• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 4 Dinâmica da agroindústria canavieira em Goiás: expansão e motivos para

5.5 A relação local com a mão de obra

5.5.1 Aumento dos vínculos empregatícios nas regiões canavieiras

Uma das influências diretas dos encadeamentos produtivos está no aumento dos vínculos empregatícios, fenômeno de fácil identificação. Somados os trabalhadores formais no cultivo de cana-de-açúcar e na fabricação de açúcar e de etanol, o número total em Goiás saltou de 47,4 mil em 2006 para 74,8 mil em 2013. Esse total crescimento é ilustrado no Gráfico 5.4.

Gráfico 5.4. Estado de Goiás: evolução do emprego no cultivo da cana-de-açúcar e na fabricação de etanol e açúcar, 2006 a 2013

Fonte: organizado pelo autor a partir de Brasil (2015).

O gráfico indica que houve variações importantes entre 2006 e 2013. Tem-se um rápido crescimento de 2006 a 2008, quando se atinge um pico tanto na fase industrial quanto agrícola. Após os efeitos da crise internacional, esse valor sofre uma queda em 2009 e 2010, recuperando-se a partir de então, sobretudo, na fabricação de açúcar a etanol. Se nos atermos apenas à comparação do ano de 2006 com o de 2013, ambas as áreas aumentaram: o emprego na fabricação de açúcar e etanol, cresce 76,8%, e no cultivo de cana-de-açúcar, 22,6%.

Embora menos expressivo, o aumento da geração de emprego no cultivo da cana- de-açúcar merece maior reflexão. O dado de Goiás representa um movimento inverso ao que ocorreu no Brasil, em tempos de mecanização da colheita e do plantio e consequente queda do corte manual, sobretudo em regiões como São Paulo, onde, entre 2006 e 2013, o cultivo de cana-de-açúcar registrou redução de 247,2 mil para 146,7 mil empregados. Goiás não registrou queda, porque a segunda fase de expansão iniciou-se com um maior grau de mecanização e a necessidade do trabalho de acompanhamento, sobretudo de agrônomos, nas lavouras aumentou significativamente.

Seguindo a dinâmica de localização das usinas, o emprego na agroindústria canavieira145 se espalha de forma mais expressiva pela região. O Mapa 5.4146, feito com base

145 Todas as considerações sobre o emprego na “agroindústria canavieira” realizadas neste item têm como base o

somatório de quatro classes da CNAE 2.0: cultivo de cana-de-açúcar, fabricação de açúcar em bruto, fabricação de açúcar refinado e fabricação de álcool.

146 O procedimento metodológico para realização desse mapa foi o mesmo do Mapa 3.2, o que permite uma

na média do emprego no cultivo da cana-de-açúcar e na produção de açúcar e etanol nos anos de 2011, 2012 e 2013, ilustra a situação atual da região.

Mapa 5.4. Estado de Goiás: emprego na cana-de-açúcar e nas usinas, 2013

Fonte: elaboração própria a partir de Brasil (2015b).

Os pontos de destaque no mapa são Goianésia e Quirinópolis, onde existe maior concentração de usinas com grande capacidade de moagem. Juntos, os dois municípios representam 24,9% do emprego nas usinas de Goiás. Na sequência, os municípios com maior destaque (empregos acima de 2 mil na usina) são: Anicuns, Itapaci, Caçu, Inhumas, Jataí, Santa Helena de Goiás, Itumbiara e Chapadão do Céu. Demonstra-se, assim, a maior geração de empregos de forma mais espraiada pela região, com importante participação de municípios pequenos do interior.

O crescimento da agroindústria canavieira, em Goiás, ocorre em um momento em que a conjuntura do setor exigia empregados com maior qualificação. A mecanização trouxe uma mudança no perfil dos trabalhadores. Criaram-se “oportunidades para tratoristas, motoristas, mecânicos, condutores de colheitadeiras, técnicos em eletrônica, dentre outros, e reduz, em maior proporção, a demanda dos empregados de baixa escolaridade” (MORAES, 2007, p. 610). Paralelamente, necessitava-se de profissionais com um grau de especialização técnica na área de caldeiras, soldagem e manutenção.

O trabalho de acompanhamento da cana-de-açúcar aumentou a procura por pessoas para a gerência, coordenação e planejamento da fase agrícola. Os responsáveis por esse serviço precisavam estar aptos a absorver o conhecimento nas interações com os centros de pesquisa, buscar as novas tecnologias disponíveis para o setor e adaptá-las às condições locais.

Um fenômeno que ilustra o crescimento da mão de obra qualificada está no aumento do número de trabalhadores com salários maiores. Para essa análise, fazemos um primeiro agrupamento dos dados de emprego obtidos na Rais em quatro faixas de salários mínimos (SM): de 0,5 a 2,0 SM; de 2,0 a 5,0 SM; de 5,0 a 10,0 SM e mais de 10 SM147. Importante lembrar que o SM teve um ganho real – acima da inflação – no período analisado.

A agroindústria canavieira, em Goiás, no ano de 2006, contou com cerca de 24,3 mil trabalhadores na faixa salarial de 0,5 a 2,0 SM, que representaram 51,5% do total; na faixa de 2,0 a 5,0 SM havia um total de 20,2 mil trabalhadores, o equivalente a 42,7% da região; na faixa entre 5,0 e 10,0 SM estavam 1,0 mil empregados, apenas 2,2% da região; na faixa com mais de 10 SM havia 1,6 mil empregados, totalizando 3,6%. Em 2013, a situação foi a seguinte: a faixa entre 0,5 a 2,0 SM tem um aumento para 26,6 mil trabalhadores, mas reduz-se para 35,5% da região; a faixa entre 2,0 e 5,0 foi a que mais aumentou, passando para 41,8 mil empregados e 55,8% do emprego total; a classe entre 5,0 e 10,0 SM aumenta para 4,2 mil empregados, o equivalente a 5,6% da região; a faixa com mais de 10 SM sobe para 2,3 mil, mas tem uma pequena redução percentual, chegando a 3,0% do emprego total (BRASIL, 2015b).

No panorama nacional, a situação do emprego em Goiás está dentro do padrão de São Paulo, Minas Geais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A intensidade dessa proporção, entretanto, varia nos municípios, refletindo distintos graus de comprometimento das usinas em relação à forma como direcionam recursos para atração de mão de obra. Essa questão está apresentada na Tabela 5.3148.

147 Uma parte pequena dos trabalhadores estão inseridos na classe cujos salários não foram classificados. Essa

classe foi excluída da análise. Assim, é natural que o percentual obtido pelo somatório das quatro faixas salariais fique próximo, mas não atinja 100%.

148 A tabela, assim como as informações anteriores, remente à divisão por salários do valor obtido com o somatório

das classes cultivo de cana-de-açúcar, fabricação de açúcar em bruto, fabricação de açúcar refinado e fabricação de álcool. Em relação aos municípios incluímos na análise apenas aqueles que, em 2013, apresentaram um valor superior a 1.000 empregados.

Tabela 5.3. Estado de Goiás: divisão do emprego na agroindústria canavieira por faixas de salários nos principais municípios produtores, 2006 e 2013, em porcentagem

Municípios 2006 2013 0,5 a 2,0 2,0 a 5,0 5,0 a 10,0 Mais de 10 0,5 a 2,0 2,0 a 5,0 5,0 a 10,0 Mais de 10 Anicuns 59,5 35,5 2,3 0,7 44,1 48,4 3,4 1,7 Caçu 0,0 0,0 0,0 0,0 25,4 59,0 12,0 3,3 Chapadão do Céu 0,0 100,0 0,0 0,0 8,6 80,6 7,6 2,3 Edéia 55,9 38,8 2,0 1,3 12,9 76,3 7,0 3,3 Goianésia 51,9 42,3 1,7 0,9 35,7 58,2 3,0 1,6 Goiatuba 44,1 49,8 4,2 1,3 38,9 52,0 6,1 1,5 Inhumas 57,3 38,4 1,9 0,8 56,8 39,1 1,5 0,6 Itapaci 59,9 34,4 1,3 0,8 53,4 42,7 2,0 0,5 Itumbiara 100,0 0,0 0,0 0,0 32,0 56,5 7,3 3,6 Jandaia 55,0 41,8 1,7 0,3 41,3 49,6 5,0 1,8 Jataí 0,0 0,0 0,0 0,0 30,5 56,8 9,7 2,1 Maurilândia 53,8 39,1 1,4 0,3 38,9 53,8 5,9 0,3 Mineiros 29,0 71,0 0,0 0,0 25,3 57,8 11,9 4,1 Morrinhos 0,0 0,0 0,0 0,0 25,4 69,5 3,3 1,0 Perolândia 0,0 0,0 0,0 0,0 23,4 60,1 12,9 3,2 Porteirão 68,1 26,2 3,2 0,6 29,9 61,9 6,9 0,6 Quirinópolis 52,5 37,8 2,9 1,2 22,0 65,3 8,6 2,8 Rubiataba 51,3 46,2 1,2 0,2 43,9 51,6 1,5 0,4

Santa Helena de Goiás 33,7 58,7 2,6 1,0 53,5 41,5 3,0 0,5

Santo Antônio da Barra 45,0 37,5 17,5 0,0 43,4 52,6 3,0 0,9

Serranópolis 33,9 55,3 6,2 3,4 49,8 44,2 4,3 1,1

Turvelândia 45,1 49,8 2,5 0,9 30,5 62,5 5,3 0,9

Vicentinópolis 81,5 13,5 1,3 0,7 28,3 66,8 3,3 1,0

Fonte: organizado pelo autor a partir de Brasil (2015b).

A maior parte das usinas da primeira fase de expansão mantinha a faixa salarial concentrada até 5,0 SM. Entre os maiores produtores149, apenas Goiatuba, Turvelândia, Santa Helena de Goiás e Quirinópolis passaram de 3,0% dos empregados acima dessa faixa salarial. Em geral, esse número representa uma primeira tentativa das usinas de trazer trabalhadores mais qualificados de São Paulo, o que exigia maiores gastos com salários. O início de projetos de mecanização foi um impulso para essa busca, considerando-se que havia poucos operários com capacidade para manobrar as colhedoras em Goiás. Além da fase produtiva, cargos de gerência e administração muitas vezes eram realizados por mão de obra externa, vindos para a região como uma “migração descendente”.

149 Há que se ter um cuidado na leitura desses dados, pois, em 2006, alguns dos municípios ainda não apresentavam

usinas, mas havia alguns poucos trabalhadores atrelados ao cultivo da cana-de-açúcar. Assim, para esse ano, alguns dos dados percentuais ficaram distorcidos pelo pequeno número de empregos. Esse é o caso de Santo Antônio da Barra, Porteirão, Chapadão do Céu, Mineiros, Itumbiara e Vicentinópolis.

Adotar essa estratégia, entretanto, acarretava dispêndios para as usinas. Era comum o problema da adaptação aos modos de vida do interior de Goiás. As pequenas cidades da região não forneciam serviços locais atrativos para reter essas pessoas. Poucos criavam laços com o local, deixando-o assim que outras oportunidades surgiam. Isso aumentava a rotatividade do trabalho, prejudicando a continuidade de projetos. Ademais, em alguns casos, a qualificação do trabalhador estava atrelada ao conhecimento das condições de produção de São Paulo. Ou seja, era necessário prepará-lo para a nova realidade, algo nem sempre fácil de ser feito. Via-se que muitas vezes era mais simples criar, desde o início, um trabalhador qualificado para as condições de Goiás do que adaptar empregados de fora.

Com a segunda fase de expansão, a busca por mão de obra qualificada aumenta. Torna-se residual o número de usinas cujo quadro de empregados na faixa acima de 5,0 SM não superou ao menos 3,0% do total. Em 2013, apenas três municípios (Itapaci, Inhumas e Rubiataba) estavam nessa situação. Por outro lado, em sete ocasiões os trabalhadores acima da faixa de 5,0 SM superavam 10,0% do total: Perolândia, Mineiros e Caçu, onde estão as plantas da Odebrecht; Jataí e Quirinópolis, onde estão tradicionais grupos paulistas; e Itumbiara e Edéia, onde estão as plantas da BP Biocombustíveis. O fenômeno ilustra a entrada, em Goiás, de novos atores, com maior potencial financeiro, dispostos a oferecer maiores salários para a contratação de empregados.

De início, as novas usinas atuaram em duas frentes para obter mão de obra qualificada: trazer trabalhadores de São Paulo e contratar aqueles que se destacaram nas usinas da primeira fase de expansão. Essas medidas, no entanto, não eram sustentáveis para um crescimento nas dimensões que Goiás presenciou. Caso fosse feito apenas dessa forma, o peso do salário desses profissionais passaria a afetar o orçamento das usinas, reduzindo a rentabilidade dos investimentos na região. Era necessário tornar a mão de obra local apta aos serviços da agroindústria canavieira.

Para as usinas, isso era algo conveniente: o investimento permitia a formação de trabalhadores preparados para as condições de produção em Goiás; os vínculos desses empregados com a região eram maiores; o aumento da oferta local teria uma pressão para reduzir os salários; e a mão de obra com conhecimento sobre a região se ampliava, diminuindo a dependência. Pelo lado da população, o trabalho nas usinas, em muitos casos, gerava remuneração superior à das atividades econômicas previamente instaladas. Pelo lado do governo e das prefeituras, observou-se que esse era um passo central para a região. Decorre um esforço interno de qualificação da mão de obra. Proceder dessa forma não apenas daria suporte ao crescimento já obtido, mas seria essencial para possibilitar a evolução do setor.

Outline

Documentos relacionados