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Capítulo 2 Primeiros momentos da trajetória de Goiás: início como um SPR de altos

2.4 A agricultura brasileira entre 1930 e 1970 e a manutenção de Goiás no SPR restritivo

2.4.3 Novos rumos da pesquisa nos cerrados: os efeitos de Brasília

Mesmo sem a transição de Goiás para um novo SPR, dois elementos que marcaram a região de cerrados nas décadas de 1950 e 1960 merecem maior atenção: o começo de pesquisas sobre as especificidades do cerrado e a criação de um sistema universitário local.

O primeiro fator foi um dos efeitos indiretos de Brasília. O deslocamento da capital federal para uma área com baixa densidade demográfica e solos de baixa fertilidade abriu um campo próspero para análises que visassem compreender a possibilidade de exploração agrícola das regiões de cerrado46 (SILVA, 2012, p. 147). Estudos importantes foram realizados pelo

46 A tese de Feur (1956) – citada por Ab’Saber (2003) – intitulada “An exploratory investigation of soils and the

Projeto Cerrado, criado em 1957, por intermédio do IBEC Research Institute47 (IRI), instalado

em Matão (SP), em parceria com a Seção de Solos do Instituto Agronômico.

A princípio, o interesse do IRI no Brasil esteve atrelado ao declínio da produção de café em São Paulo no início dos anos de 1950 (SILVA, 2012, p. 148). O grupo apresentou suas ponderações a respeito das condições do solo e dos problemas que surgiam a partir de uma cafeicultura feita sem os devidos cuidados. A relação com os problemas de fertilidade dos solos do cerrado surgia como algo secundário nesses projetos (SILVA, 2012, p. 150), mas aos poucos ganhou maior projeção, atraindo pesquisadores, como seria o caso especial do norte-americano Andrew Colin McClung48.

Assim começaram, entre 1956 e 1960, algumas descobertas importantes sobre os solos de cerrado. Constatou-se, por exemplo, que “a acidez, os níveis tóxicos de alumínio e a pouca disponibilidade de diversos micronutrientes no solo limitavam o crescimento das plantas” (SILVA, 2012, p. 152), o que direcionou trabalhos para correção do solo mediante “a) a eliminação da toxidez do alumínio nos solos com a utilização de calcário dolomítico; b) o fornecimento de cálcio e magnésio, e c) a modificação da disponibilidade de outros nutrientes” (SILVA, 2012, p. 152). Ademais, o resultado dessas análises trouxe perspectivas “animadoras quando se pensa na possibilidade de usar os campos cerrados estudados numa agricultura racional” (MCCLUNG et al., 1958, p. 43), motivando novos trabalhos nessa direção.

Uma das primeiras contribuições efetivas, entretanto, seria para a pecuária em meados de 1960. Esses trabalhos introduziram na região de cerrado a Brachiaria humidicula, que revolucionaria as pastagens para a época (IAC, 2011, p. 12).

O segundo ponto relaciona-se com o início da formação de um sistema universitário e centros de pesquisas que conduziriam estudos na própria região, como é o caso da Universidade Federal de Goiás (UFG), fundada em 1960, que atuou na geração de capital

47 O IRI constitui-se em uma agência norte-americana idealizada por Nelson Rockefeller com o fim da Segunda

Guerra Mundial que buscava a “produção de conhecimento científico visando a exploração da agricultura em larga escala” (SILVA, 2011, p. 1).

48 Seria incorreto marcar esse momento como o início das pesquisas sobre o cerrado brasileiro. Como aponta Silva

(2012, p. 151), “em fins do século XIX, o botânico dinamarquês, Eugen Warming (1841-1924), realizou um trabalho sobre a vegetação dos cerrados brasileiros, observando suas configurações no município mineiro de Lagoa Santa entre 1863 e 1866. No século XX, as pesquisas realizadas pelo botânico alemão, Felix Rawitscher, e o botânico brasileiro, Mário Guimarães Ferri, professores da Universidade de São Paulo (USP), ‘abriram a porta do cerrado para os Engenheiros Agrônomos’. Combinando o conhecimento de botânicos com experiências de controle de acidez do solo desenvolvidas no Brasil por pesquisadores como Eurípedes Malavolta – utilização do enxofre para controlar a acidez em 1951 –, Álvaro Barcellos Fagundes – a aplicação de fósforo e calcário para o mesmo objetivo, em sua experiência com amendoim e milho –, Paulo de Tarso Alvin e Wilson Alves de Araújo – também aplicando fósforo e calcário, mas para o cultivo de feijão, o caminho para o aproveitamento agrícola de solos do cerrado não encontra em McClung seu precursor, porém um direcionamento inicial na própria ciência brasileira”.

humano e nas experimentações locais, com a Escola de Agronomia e Veterinária, criada em 1966; da Universidade de Brasília (UNB), fundada em 1962; e também do Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Centro-Oeste (IPEACO)49, inaugurado em 1966, que, embora tivesse sua sede na cidade de Sete Lagoas, Minas Gerais (TEIXEIRA, 2011), liderava duas estações experimentais no Centro-Oeste, e uma em Goiás, no município de Anápolis (RODRIGUES, 1987, p. 146).

A instalação da UNB apoiou a proposta de planos de pesquisa para a região, como o “Plano de implantação de um centro de experimentação e pesquisa tecnológicas do cerrado para a Universidade de Brasília”, escrito por Labouriou e Vanzolini (1964). No plano, os autores defendem a necessidade de “acelerar significantemente a expansão da pesquisa aplicada e a adoção generalizada de métodos científicos eficientes de produção” para a região (LABOURIOU; VANZOLINI, 1964, p. 7). Também apontam a importância de compreender as particularidades do cerrado em diversas áreas para a exploração econômica da região. Na climatologia, havia a necessidade de se delimitarem as regiões homogêneas e correlacioná-las com a vegetação e o solo. Na pedologia, era importante explicar as feições peculiares dos solos e as possíveis correções para o uso agrícola. Na hidrologia, o intuito era compreender a estação seca e a influência na disponibilidade de água (LABOURIOU; VANZOLINI, 1964, p. 9-13).

No caso dos solos, para uma pesquisa mais eficiente, tornam-se “necessários ensaios locais antes de qualquer medida corretiva” (LABOURIOU; VANZOLINI, 1964, p. 17). Como afirmam os autores, “do mesmo modo, há necessidade de adequar as práticas agrícolas, especialmente forma de adubação, às condições de cada lugar. O problema da disponibilidade de água também deve ser encarado para cada cultura e para cada região” (LABOURIOU; VANZOLINI, 1964, p. 17).

Fugiria de nosso escopo fazer um estudo mais detalhado sobre o desenrolar desse plano; no entanto, fica clara a importância de estar presente na região para conduzir a criação de um conhecimento científico a ser incorporado às técnicas agrícolas.

A agricultura em Goiás começa a ter, nas décadas de 1950 e 1960, pesquisas iniciais para viabilizar sua expansão. Mas é apenas a partir de 1970 que o sistema agrícola amplia sua força econômica, aproveitando-se do já constatado potencial de desenvolver a agricultura em regiões de cerrado. Ao colocar em prática medidas de aprimorar o uso da ciência na produção, mudam-se a técnica e o cultivo principal. Muda-se também a trajetória de desenvolvimento, com a entrada em um novo modelo de organização definido pelo SPR de altos fluxos.

49 Acrescente-se que o instituto foi importante em pesquisas sobre o melhoramento genético do arroz em Goiás,

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