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Capítulo 3 Crescimento e efeitos da produção de soja em Goiás: uma nova lógica do

3.3 A soja como uma técnica geral e padronizada e o SPR de altos fluxos

3.3.1 Abertura comercial e novos componentes na organização da agricultura

Diferentemente do momento de prosperidade que, grosso modo, marcou o Brasil desde os anos de 1930, na década de 1980 fica perceptível o início de uma situação distinta, pautada em crise e instabilidade macroeconômica. Nesse período, fatores como redução nos

fluxos de investimento e aumento na dívida externa e hiperinflação (CARNEIRO, 2002) causaram forte retração nas taxas de crescimento. Uma saída, com vistas a contornar a situação, foi induzir, no início dos anos de 1990, um padrão de crescimento pautado em uma nova inserção no mercado internacional. Tem-se, assim, o aumento de políticas de liberalização econômica e o início da substituição do modelo de Estado, fundamentado no ideário desenvolvimentista, por um modelo engajado em teses de cunho neoliberal.

Na esfera macroeconômica, tais medidas promoveram a “eliminação ou redução da cobertura de barreiras não tarifárias, tais como reservas de mercado, quotas, proibições, etc; diminuição no nível médio das tarifas de importação; redução do grau de dispersão na estrutura tarifária e diminuição ou extinção de impostos sobre exportações” (CANUTO, 1994, p. 44). Na esfera produtiva, um efeito foi a maior presença do capital estrangeiro no controle das empresas.

As medidas de abertura desestruturaram a balança comercial e criaram crescentes déficits para o país. Setorialmente, a indústria de transformação foi a maior prejudicada (CANO, 2012, p. 3). A agricultura, no entanto, seguiria rumos distintos.

No início da crise econômica, em 1982, a agricultura foi uma das poucas áreas privilegiadas. Na época, o governo militar viu na exportação de produtos básicos e processados uma estratégia para melhorar os saldos comerciais e gerar divisas (DELGADO, 2012, p. 80). O mesmo, porém, não ocorreria no início da abertura. Esse processo, de um lado, desmontou as bases de financiamento ao produtor rural; de outro, a queda no preço internacional das

commodities entre 1994 e 1999 dificultava repetir a política de gerar saldos comerciais com a

exportação de produtos primários (DELGADO, 2012, p. 87), o que diminuía o efeito da demanda externa.

Assim, de imediato, as mudanças políticas trouxeram problemas aos agricultores. Esse fato seria mais grave nos produtos considerados “importáveis”, como o algodão, o trigo e o arroz, que ficaram em situação de desvantagem (CANO, 2008, p. 124). Para os produtos “exportáveis”, como a soja, o café e carnes,

os efeitos negativos do câmbio valorizado, dos altos juros e do curto crédito interno foram em parte compensados pela eliminação de impostos, forte diminuição dos preços dos insumos importados, pelo acesso internacional de crédito mais barato e pelo afrouxamento das restrições anteriores à liberalização das exportações agrícolas (CANO, 2008, p. 124).

No que concerne à atividade agroindustrial, em comparação com os demais ramos da indústria, Erber (2001, p. 185), com base em dados de 1989 a 1997, indica um “substancial aumento da participação dos setores intensivos em recursos naturais tornando este grupo

dominante na estrutura de produção brasileira”. Estas atividades, segundo o autor, beneficiavam-se por ter maiores chances de competir no cenário da abertura comercial. Contudo, Erber (2001, p. 185) faz uma ressalva: esse grupo, embora demande projetos de P&D, recebeu pouca inovação na década de 1990, diferentemente do observado nos anos anteriores. A redução das iniciativas de inovação pode, em partes, ser explicada pelo momento de mudanças na agricultura. Mas é também um fator que aponta a retração do orçamento para a pesquisa e o momento de reestruturação das instituições. O modelo centralizado, que predominou até a segunda metade dos anos de 1980, seria substituído por um sistema com maior descentralização e autonomia financeira local (SALLES-FILHO; ALBUQUERQUE; MELO, 1997, p. 191). A própria Embrapa passa por “uma permanente busca por instrumentos de gestão mais eficientes e que proporcionassem maior interação da Instituição com o meio – particularmente com as cadeias produtivas da agropecuária” (SALLES-FILHO; PAULINO; CARVALHO, 2001, p. 26).

Passados os momentos iniciais da abertura, as atividades agrícolas e agroindustriais começariam a se sobressair no conjunto da economia nacional. Nesse momento, a agricultura moderna, “volta às prioridades da agenda política macroeconômica externa e da política agrícola interna” (DELGADO, 2012, p. 93). Foram tomadas medidas que colaborariam com a retomada do dinamismo do setor. Entre elas, destacaram-se: as mudanças no câmbio, com a desvalorização do real, o que tornou os produtos agrícolas competitivos no mercado internacional; o direcionamento do sistema de pesquisa público para operar junto às empresas multinacionais; e a retomada do crédito rural nos planos de safras (DELGADO, 2012, p. 94), invertendo as contrações que o financiamento agrícola sofria desde 1987 (MEDEIROS, 2009, p. 115).

Esse esforço interno encontrou “um comércio mundial muito receptivo na década de 2000 para meia dúzia de commodities em rápida expansão nos ramos de feedgrains (soja e milho), açúcar-álcool, carnes (bovina e de aves) e celulose de madeira” (DELGADO, 2012, p. 94). A mudança deve-se, essencialmente, ao “efeito China” na elevação da demanda externa e de seus preços (CANO, 2008, p. 125). Esse país passou a se constituir como um grande comprador de produtos agrícolas, sendo a soja sua maior demanda. A título de exemplo, segundo dados do United States Department of Agriculture (USDA), em 2011/12, do volume mundial das importações de soja, a China foi responsável por 63,9%, o que equivale, aproximadamente, a 58 milhões de t importadas apenas nessa safra (FREITAS JR. et al., 2012). Nessas condições, tem-se um crescimento e uma reorganização na agricultura brasileira, que, segundo Castro (2007, p. 3), marca uma nova fase de catching-up da atividade.

Nessa etapa, algumas regiões inseridas no cerrado estão entre as que mais se destacam. Com suas reservas de terras disponíveis e os avanços da pesquisa agrícola, grandes grupos nacionais e internacionais passaram a ser atraídos para esses locais (BENETTI, 2004, p. 199). Ao mesmo tempo, as classes que ganhavam poder político internamente atuaram no sentido de adequar a região aos interesses dessa nova racionalidade. São estes os eventos que propiciam a formação de um novo SPR. Antes de entrar nessa questão, cabe elucidar a dinâmica da agricultura regional e do crescimento da soja na região nos anos de 1990 e 2000.

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