro Bispo. O desacordo entre os Bispos torna-se tensão e o caso é levado a Roma276.

Enquanto a tensão aumentava os missionários da Zambézia exprimiram o seu parecer dizendo: «pensamos que a diocese tenha de declinar qualquer responsabilidade em tudo o que possa favorecer uma interpretação de colaboracionismo com as mais recentes iniciativas estatais no sector escolar, principalmente depois que vieram à luz certas informações que confirmariam estar em acto uma manipulação e instrumentalização do concurso para fins que julgamos mais políticos do que didácticos, e uma hábil mentalização ofensiva dadas as circunstâncias, da liberdade e dignidade da pessoa humana, sobretudo se em prejuízo de humildes profissionais do ensino, como o são os professores interessados277».

E alguns Jesuítas partilhavam desta posição mas não o diziam abertamente. Em 1973, assistindo espiritualmente aos trabalhadores da açucareira de Mafambisse, no Dondo, os jesuítas deixaram a impressão de que eram contra qualquer tipo de instrumentalização do moçambicano e que a autodeterminação era inevitável. Na reunião havida na Vila Coutinho (Ulónguè) havia-se debatido a questão do trabalho em conjunto e com outros missionários com vista ao alcance de vocações e abertura do noviciado local, além do reforço na colaboração no ensino.

No meio intelectual cada Jesuíta fazia o trabalho por sua conta e risco. Para este triunfo concorreu, principalmente, o padre João Cabral considerado por muitos como o fundador da primeira associação cívica em Moçambique, que foi capaz de influenciar o julgamento dos padres de Macuti, por meio de vigílias e de outras manifestações, sendo o seu trabalho apreciado pelos protestantes.

276

Cfr. Carta do Bispo de Nampula ao Papa de 6 de Agosto de 1973, a 13 de setembro de 1973 o papa encontra-se com o Conselho Permanente da CEM e a 16 de setembro de 1973, o Observatore Romano publica uma declaração do Presidente da CEM

CAPÍTULO II

3.2. O Impacto da Acção Missionária dos Jesuítas em Moçambique

A recruta dos homens aos trabalhos forçados fazia com que os indígenas estivessem desconfiados o que levou Lacerda a afirmar «Não notei progresso nos indígenas como sociedade organizada, enquanto contraposta à dos brancos. A mesma independência, o mesmo isolamento, o mesmo medo e desconfiança dos próprios irmãos de raça. Apenas se unem para se queixar do branco e de suas exorbitâncias

Em 20 de Janeiro de 1945, o Irmão Abel Agulha a partir de Lifidzi, faz uma carta na qual fala dos baptismos, casamentos, usos e costumes das populações de Angónia, incluindo os procedimentos da passagem do ano, da conversa entre pais e filhos, cônjuges e revela quais os costumes que supõe serem difíceis de acabar, como o caso da distância entre homem e mulher, ou entre pais e filhos.

Documentos relacionados