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Capítulo 2 Primeiros momentos da trajetória de Goiás: início como um SPR de altos

2.4 A agricultura brasileira entre 1930 e 1970 e a manutenção de Goiás no SPR restritivo

2.4.1 A agricultura entre 1930 e 1970: avanço de um modelo heterogêneo

A agricultura brasileira chegou aos anos de 1930 com uma condição peculiar marcada por distintos estágios de desenvolvimento entre as regiões. Em São Paulo, o sistema cafeeiro operava em um nível que, segundo Prado Júnior (2008, p. 225), deixava “definitivamente numa sombra medíocre todas as demais produções brasileiras”. Muitas das demais atividades agrícolas, sobretudo, aquelas destinadas ao mercado interno e à subsistência local, encontravam-se em situação precária e de pouca expressão econômica.

Essas disparidades não refletem apenas uma condição específica da agricultura, mas as próprias distinções regionais e sociais da formação econômica do país, marcada pelo avanço de contradições internas das relações capitalistas que, ao mesmo tempo, criam uma face de desenvolvimento e outra de subdesenvolvimento (FRANK, 2012, p. 60). O elemento “particular” do processo histórico, que se desenrola a partir de 1930, é que parte da agricultura caminha rumo a uma modernização. Com isso, amplia-se a heterogeneidade interna (PINTO, 2000, p. 573) com o surgimento de um lado moderno e a permanência – ou mesmo aprofundamento – do lado tradicional.

O lado moderno da agricultura, ao final da década de 1940, começa a dar uma arrancada definitiva para a adoção de um paradigma pautado na Revolução Verde (GONÇALVES; RESENDE, 1993, p. 15). As raízes históricas desse modelo estão na Inglaterra de meados do século XVIII, com as condições que marcaram a Revolução Agrícola e criaram as bases para a Revolução Industrial (BAIROCH, 1976, p. 95). Nesse momento, a agricultura começou a romper com tempo natural e funcionar segundo os moldes de uma fábrica com a produção em alta quantidade de bens alimentícios (MANTOUX, 1988, p. 143). Ganharam força, então, os fatores de produção calcados “no uso de tratores e implementos, fertilizantes químicos, sementes melhoradas e, ainda pouco definido, mas já introduzido, o controle químico de pragas e doenças” (SALLES-FILHO, 1993, p. 18). O ponto determinante para a arrancada foi a transferência desse modelo produtivista, no final do século XIX, para os Estados Unidos, onde a agricultura encontrou um campo favorável para desenvolver e incitar uma reestruturação tecnológica36. É nesse contexto que ocorre

36 As ideias de Schultz (1965), lançadas no primeiro capítulo, serviram de base para justificar a importância do

modelo produtivista. Isso fica claro na afirmação de que “um país dependente da agricultura tradicional é inevitavelmente pobre e, por ser pobre, gasta a maior parte de sua renda em alimentos” (SCHULTZ, 1965, p. 15- 16). Ressalta-se, assim, que a agricultura já vinha sendo pensada em relação tanto às máquinas e aos insumos quanto ao capital humano.

a expansão da indústria de máquinas e implementos agrícolas, que passava a contar crescentemente com novos materiais, como o aço, e com novas fontes de energia, o petróleo e a energia elétrica, a expansão do uso de fertilizantes químicos; o início da produção em larga escala de sementes melhoradas; o aprofundamento da importância das instituições de pesquisa, ensino e extensão; e, como resultado, o incremento das relações intersetoriais (SALLES-FILHO, 1993, p. 18).

Interessante ressaltar que, para muitos países, o uso do modelo americano marcaria o início de uma expansão da agricultura, como o ilustrativo caso que envolveu a produção de arroz irrigado em solos esmectíticos na Ásia (JUO; FRANZLUEBBERS, 2003, p. 222). Mas a situação foi diferente para o Brasil: os elementos externos seriam acompanhados pela dinâmica interna previamente construída no sistema de pesquisa e ensino da agricultura.

Importantes transformações continuaram a ocorrer nessa atividade. Além dos tradicionais centros de pesquisa, em 1941, foi criado o Departamento de Produção Vegetal e, em 1947, o Departamento de Engenharia e Mecânica da Agricultura (DEMA), do Ministério da Agricultura. Na segunda metade da década de 1950 – marcada pelo Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek –, aumentou-se a internalização da indústria de base. A agricultura beneficiou-se desse processo na medida em que surgiram possibilidades para uma maior integração setorial com a indústria de bens de capital37.

Em paralelo, a pesquisa agropecuária continuava em crescimento e diversificação. Como apontam Gonçalves e Resende (1993, p. 14), ela

teve uma participação ativa no que se destaca a adaptação e o melhoramento de variedades superando limitações latentes ao processo de acumulação. As sementes melhoradas de algodão, arroz, as variedades de cana para a indústria resistentes ao carvão, os híbridos de milho são exemplos de grande impacto, que viabilizaram a diversificação com crescente produtividade da terra.

Segundo Castro (2007, p. 3), o período final dos anos de 1940 representou uma primeira fase de catching-up38 da atividade agrícola. Nesse momento, a dinâmica conjunta entre os fatores externos e internos criam as condições para modernizar a agricultura brasileira pautado, de um lado, no uso de técnicas provenientes da relação com as indústrias de base (RANGEL, 2005, p. 18) e, de outro, na interação com instituições de pesquisa.

37 A Dedini, em Piracicaba, ilustra essa situação. Nas décadas de 1920 e 1930, a empresa se dedicava ao “concerto

e reparos de peças para usinas e engenhos de açúcar”. A partir de então, começa a se transformar em “um complexo mecânico-metalúrgico voltado para o equipamento e manutenção das novas usinas” (EMERIQUE, 2013, p. 7).

38 Por catching-up, entende-se “o emparelhamento ou equiparação tecnológica ao ‘estado das artes’ internacional

e tende a ocorrer de forma concentrada, num período de tempo determinado, acompanhado de taxas expressivas de crescimento da economia, com elevação da produtividade e da competitividade internacional de setores e empresas” (CASTRO, 2007, p. 3-4).

Contudo, essa não seria a única face da agricultura no país nem mesmo a predominante. Ainda havia produtores em caráter de subsistência em diversas regiões. Eles apareciam no “domínio pecuário que se vê privado de mercados e tende a fechar-se sobre si mesmo, e o pequeno produtor agrícola ou sitiante que ocupa terras que ainda não foram alcançadas pela empresa agromercantil” (FURTADO, 1972, p. 96).

Nos termos de Martins (2012, p. 138), essa outra realidade da agricultura convivia em “seu próprio tempo histórico”, um tempo distinto do da agricultura que se modernizava, não apenas pelo nível de desenvolvimento econômico, mas, sobretudo, pelas mentalidades, os arcaísmos de pensamento e a conduta. Essa situação define a agricultura tradicional, em que se encontra a esfera da sociedade desprovida de capital e qualificação profissional. Ao contrário da face moderna, cuja construção avançou na década de 1950, a face tradicional arrasta-se como herança colonial. Essa lógica seria clara no modelo que se consolidou em uma região periférica como Goiás mediante a produção de arroz.

2.4.2 A segunda mudança da estrutura produtiva de Goiás: o despontar do arroz como

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