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Capítulo 4 Dinâmica da agroindústria canavieira em Goiás: expansão e motivos para

4.3 A agroindústria canavieira em Goiás: a divisão entre duas fases de expansão

4.3.3 A quarta mudança da estrutura produtiva: diversificação da base de exportação

Goiás não tinha tradição na produção de cana-de-açúcar. Em 1970, essa cultura contou com cerca de 10 mil ha colhidos (0,6% do total na região) e produtividade de 22,3 t/ha. Em 1985, a cana-de-açúcar passou a ocupar uma área próxima de 80 mil ha (2,7% da área colhida na região), atingindo produtividade de 57,0 t/ha. Na época, os canaviais representavam uma área menor que a de soja, milho, arroz, feijão e algodão. Em 2006, já com os efeitos da primeira fase de expansão, a cana-de-açúcar desponta como a terceira cultura mais importante, contando com área colhida de 263 mil ha (8,1% da região) e produtividade de 72,5 t/ha. Essa evolução da cana-de-açúcar está ilustrada na tabela 4.2.

moagem obtidos na reportagem da Agência Estado (2011), que menciona a moagem da safra de 2011/2012 e coloca a estimativa feita pelo gerente agrícola do polo de Jataí para as duas safras seguintes.

93 Tabela realizada com base em 34 usinas. Os dados desagregados podem ser vistos nas Tabelas 4, 5 e 6 dos

Tabela 4.2. Estado de Goiás: evolução da cana-de-açúcar entre 1970 e 2006 Ano Produção vegetal (t) Área colhida (Ha) Produtividade 1970 219.530 9.824 22,3 1975 338.688 8.590 39,4 1980 706.146 12.572 56,2 1985 4.439.246 77.196 57,5 1995 6.659.013 92.216 72,2 2006 19.102.268 263.342 72,5

Fonte: elaborada a partir de IBGE-Censo Agropecuário (2014)

Após a segunda fase de expansão, a cana-de-açúcar continuaria a crescer em área, quantidade produzida e produtividade. Nesse momento, como apresenta a tabela 4.3, baseada na média de 2011, 2012 e 2013, a atividade canavieira insere-se com maior vigor na estrutura produtiva de Goiás.

Tabela 4.3. Estado de Goiás: principais atividades agrícolas por área colhida e quantidade produzida, média 2011-2013

Atividade Agrícola Área Colhida (ha) Quantidade produzida (t) Produtividade (t/ha) Total % Café 7.779 0,1 18.431 2,37 Laranja 6.863 0,1 127.587 18,59 Algodão 86.826 1,7 327.835 3,78 Arroz 57.745 1,1 176.742 3,06 Cana-de-açúcar 763.631 14,6 60.876.199 79,72 Feijão 134.489 2,6 314.056 2,34 Mandioca 15.590 0,3 254.389 16,32 Milho 1.137.315 21,8 7.220.221 6,35 Soja 2.726.096 52,3 8.338.647 3,06 Sorgo 264.545 5,1 848.459 3,21 Tomate 16.129 0,3 1.305.215 80,93 Total* 5.217.008 100,0 (-) (-)

Fonte: elaborada a partir de IBGE-PAM (2014)

* O valor total não se refere ao total de Goiás, mas ao das culturas ilustradas na tabela.

O que estamos considerando como uma quarta mudança na estrutura produtiva não significa uma substituição da soja pela cana-de-açúcar – ainda que em nível local, isso tenha ocorrido – mas uma diversificação da base de exportação regional. Goiás, mantém as duas atividades operantes na economia. Para efeitos comparativos, São Paulo tem uma estrutura

agrícola mais especializada do que Goiás, contando com 65,0% da área colhida destinada apenas à cana-de-açúcar.

Embora não seja o caso da soja, há que se destacar que algumas culturas agrícolas perderam área na segunda fase de expansão da cana-de-açúcar. Comparadas com a média que apresentaram em 2003, 2004 e 200594, as maiores retrações na área colhida foram novamente no arroz (-68,8%), no algodão (-41,8%) e na mandioca (-22,4%)95. Nesses anos, a área com soja manteve-se estável e aquela com milho expandiu-se em 85,0%. Além disso, destacou-se o crescimento da área com batata-inglesa (92,6%), tomate (49,4%) e feijão (13,7%) (IBGE-PAM, 2015).

Entre as principais culturas, como ficou claro, a de crescimento mais expressivo foi a cana-de-açúcar. A divisão feita em duas fases para a expansão da agroindústria canavieira em Goiás pode ser replicada na dinâmica dessa cultura. Na média dos três primeiros anos da década de 199096, até a média de 2003, 2004 e 2005, a cana-de-açúcar teve incremento de apenas 97 mil ha na região. Entre a média de 2003 a 2005 até a média de 2011, 2012 e 2013, o aumento foi de 567,0 mil ha (IBGE-PAM, 2015). Pela média do incremento anual de hectares com cana- de-açúcar durante a segunda fase de expansão é como se, entre 2006 e 2013, a cada ano, 89,7 mil novos ha da cultura fossem incorporados em Goiás.

A projeção é que esse valor continue aumentando. Dados do MAPA97 colocam Goiás como o local onde o crescimento da produção de canavieira tende a ser mais acentuado no país. A estimativa é que, para a safra de 2022/23, o Estado registre uma variação de 81,8% na quantidade produzida em comparação com a safra de 2012/2013. Em São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, a variação estimada é, respectivamente, de 41,2% e 61,2% (BRASIL, 2012, p. 61).

A expansão da cana-de-açúcar tem ocorrido em termos tanto de área quanto de produtividade. O Gráfico 4.5 ilustra essas duas dimensões relacionadas ao avanço da cana-de-

94 Dadas as diferenças de metodologia do Censo Agropecuário e da PAM, optamos por não seguir o modelo de

comparação, como feito nos capítulos anteriores na análise da segunda e terceira modificações da estrutura produtiva, para acompanhar a evolução da agricultura em Goiás. Em vez disso, recalculamos os dados para a média de 2003, 2004 e 2005 e os comparamos à Tabela 4.2, pautados na média de 2011 a 2013, para avaliar a agricultura na região antes e depois da segunda fase de expansão da agroindústria canavieira.

95 Em todas, a perda de área tem um rebatimento na perda de produção, entretanto, com menor intensidade.

Considerado o diferencial entre a quantidade produzida na média de 2003 a 2005 e de 2011 a 2013, o algodão tem queda de 18,5%; o arroz, de 46,6%; e a mandioca, de 12,0% (IBGE-PAM, 2015).

96 Embora estejamos considerando a primeira fase de expansão com início em 1979, tivemos que marcar o início

da série em 1990, quando se iniciaram os dados da PAM.

97 Esse estudo é elaborado pela Coordenação-Geral de Planejamento Estratégico, vinculada à Assessoria de Gestão

Estratégica do MAPA. Trabalham-se tendências do agronegócio, levando-se em conta “o crescimento da economia mundial, o envelhecimento populacional e a mudança nos hábitos alimentares, bem como o desenvolvimento tecnológico e a evolução da consciência ambiental” (BRASIL, 2014, s/n).

açúcar em Goiás, colocando as variações da produtividade e da área colhida junto à dinâmica regional entre 1990 a 2013.

Gráfico 4.5. Estado de Goiás: evolução da área de cana-de-açúcar colhida entre 1990 e 2012 por mesorregiões

Fonte: elaborado a partir de IBGE-PAM (2014).

No tocante à dimensão das mesorregiões, na média dos três primeiros anos da série, 56,1% da área colhida com cana-de-açúcar localizava-se no Sul Goiano e 32,4%, na mesorregião do Centro Goiano. Antes da segunda fase de expansão, a parte central de Goiás, comandada pela Jalles Machado e a Anicuns Açúcar e Álcool, diminuiu a diferença, chegando a 41,9% da área colhida, ao passo que o Sul Goiano, comandado pela Goiasa e a Vale do Verdão, respondeu por 53,4% na média de 2003 a 2005. A disparidade entre as duas mesorregiões, entretanto, aumentou a partir de 2006. Comparando-se a média de 2003 a 2005 com a de 2011 a 2013, a área colhida com cana-de-açúcar no Sul Goiano aumentou em seis vezes, ao passo que dobrou no Centro Goiano. Com efeito, no final da série, a área colhida de cana-de-açúcar do Sul representou 74,2% do total de Goiás, enquanto o Centro registrou 19,9%. As demais mesorregiões sempre foram pouco representativas.

No que concerne à produtividade, o estágio entre 1990 e 1998 ilustra um gradativo aprendizado no cultivo de cana-de-açúcar. Facilitaram esse aumento a pequena área colhida e o baixo número de atores envolvidos no setor. Entretanto, em 1999, tem-se uma ruptura. Cabe lembrar que o país, nesse ano, vivenciou uma crise de superprodução do etanol, que superou o consumo e pressionou o preço para baixo (VEIGA FILHO; RAMOS, 2006), algo que se refletiu diretamente nas principais usinas de Goiás. Em 1998, a Vale do Verdão produziu um total de

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1.000 60 65 70 75 80 85 Mil Hectare s T o n elad as p o r h ec tar e

Noroeste Goiano Norte Goiano

Centro Goiano Leste Goiano

108,0 mil m³ de etanol e, no ano seguinte, 71,6 mil m³. A Jalles Machado passou de 51,7 mil m³ para 29,2 mil m³ (GOIÁS, 2003). Com o preço em baixa, alguns produtores reduziram a utilização de insumos (adubos) na cana-de-açúcar, pois o valor final do produto não compensava. Isso acarretou a drástica redução da produtividade apontada no gráfico. Superada essa fase, esse atributo voltou a crescer. O rápido salto, até 2002, colocou em evidência uma possível reforma dos canaviais, pós-crise, e o aumento da colheita de áreas de primeiro corte98.

A partir de 2007, a área colhida acentuou-se, sendo acompanhada por uma elevação contínua da produtividade. Entretanto, em pleno auge da segunda fase de expansão, no ano de 2010, esse atributo cai de 82,9 t/ha para 78,7 t/ha. Desde então, recupera-se, de forma lenta, atingindo 80,6 t/ha em 2013. Nesse momento, a queda tem uma relação com um maior número de atores e municípios produtores, em comparação com a de 1999. Assim, nesse contexto, é mais apropriado que as ponderações sejam feitas tendo-se em vista o âmbito local. O Mapa 4.1, baseado na variação percentual da média da produtividade nos cinco anos de 2004 a 2008 e de 2009 a 201399, apresenta uma percepção do fenômeno.

98 Deve-se ter em pauta que a cana-de-açúcar é uma cultura semiperene, ou seja, “após o plantio, ela é cortada

várias vezes antes de ser replantada. Seu ciclo produtivo é, em média, de seis anos com cinco cortes” (PARAIZO, 2013, s/n). É certo que esses dados variam, mas, apenas como um exemplo, em média, a produtividade da cana- de-açúcar no primeiro corte pode atingir 105 t/ha; no segundo, esse valor cai para 90,0 t/ha; no terceiro, para 78,0 t/ha; no quarto para 71,0 t/ha; e no quinto, para 67,0 t/ha (PARAIZO, 2013).

99Nesse caso específico, optamos por fazer uma análise em cinco anos para incluir uma média de cinco cortes da

Mapa 4.1. Estado de Goiás: variação da produtividade da cana-de-açúcar entre as médias de 2004 a 2008 e 2009 a 2013100

Fonte: elaboração própria a partir de IBGE (2014) e Anuário da Cana (2013).

A produtividade na cana-de-açúcar é altamente heterogênea. Podemos dividir essa categoria em quatro grupos. Primeiro, as duas áreas onde a queda tem sido mais intensa: ao sul, em uma nova área de expansão, tem-se um conjunto que inclui Caçu, Quirinópolis, São Simão, Gouvelândia e Paranaiguara; ao centro, em uma área mais tradicional, Itapuranga, Itapaci, Rialma, Santa Isabel e Ceres. Segundo, a área em que a produtividade sofre quedas mais leves. Nesse grupo inclui-se uma área tradicional de Santa Helena de Goiás, Turvelândia, Acreúna e Jandaia. Terceiro, uma área mais extensa em que a produtividade tem crescimento de até 15,0%. Esse grupo inclui Itumbiara, Bom Jesus de Goiás, Goiatuba, Vicentenópolis e Edeia. Quarto, alguns casos particulares que, apesar de registrarem quedas, continuam com um alto nível de produtividade. Esse é o caso especial de Jataí, em que esse valor passa de 113,4 t/ha para 112,0 t/ha, e, de Montividiu, em que cai de 100,0 t/ha para 95,1 t/ha.

100 Para a elaboração deste mapa foi utilizado o mesmo procedimento do Mapa 3.2 (ver nota 66). A única distinção

é que, na soja, excluímos da análise os municípios que, na média inicial de comparação, contavam com menos de 3 mil ha. Na cana-de-açúcar, dada a menor quantidade de área em comparação com a soja, o número para o recorte foi 250 ha (os municípios excluídos foram numerados com 0, o que explica o alto número de municípios com esse valor no mapa). Os municípios e os resultados incluídos na análise estão na Tabela 3 dos anexos.

O mais comum, em Goiás, é que a cana-de-açúcar seja produzida pelos mesmos grupos econômicos que controlam as usinas. Com base na safra de 2011/2012101, 78,0% da cana obtida pelas usinas foi produzida em terras próprias (PROCANA, 2012). Entre as maiores usinas, a única cuja proporção pende para o lado de fornecedores é a São Francisco102, situação que contrasta com a de grupos como Vale do Verdão e Otávio Lage, em que 100% da cana é da própria usina (LUNAS, 2010, p. 147; PROCANA, 2014).

Ao contrário da soja, em que a expansão foi antecedida por um planejamento do Estado, com a criação de cultivares e a organização de instituições de pesquisas, na cana-de- açúcar, a iniciativa e a preparação dos instrumentos de produção no cerrado ficaram com os grupos econômicos atrelados à agroindústria canavieira. O Estado nacional, como observou Mazatto (2008, p. 1), não dispôs “de uma política pública definida para a expansão do cultivo da cana-de-açúcar visando o ordenamento da produção de biocombustíveis, sendo o processo de licenciamento/financiamento de novas usinas a única interferência direta do governo”. Mesmo com o ZAE, lançado em 2009 – depois de muitos dos projetos já terem sido concluídos –, a influência que se criou foi mais no sentido de restringir as áreas para a cana-de-açúcar do que de coordenar esse processo.

Assim, as variações constatadas na produtividade, em geral, relacionam-se ao comportamento diferencial dos atores envolvidos no processo produtivo. Alguns fizeram estudos prévios para conhecer as melhores condições edafoclimáticas locais antes de definir onde iam se localizar. Outros privilegiaram incentivos fiscais e terras baratas, colocando o planejamento agrícola em segundo plano103.

Esse ponto assume peso por ser a cana-de-açúcar uma cultura de maior complexidade. As dificuldades iniciam-se antes do cultivo, no conhecimento detalhado sobre o ambiente natural, a definição das variedades e da melhor época para o plantio. Continuam durante o cultivo: a cana fica 12 meses no campo (cana ano) ou 18 meses (cana ano e meio), o que a deixa vulnerável ao meio, podendo sofrer com estresse hídrico, evapotranspiração, pragas e doenças. Prosseguem durante a colheita, com os riscos de compactação do solo e danificação da soqueira, decorrentes da mecanização. Permanecem após a colheita, com as decisões sobre

101 A escolha da safra de 2011/2012 e não uma mais recente deve-se ao fato de que, nessa safra, todas as usinas

responderam a origem da cana-de-açúcar ao Anuário da Cana.

102 Com base no cálculo total da moagem nas últimas três safras, 46,5% do utilizado pela SJC Bioenergia foi cana

própria e 53,5%, de fornecedor (PROCANA, 2012).

103 Isso não é uma novidade na expansão da agricultura nas áreas de cerrados. Estudo da Embrapa Cerrados

demonstrou que os incentivos fiscais estimularam a ocupação de terras “sem a realização prévia de levantamentos pedológicos em escalas compatíveis com a necessidade de uso e sem a consequente avaliação da aptidão agrícola dessas terras. Consequentemente, foram adotados sistemas de manejo de solo inadequados” (SPERA et al., 1999, p. 7).

a quantidade de palha a se deixar na lavoura. O desafio aumenta por não haver um receituário para a região. O “ideal” varia de lugar para lugar.

O desafio de produzir em Goiás era maior para aqueles que se posicionavam em ambientes desfavoráveis. Esses produtores precisavam recorrer às instituições de pesquisa para alavancar a produtividade – mesmo se pensarmos em metas medianas. Com isso, as questões naturais tornam-se centrais na expansão da agroindústria canavieira para Goiás. Agora, não simplesmente como fator de atratividade das usinas, mas, sobretudo, como condicionante da busca pela pesquisa para formação de uma técnica específica.

4.4 Ambientes de produção e o cultivo da cana-de-açúcar como uma técnica específica

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