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Capítulo 4 Dinâmica da agroindústria canavieira em Goiás: expansão e motivos para

4.4 Ambientes de produção e o cultivo da cana-de-açúcar como uma técnica específica

4.4.1 O cultivo da cana-de-açúcar segundo a variação no ambiente de produção

O conceito de ambiente de produção origina-se em estudo encabeçado por Antonio Celso Joaquim, da Copersucar. A teoria parte da necessidade de um conhecimento prévio sobre o comportamento de uma variedade de cana-de-açúcar em diferentes tipos de solos (JOAQUIM et al., 1994, p. 1). Segundo Joaquim et al. (1994, p. 1), “os resultados obtidos permitirão a recomendação das variedades por tipo de solo e manejo a que foram submetidas, visando maximizar a utilização da variedade, ampliando as perspectivas de retorno econômico”.

Inicialmente, a ideia já inclui as variáveis planta, solo e clima. Como descreve Joaquim et al. (1994, p. 2), ambiente de produção refere-se à “junção de uma unidade de mapeamento de solo (por ex.: LR-1) e uma variedade de cana-de-açúcar num dado estágio de corte (por ex.: SP71-6163, 1° corte) sob um determinado regime climático (precipitação, distribuição de chuvas, evapotranspiração)”. Contudo, as análises enfatizaram o estudo do solo como fator determinante na definição dos ambientes de produção favoráveis ou desfavoráveis. O trabalho de Prado et al. (2008) demonstrou que um mesmo latossolo vermelho acriférrico em Goianésia e Ribeirão Preto, sob diferentes condições climáticas – “clima tropical de savana com verão chuvoso e inverno seco”, no primeiro caso, e “clima tropical com verão chuvoso e inverno seco”, no segundo (PRADO et al., 2008) – leva a ambientes distintos.

Ribeirão Preto, com a mesma variedade e técnica de manejo, obteve produtividade 16,8% superior à de Goianésia, constituindo um ambiente de produção mais favorável.

Assim, juntamente com a condição pedológica, é essencial considerar a variabilidade climática na classificação dos ambientes de produção. Como colocam Vasconcelos e Garcia (2005, p. 5), “de nada adianta um solo apresentar excelentes atributos físico-químicos e elevada capacidade de armazenamento de água se não chove na região”. A produtividade da cana-de-açúcar “é função da produção de biomassa que, por sua vez, varia de forma diretamente proporcional aos índices de precipitação pluviométrica” (EVANGELISTA, 2011, p. 19).

Constatada a importância conjunta entre clima e solo, Prado (2005, p. 12), formula uma definição mais ampla para o ambiente de produção104, em que inclui as

condições físicas, hídricas, morfológicas, químicas e mineralógicas dos solos sob manejo adequado da camada arável em relação ao preparo, calagem, adubação, adição de vinhaça, torta de filtro, palha no plantio direto, do controle de ervas daninhas e pragas, mas sempre associadas às propriedades da subsuperfície dos solos e, principalmente, ao clima regional (precipitação pluviométrica, temperatura, radiação solar, evaporação).

Com base nesses levantamentos, Prado (2005; 2011) define uma escala de dez ambientes distintos para a cana-de-açúcar105, quais sejam: A1, A2, B1 e B2 (favoráveis), C1 e C2 (intermediário) e D1, D2, E1 e E2 (desfavoráveis). Cada um deles apresenta uma condição de produtividade pré-definida pelas suas condições naturais. Por exemplo, se o produtor estiver em terras de cambissolo háplico eutrófico em uma região com alta disponibilidade de água, ele pode, com poucas adaptações locais, obter uma produtividade superior a 100 t/ha, levando-se em conta a média de cinco cortes. Caso o produtor disponha de latossolo vermelho acriférrico em uma área de baixa disponibilidade de água – como é comum em áreas de expansão da cana- de-açúcar em Goiás – ele está em um dos ambientes mais complicados para o cultivo da cana. Assim, caso ele não tenha atenção às particularidades locais, sua produtividade tende a ser menor que 68 t/ha106.

104 Importante considerar que existem outras formas de definição dos ambientes da cana-de-açúcar. Estamos

usando a definição usualmente trabalhada pelo IAC. O CTC, por exemplo, usa esse conceito como regiões edafoclimáticas.

105 Ver Quadro 1 dos anexos.

106 É importante ressaltar que os ambientes de produção não são estáticos, pelo contrário, variam constantemente

segundo interferências humanas ou naturais que afetem o clima e o solo. Para defini-los, não basta um único estudo, mas é necessário um acompanhamento constante.

O produtor de cana-de-açúcar que faz poucas adaptações na técnica remete àquele que faz uma combinação entre: um manejo básico, que inclui conservação e preparo do solo com aplicação de calcário e gesso (PRADO, 2011, p. 103); a adoção de variedades antigas da Ridesa e Copersucar, que foram pensadas para atender áreas mais amplas, como a RB 86-7515 e a SP 81-3250; e tem um conhecimento subjetivo das condições de solo e clima107. Essas medidas, em uma condição que supõe a ausência de pragas e plantas daninhas, mantêm um patamar de produtividade cujos determinantes são as condições naturais.

O ambiente, entretanto, pode ser reclassificado, se o produtor trabalhar na geração de uma técnica específica. Para atingir isso, de início, deve ser feito um mapeamento detalhado dos ambientes de produção. É necessário fazer análises dos solos em laboratórios e estudos das condições climáticas para conhecer, com uma base científica, exatamente onde estão os ambientes favoráveis, intermediários e desfavoráveis nas terras de cultivo da usina. Em segundo lugar, o produtor deve estar apto a realizar um manejo avançado, que inclui, além dos itens do manejo básico, a “adubação verde; adição de resíduos e irrigação plena ou semiplena” (PRADO, 2011, p. 103).

A prática da adubação verde é utilizada na renovação do canavial. Essa medida tem o papel de incorporar ao solo “massa vegetal não decomposta, com a finalidade de aumentar a fertilidade, e aumentar o tempo de permanência da água no solo podendo, em alguns casos, auxiliar no controle de algumas pragas e doenças” (PRADO, 2011, p. 106). É comum substituir a adubação verde por uma rotatividade com culturas como a soja, o que, além de fixar nitrogênio ao solo, diversifica a produção. Uma segunda prática necessária é a adição de resíduos, usualmente, a vinhaça ou a torta de filtro. Ambos se constituem em subprodutos da produção da açúcar e álcool. A primeira tem a função de aumentar os níveis de potássio do solo e, em menor proporção, de cálcio. A segunda ajuda a elevar a quantidade de fósforo (PRADO, 2011, p. 107). A próxima prática, que possibilita a reclassificação dos ambientes de produção, é a irrigação. Essa técnica “reduz ou anula a deficiência hídrica anual, aumentando a produtividade e a longevidade da planta. Além disso, promove a estabilidade da produção da empresa, facilitando o planejamento de safra e a comercialização do açúcar e álcool antecipadamente” (PRADO, 2011, p. 107).

Em terceiro lugar, o produtor precisa combinar esse procedimento com o manejo varietal. Existe um grande leque de variedades de cana-de-açúcar disponíveis no mercado, cada uma adaptada a um determinado tipo de ambiente de produção. O manejo varietal, como

107 Por conhecimento subjetivo entendemos um produtor que sabe, pela própria experiência, onde estão seus solos

definem Landell e Pinto (2013, p. 23), “é uma estratégia que procura explorar os ganhos gerados da interação genótipo versus ambiente, ou seja, tem como objetivo alocar diferentes cultivares comerciais no ambiente que proporcione a melhor expressão produtiva dessa no contexto considerado”. Ademais, essa técnica, ao ampliar o número de variedades envolvidas no cultivo, reduz a vulnerabilidade da lavoura em relação às perdas provocadas por eventuais doenças da cana e ajuda o produtor a definir as melhores épocas para a colheita, aproveitando, de forma completa, os ciclos de crescimento outono, inverno e primavera (LANDELL; PINTO, 2013).

Para isso, o produtor deve separar parte de suas terras para a realização de experimentações sobre as variedades que mais se adaptem às condições locais. Ao mesmo tempo, ele acaba por adotar variedades modernas desenvolvidas pelo IAC, pelo CTC e pela Ridesa, já em tempos que visam à colheita e ao plantio mecanizados.

Nessas condições, dependendo do esforço e investimentos realizados, a técnica específica tem o potencial de transformar um ambiente desfavorável em intermediário ou mesmo em favorável. Ela pode promover uma reclassificação de quatro níveis, saltando de ambiente E para A. Contudo, na prática, esse evento é raro. É comum que os produtores incorporem apenas parte do conjunto de atividades que englobam as técnicas específicas. Assim, as reclassificações, em geral, são de apenas um nível, como de D para C.

A adoção desse conjunto de técnicas requer um amplo nível de conhecimento local. A aplicação, sem esse conhecimento prévio, implica em reduções na rentabilidade dos investimentos. Por exemplo, é preciso conhecer a fertilidade do solo para saber a quantidade certa de vinhaça a ser aplicada. Uma proporção incorreta pode ocasionar o desequilíbrio dos nutrientes (PRADO, 2011, p. 107). O mesmo acontece com a irrigação. O uso inadequado pode causar erosão ou, dada a porosidade do solo, fazer com que a água escoe sem ser absorvida pela raiz. A elaboração do manejo varietal depende de “um conhecimento especializado sustentado por elementos tácitos somados às informações geradas em um nicho específico” para compreender o comportamento local das variedades (LANDELL; PINTO, 2013, p. 23).

Em Goiás, existem diversos tipos de ambientes de produção. Certamente, não temos possibilidade de demonstrar todas as diferenciações nos mesmos moldes aplicados pelas usinas, mas podemos fazer uma abordagem mais ampla que sobrepõe a localização do processamento de cana às condições de clima e solo da região.

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