• Nenhum resultado encontrado

2.1.1. Missão de São Francisco Xavier – Lifidzi

2.1.1.2. Presença e intervenção das acções missionárias

A grande obra realizada foi a construção da Igreja «Akufa Adzauka» que na língua local significa «os mortos ressuscitarão» inaugurada a 7 de Dezembro de 1959, por D. Sebastião Soares de Resende. Entretanto, a Igreja já estava em uso, como atestam as palavras do padre José Manuel Teixeira, no ano anterior: «tivemos três missas: uma à meia-noite, que de todas foi a menos concorrida, talvez por causa da chuva. Mas às outras duas, - tanto à das 7 horas, como sobretudo à das 10 horas, - acudiu tanta gente que a nova igreja, - verdadeira catedral, - por mais extensa que pareça tornou-se ainda bem pequena174». Importa referir que o lançamento da primeira pedra foi feito a 24 de Junho de 1952 e contou com a presença de D. Sebastião que benzeu solenemente o terreno175.

Foto 1: Igreja de Lifidzi em construção, 1956

173

Sousa, José Augusto Alves de. Os Jesuítas em Moçambique, 1541-1991: no cinquentenário do 4º. período da nossa missão, Livraria A.I., 1991:127

174 José Manuel Teixeira, Carta de 9-03-1958, in APPCJ:512

Nesta altura, já se encontrava pronta a residência (inaugurada em 24 de Maio de 1953) que contou com apoio do mestre auxiliar, Sr. José Alho que tinha levado para la toda a família: mulher e três filhos. A escolha do ano, isto é, 1952 foi motivada pelo quarto centenário do padroeiro, Francisco Xavier. Também pelo mesmo motivo, procedeu-se a inauguração da maternidade local, construída de raiz, sob orientação do mesmo mestre.

Além disso, a construção contemplou uma residência para os padres, outra para as irmãs, dois internatos, uma maternidade, um campo de eucaliptos e uma grande herdade agrícola, um moinho e uma serralharia mecânica. Por iniciativa do padre Manuel Lopes, foi desenhado o projecto para construção de um internato para as raparigas porque já eram assediadas ao longo do caminho, conforme as queixas das comunidades. Um dos casos que ficou mais famoso foi o de uma moça chamada Nasibeko, que ao se defender do violador foi morta e devorados pelas feras. Coube ao padre Faustino Rodrigues erguer o internato que, além de aliviar as meninas das perseguições a que eram vítimas, as acomodava livrando- lhes do peso dos trabalhos domésticos a que eram subjugadas em casa e incutir nela os princípios cristãos.

Para fazer face a vários pedidos de vagas feitos pelas comunidades circunvizinhas à Missão as irmãs tinham adoptado um esquema inédito de internamento das raparigas. 90 raparigas das comunidades mais distantes viviam no internato, saindo para as suas comunidades uma vez a outra enquanto 300 raparigas passaram a dormir na Missão. Pelas manhãs rezavam e, estudavam até às 10 horas e voltavam para as comunidades onde passavam as refeições. Isto ajudou a diminuir os encargos e a reduzir os conflitos nas comunidades pela aquisição de vagas ao mesmo tempo que incentivou as famílias reticentes a enviarem a rapariga à escola, visto que o seu trabalho era sempre presente. Como notou Teixeira:

Precisamos de formar bem a mulher indígena, se queremos ter cristandades sólidas com vida de família verdadeiramente cristã». É que os homens, nestas terras, mal param em casa. Boa parte deles anda quase sempre por fora, quer em contratos de trabalho, quer em vadiagem pelas Rodésias e África do Sul. Encontramos povoações por aqui onde o número desses vadios deverá chegar a um terço, ou mais. E por vezes nem se lembram de ajudar a mulher, nem os filhos, se os têm!... É uma pena, e é um grande obstáculo para a formação cristã das famílias176.

A primeira dificuldade foi a falta de pessoal. O falecimento do padre José Manuel Teixeira, em 1959, criou um vazio, até a chegada de mais reforços. O padre Fernando Bernardo da Mata fala da chegada do padre Luís Ferreira da Silva que «ajudou a dizer-se mais uma missa fora aos domingos, como Kalio, Nseula, Chabualo». Como se disse, a falta do pessoal combatia-se com a colaboração dos catequistas, gurupas e professores, além das irmãs. A falta de meios de transporte para visitar as comunidades era outra dificuldade com que se deparavam. A falta de estradas nos primeiros anos impedia a circulação de viaturas pelo que o uso de moto tornou-se usual.

Com a abertura de vias de acesso vieram os carros e por serem poucos, os sacerdotes usavam o mesmo carro, deixando um ao caminho e outro indo para o local mais distante para, ao fim do dia, fazer a recolha. Por exemplo, do mesmo carro seguiam para Chabualo, depois para Calio. Além de uma preocupação dos próprios missionários, esta falta de meio de transporte os impedia de levar os doentes, fazer visitas e mesmo prestar atenção aquelas pessoas que apareciam à última hora. Já em vésperas da Guerra Colonial, a Missão contava com 30 mil cristãos, seis missionários e sete irmãs. Havia dois internatos, algumas Associações da Acção Católicas (AAC), 90 escolas com 53 professores e 5 mil alunos, um Hospital e uma maternidade. Em 1958, a Missão foi sacudida por uma seca. Quando se

esperava que a colheita fosse abundante, a chuva não caiu em todo o mês de Março pelo que «perdeu-se boa parte da safra de milho que é toda a riqueza desta gente. Salvaram-se as baixas, por serem mais frescas177». Enquanto isto Boroma enfrentava por cheias. Em matéria de ensino, Lifidzi apresentava problemas diversos. Eis o relato do Padre Mata:

O problema escolar continua a ser agudo nestas terras: falta de interesse dos pais, falta de professores capazes, falta de edifícios aptos. Muito se tem trabalhado pelas escolas, mas os frutos não têm correspondido cabalmente aos esforços despendidos. As autoridades até aqui muito pouco, ou nada mesmo, se importavam com o problema escolar; agora começam a interessar-se mas para falsear o aspecto da questão, acusando as Missões de ineptas para o ensino e de que não puseram esta gente a falar português178.

A Missão de Lifidzi conheceu o seu abandono em 1979, a mando do Partido Governante. Até a esta data os padres já não residiam na Missão desde Julho do ano anterior e os últimos foram Domingos Isaac Mlauzi e Manuel Gama. O padre José Belarmino de Araújo reconhece quão era difícil a vida nos últimos dois anos. Refere-se à introdução de meninas na residência dos padres, como forma de força-los a sairem. Fala de reuniões marcadas para três horas de madrugada e, o mesmo acontecimento que se deu em Macuti, na Beira e que serviu para incriminar os Padres Fernando Mendes e Joaquim Teles Sampaio, tem lugar aqui.

Em Novembro de 1971 Fernando e Joaquim souberam, por dois missionários espanhóis, do massacre de Mucumbura, na província de Tete. As tropas portuguesas incendiaram e metralharam as casas (palhotas) dos negros e mataram dezenas de crianças, mulheres e idosos. Sabendo disso, os dois sacerdotes fizeram uma denúncia numa homilia – na Paróquia do Coração de Jesus do Macúti, na Beira". Era o continuar dos massacres havidos em Wiriamo, em 1972, cujo relato foi feito pelos padres Tete nestes termos:

Uma mulher chamada Vaina foi convidada a pôr-se de pé. Ela levantou-se com o seu filhinho Xanu ao colo, uma criança de 9 meses. A mulher caiu varada por uma bala. A criança desenvencilhou-se e sentou-se ao lado da morta. Chorava desesperadamente sem que ninguém lhe pudesse valer. Um soldado avançou para a fazer calar. – Que desilusão! – Sob o olhar atonico do povo reunido, o soldado agrediu a criança com um forte pontapé, esfacelando-lhe a cabeça. «Cala-te, cão!» - concluiu ele. A criança prostrada já não chorou mais. Estava morta. Voltou o soldado com a bota ensanguentada. Os companheiros acolheram o efeito com uma salva de palmas. «Muito bem!» - gritaram-lhe eles.- «És um valentão!». Foi o início de um futebol macabro. Os companheiros seguiram-lhe o exemplo. Assim como esta, morreram várias outras crianças cruelmente agredidas a pontapé pela soldadesca. Acompanhavam os soldados alguns agentes da DGS, que também estavam a actuar na matança. Um deles, de nome Chico Kachavi, que parecia ser o chefe do grupo, antes de matar, às vezes, começava por agredir as suas vítimas a murros até prostrá-las, exaustas. Então é que disparava o «tiro de misericórdia» sobre os desgraçados.

Oito dias depois da missa havia uma cerimónia de escuteiros, uma promessa dos lobitos, mas a maior solenidade centrava-se na magna reunião de todos os movimentos católicos da paróquia. O padre Fernando, então assistente religioso dos escuteiros, impediu que a bandeira nacional entrasse no templo, porque para muitos a bandeira era símbolo de ocupação. Foi este episódio que veio a desenrolar todo o processo, montado para difamar e condenar os padres. Estavam longe, em Vila Perry, a mais de uma centena de quilómetros da Beira, num encontro religioso. Foi lá que foram presos pela PIDE179.

177 José Manuel Teixeira, Carta de 9-03-1958, in APPCJ:513

178 Padre Fernando Baptista da Mata, Ecos da Província, Fevereiro de 1964:16

Em 22 de Março de 1972 teve lugar uma reunião da CEM na qual estiveram presentes todos os bispos, o Núncio Apostólico e Mons. Justo Mullor. Falou-se da delicadeza das relações entre a Igreja e o Estado, da guerra colonial, dos missionários que se encontravam detidos, um encontro tumultuoso mas em que todos tiveram ocasião de expressar livremente o que pensavam180. Em Lifidzi, o Padre Domingos Isaac, em plena Missa, foi obrigado interrompe-la, para dar lugar as cerimónias do hastear da Bandeira.

O padre não resistiu e disse que não havia problema, mandou os cristão para atenderem ao pedido e ele meteu-se no carro para a paróquia de Chabualo. Segundo informações facultadas pelo Padre Sousa e confirmadas pelo Padre José Belarmiro, na altura companheiro de residência, o Padre Domingos Isaac Mlauzi foi acusado de recusar astear a bandeira em Lifidzi. Queriam o carro, mas ele fugiu para Chabualo de onde foi intimado a apresentar-se as autoridades porque «havia uma pequena questão por tratar». Chegado a Tete foi conduzido à prisão juntamente com o Padre David Ferreira.

O padre David Ferreira da Silva recebeu ordens de expulsão enquanto o primeiro fui encaminhado para os campos de reeducação, no Niassa. Chegou a Majune e o guarda prisional que conhecia o padre disse-lhe que aquela prisão era para presos políticos pelo que não devia estar ali. Para o Ir. Albano Agulha, «a Igreja tinha sido transformada em Centro Cultural até que a Graça Machel veio». O desmembramento de Lifidzi deu origem a Domwe e Chabualo como pontos de referência e a nacionalização, em vez de fazer com que os padres desistissem, fê-los espandirem-se cada vez mais, cobrindo áreas longinquas como Chide e Jale e tendo nova residência em Chapotera, construída a 1 km de distância da Missão.

Documentos relacionados