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Capítulo 4 Dinâmica da agroindústria canavieira em Goiás: expansão e motivos para

5.3 Os encadeamentos locais com as atividades produtivas

5.3.2 Interações com o nível 4 do SAG da cana-de-açúcar

Como demonstramos, a influência mais perceptível da cana-de-açúcar em Goiás foi a internalização das unidades de processamento. Primeiramente, esse fato decorre da incapacidade da cana de ser armazenada, o que cria uma “necessária proximidade entre as áreas de cultivo e a unidade processadora (usina/destilaria)” (CASTILLO, 2013, p. 77). Essa relação pauta-se por uma distância que, de um ponto de vista geométrico, compreende um raio de cerca

de 40 km e, por uma questão de tempo, cerca de 36 horas na colheita manual ou poucas horas na colheita mecânica até as usinas de processamento (CASTILLO, 2013, p. 77).

Caso seja necessário buscar a cana em distâncias maiores e aumentar o tempo de transporte até as usinas, as economias de escala são reduzidas, o que compromete o rendimento e pode acarretar perda de competitividade (FIGUEIRA; BELIK; VICENTE, 2014, p. 4). A estratégia de usar zonas mais distantes, entretanto, varia segundo as mudanças no ambiente de produção. Por exemplo, numa situação em que se tem a presença de ambiente E próximo da usina, pode ser vantajoso explorar ambientes B mais distantes. Assim, o aumento do custo no deslocamento é compensado pela redução nos gastos com o cultivo.

Entretanto, mesmo nessas condições, a distância nunca vai ser elevada, pois, além da limitação técnica, o peso da matéria-prima interfere no custo de transporte. A cana-de-açúcar produz, em média, 75,0 t para cada hectare plantado. Essa agroindústria representa um modelo de localização que, na lógica weberiana123, tem na matéria-prima seu ponto de atração. Deslocar a cana para a usina é mais dispendioso do que transportar o produto final para o mercado consumidor. Assim, mesmo que tecnologias aprimorem o armazenamento da cana, a lógica de localização não tende a ser alterada.

Assim, a agroindústria canavieira conduz a um aumento conjunto entre produção agrícola e industrial. Esse dado pode ser identificado no Mapa 5.1, feito com base na subtração da quantidade total de cana-de-açúcar produzida na média de 2011, 2012, 2013 pelo total obtido na média de 2004, 2005 e 2006.

123 Para Weber “algumas indústrias localizam-se voltadas para as matérias primas enquanto outras se localizam

voltadas para o mercado consumidor. As primeiras têm as seguintes características: custos totais de transporte entre diferentes locais variam com maior intensidade do que os outros custos; as matérias-primas perdem peso físico durante o processo de produção, ou as tarifas de transporte das matérias-primas brutas excedem as tarifas de transporte do produto final (a menos que o diferencial de tarifas seja compensado pelo fator peso). Admite-se que as indústrias serão orientadas para o mercado quando o custo de se transportar o produto final for maior do que o de se transportar as matérias-primas; quando o produto for perecível, ou quando a demanda flutuar intensamente” (MIGLINO, 2003, p. 23).

Mapa 5.1. Estado de Goiás: variação da quantidade total de cana-de-açúcar produzida entre a média de 2011 a 2013 e de 2004 a 2006 e localização das usinas em 2014

Fonte: elaborado pelo autor a partir de Procana (2014) e IBGE-PAM (2015).

O mapa ilustra dois movimentos. Primeiro, e mais acentuado, o crescimento conjunto da cana-de-açúcar movido pelas usinas da segunda fase de expansão. Notamos uma faixa contínua que inclui os municípios de Quirinópolis, Bom Jesus de Goiás e Itumbiara. Essa é uma zona de influência da BP Biocombustíveis, da Unidade Panorama da Vale do Verdão, da Boa Vista e das duas unidades da SJC Bioenergia. Nesse mesmo sentido destaca-se o aumento em Jataí e Chapadão do Céu, induzido, respectivamente, pela Raízen e pela Cerradinho. O segundo movimento, menos acentuado, representa a elevação da quantidade produzida em usinas mais dinâmicas da primeira fase de expansão. Nesse caso enquadram-se Porteirão, cidade fronteiriça à Turvelândia, onde está a Vale do Verdão; e Vila Propício, região de expansão da Jalles Machado.

O efeito direto da presença do nível 4 do SAG é a agregação de valor à agricultura. Os municípios onde esse processo está em estágio mais avançado são apontados na Tabela 5.1124.

124 Os anuários do Procana apresentam a capacidade diária de moagem das usinas. Para se chegar aos valores

Tabela 5.1. Estado de Goiás: moagem total e capacidade de moagem nas usinas, safras de 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014 Município Moagem total Média de 2011/2012 a 2013/2014 Capacidade de Moagem por safra

em 2013/2014 Porcentagem utilizada Quirinópolis 7.234.974 8.820.000 82,0 Goianésia 3.798.533 6.468.000 58,7 Goiatuba 3.305.914 5.670.000 58,3 Jataí* 3.200.000 4.410.000 72,6 Turvelândia 3.125.871 4.200.000 74,4 Itumbiara** 3.027.451 5.670.000 53,4 Chapadão do Céu 2.746.688 4.284.000 64,1 Caçu 2.575.319 4.200.000 61,3 Edéia** 2.192.742 5.040.000 43,5 Anicuns 2.034.408 2.520.000 80,7 Mineiros 1.944.423 3.780.000 51,4

Santa Helena de Goiás*** 1.899.907 4.310.000 44,1

Rubiataba 1.864.805 1.890.000 98,7

Carmo do Rio Verde 1.459.543 1.470.000 99,3

Morrinhos 1.341.657 1.890.000 71,0

Santo Antônio da Barra 1.159.100 1.680.000 69,0

Inhumas 1.117.436 1.155.000 96,7 Vicentenópolis 1.034.808 1.701.000 60,8 Jandaia 950.346 1.680.000 56,6 Serranópolis 864.823 1.260.000 68,6 Paraúna 766.046 1.890.000 40,5 Perolândia 741.145 3.780.000 19,6 Rio Verde 633.245 903.000 70,1 Itapuranga 511.525 756.000 67,7 Itapaci**** 488.407 2.500.000 19,5 Porteirão***** 465.342 1.470.000 31,7 Cachoeira Dourada 327.787 2.520.000 13,0 Montividiu 236.385 735.000 32,2 Total 51.048.628 86.652.000 58,9

Fonte: organizado pelo autor a partir de Procana (2012, 2013; 2014).

* Dado de processamento obtido em Agência Estado (2012) e de capacidade de moagem diária obtido em Promon (2015) referente ao projeto concluído em 2011.

** Dado sobre a capacidade de moagem da BP Biocombustíveis obtido em BP Biocombustíveis (2015). *** Dado sobre a capacidade da unidade Cambuí da Vale do Verdão foi obtido em Gazeta do Estado (2013).

**** Dado de capacidade de moagem obtido em Grupo Farias (2015). ***** Dado da capacidade de moagem refere-se à safra de 2012/2013.

À exceção de Quirinópolis e Goianésia, que juntas contam com cinco usinas e registram 21,6% da média das safras de 2011/2012 a 2013/2014 e 17,6% da capacidade de moagem do Estado em 2013/2014, a agroindústria canavieira encontra-se bem distribuída ao longo de Goiás. Certa correspondência entre os municípios de maior produção e aqueles de maior capacidade de moagem indica que, no curto prazo, poucas mudanças devem ocorrer entre os principais produtores. As modificações ficam por conta do provável crescimento de Edéia,

onde está a maior planta da BP Biocombustíveis; Mineiros e Perolândia, onde estão as unidades da Odebrecht; e Cachoeira Dourada, onde se localiza a nova planta da SJC Bioenergia.

A capacidade de moagem construída nas usinas de Goiás coloca a possibilidade de um crescimento na ordem de 70% com a utilização do potencial ocioso. Apenas em três municípios a capacidade está próxima da média das safras de 2011/2012 a 2013/2014: Carmo do Rio Verde, Rubiataba e Inhumas. Esse caso representa usinas menores e mais tradicionais. Em duas situações o percentual utilizado passou a casa dos 80,0%: Anicuns e Quirinópolis. A primeira indica o desempenho da tradicional usina do grupo Vale Verde; a segunda reflete o rápido crescimento das usinas Boa Vista e São Francisco. Entretanto, em oito casos a moagem ainda não atingiu a metade do potencial da usina: Santa Helena de Goiás, Edéia, Paraúna, Montividiu, Porteirão, Perolândia, Itapaci e Cachoeira Dourada. Esse grupo incorpora usinas instaladas recentemente em Goiás. Nesse caso, importante atentar para Edéia, Santa Helena e Cachoeira Dourada, localizadas em áreas do sul de Goiás onde a competição por cana-de-açúcar já é elevada. Essas situações precisam de maior atenção, pois podem reproduzir em Goiás a situação de concentração técnica da cana-de-açúcar nos moldes que relatamos ter ocorrido em São Paulo.

Na estrutura econômica da região, uma modificação marcante promovida pela cana- de-açúcar está na reestruturação do setor agroindustrial. A agroindústria canavieira125 foi a atividade de maior destaque na indústria goiana nos últimos anos. Entre 2007 e 2012, esse setor aumenta a participação no VTI do Estado de 5,2% para 13,1%. Em comparação com o quadro nacional, a agroindústria canavieira goiana passou de 3,9% para 8,2% do VTI no mesmo período (IBGE-PIA, 2015). Esse crescimento promove uma reorganização interna da agroindústria na região, até então baseada essencialmente no processamento de carnes e de soja126. Essa mudança é ilustrada no Gráfico 5.3.

125 Para análise da agroindústria canavieira nos dados da PIA, estamos considerando o somatório das atividades

“Fabricação e refino de açúcar” e “Fabricação de biocombustíveis” a três dígitos.

126 O processamento de carnes refere-se ao setor “Abate e fabricação de produtos de carne” da classificação a três

Gráfico 5.3. Estado de Goiás: participação dos setores de processamento de cana-de-açúcar, soja e carnes no VTI total do Estado, 2007 a 2012

Fonte: elaboração própria a partir de IBGE-PIA (2015).

O gráfico indica um crescimento contínuo do processamento de cana-de-açúcar entre 2007 e 2010. Nesse último ano, a atividade torna-se a maior geradora de valor no setor agroindustrial da região. Entretanto, nos anos seguintes, esse aumento estagna, reduzindo de 14,7% em 2010 para 14,0% em 2011 e para 13,1% em 2012. O momento coincide com a queda de produtividade (Gráfico 4.5) da cana-de-açúcar e a reorganização interna do setor, adequando-se às condições naturais da região. Entre os setores apresentados no gráfico, o de menor dinamismo é o de processamento de carnes. Entre 2007 e 2011, essa atividade fica em uma faixa de 11,4% a 12,9% do VTI do Estado, reduzindo-se para seu menor valor (10,6%) em 2012. O processamento de soja apresenta uma participação relativa em torno de 10,0% a 12%, à exceção de dois picos – em 2008, quando atinge 14,8%, e em 2012, com 16,4%. Os dados demonstram que, mesmo se tratando de uma atividade de crescimento mais recente, a agroindústria canavieira, em pouco tempo, atingiu os mesmos patamares de setores que estão há mais tempo se desenvolvendo na região.

O crescimento do número de unidades industriais em Goiás não somente induz o primeiro parâmetro de influência do eixo horizontal (aumento dos encadeamentos produtivos), mas, sobretudo, cria as bases para o segundo, ao aumentar o número de atores e estratégias empresariais inseridos na região. Esse processo, pelas razões que demonstramos anteriormente, induz maiores laços com as atividades de pesquisa atreladas à cana-de-açúcar, estimulando as

0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 16,0 18,0 2007 2008 2009 2010 2011 2012 % n o VT I T o tal

Processamento de Carnes Processamento de Soja

parcerias que culminam na primeira dimensão endógena que analisamos: a internalização, por parte das usinas, de conhecimento atrelado à construção de técnicas específicas.

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