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Capítulo 2 Primeiros momentos da trajetória de Goiás: início como um SPR de altos

2.2 Início da trajetória de desenvolvimento

A descoberta de ouro na região que hoje corresponde ao Estado de Goiás, no final do século XVII, marcou o início de uma exploração econômica, mas não o começo de sua ocupação. Além dos numerosos grupos indígenas que estavam na região ao longo do século XVI e início do XVII, houve algumas jornadas rumo ao Brasil Central. De São Paulo, partiram bandeirantes e empreendimentos expansionistas que avançaram sobre essas terras em busca de metais preciosos e índios para serem escravizados. De Belém – mesmo modestas em comparação com a região Sul e Norte – saíram incursões formadas por padres jesuítas com o intuito de colonizar partes que hoje constituem o Centro-Oeste (BOAVENTURA, 2007, p. 45).

No entanto, esse processo não criou nenhuma atividade econômica minimamente estruturada. À época, a economia colonial centrava-se na atividade exportadora-escravista, baseada na produção canavieira do Nordeste (FURTADO, 2007b). Apenas com a economia aurífera é que ocorreriam uma ocupação mais efetiva da parte central da colônia e a formação de uma estrutura produtiva que se encaixa nos moldes dos SPR.

As atenções voltaram-se para a mineração diante da crise na produção de açúcar em fins do século XVII. Tal fato trouxe de volta a “ideia primitiva de que as terras americanas só

se justificavam economicamente se chegassem a produzir” metais preciosos (FURTADO, 2007b, p. 117). Com isso, novas buscas foram estimuladas. O maior conhecimento do interior do território e técnicas fornecidas pela metrópole tornaram-se essenciais para que essa empreitada fosse bem-sucedida (FURTADO, 2007b, p. 118). Descobriram-se jazidas, inicialmente, no sertão paulista, em finais do século XVII, e depois em Minas Gerais, logo no começo do século XVIII. Em 1719, uma caçada por indígenas resultou na descoberta de ouro em Cuiabá. Não tardou para que os caminhos abertos entre São Paulo e Mato Grosso levassem ao encontro de depósitos em Goiás (PALACIN, 1994, p. 14-16).

Iniciou-se, assim, um novo ciclo econômico que acarretaria o “deslocamento do eixo econômico da colônia” do Nordeste para o Centro-Sul (PRADO JÚNIOR, 2008 p. 64). A região brasileira foi inserida em uma divisão internacional do trabalho como produtora. Portugal tornou-se um entreposto para a Inglaterra, onde o ouro favoreceu a acumulação de reservas e a maior flexibilização do sistema bancário, o que contribuiu para Londres se tornar o principal centro financeiro da Europa (FURTADO, 2007b, p. 67).

A posição no capitalismo internacional teve efeitos relevantes na economia colonial. Primeiramente, aumentou o fluxo migratório e, ao mesmo tempo, mudou o perfil dos emigrantes. Enquanto a economia canavieira atraía aqueles que “dispunham de meios para financiar uma empresa de dimensões relativamente grandes” ou “trabalhadores especializados que vinham diretamente para trabalhar nos engenhos”, na economia mineradora, dava-se oportunidade para pessoas com recursos limitados que almejavam alcançar uma rápida fortuna (FURTADO, 2007b, p. 118-119). Em segundo lugar, criou-se um mercado para os produtos alimentícios e elevaram-se seus preços (FURTADO, 2007b, p. 121). Em terceiro lugar, iniciou- se a construção de um sistema de transporte que articula e cria laços iniciais de interdependência entre diferentes partes do país (FURTADO, 2007b, p. 122-123).

Goiás insere-se, nesse contexto, como um produtor secundário de ouro. Se considerada toda a extração no século XVIII, Goiás “contribuiu com menos de um quarto do volume encontrado em Minas Gerais” (ESTEVAM, 1997, p. 15). Entretanto, parte dos efeitos dessa nova atividade produtiva teriam rebatimentos na economia goiana.

No tocante ao fluxo migratório, embora não fosse o principal destino daqueles que se moviam para a colônia, à medida que diminuíam os depósitos de ouro em Minas Gerais, aumentavam as buscas pelo metal em Goiás. Uma estimativa feita por Palacin (1994, p. 69) indica que, entre 1750 e 1783, cerca de 25 mil novos habitantes adentraram na província. Alguns núcleos de povoamento formaram-se nessa época. Merecem destaque o Julgado de Vila Boa, hoje Goiás (município), que, em 1808, possuía cerca de nove mil habitantes, e o Julgado

de Meia Ponte, hoje Pirenópolis, que, naquele mesmo ano, contava com aproximadamente sete mil moradores25 (FUNES, 1986, p. 26).

No caso do aumento na demanda por alimentos, ainda que houvesse uma produção na proximidade das jazidas destinada ao abastecimento local (MAMIGONIAN, 2004, p. 32), em Goiás, essa atividade é residual. Vários fatores dificultaram o progresso da agricultura. Havia uma influência das autoridades governamentais, “que, preocupadas com a produtividade das minas, procuravam impedir o desenvolvimento de outras atividades econômicas que viessem a ocupar a força de trabalho escrava necessária à mineração26” (FUNES, 1986, p. 29). Ademais, cabe destacar a limitação natural, com a baixa fertilidade da maior parte dos solos de cerrado e a sazonalidade climática – com chuvas concentradas entre outubro e março – o que impedia a implantação de um cultivo agrícola contínuo com as técnicas disponíveis na época.

Portanto, a pequena atividade alimentícia que coexistiu com as minas, quando muito, servia para garantir a subsistência dos trabalhadores (ESTEVAM, 1997, p. 17). A região que melhor aproveitou a demanda por alimentos foi o sul do país, com a produção de gado (FURTADO, 2007b, p. 121).

No que diz respeito ao sistema de transportes, três traçados terrestres foram essenciais. O Caminho de Goiás – também conhecido como Caminho Real – começava no Rio de Janeiro, cortava Minas Gerais na altura de Paracatu, adentrava Goiás por Meia Ponte até chegar a Cuiabá. O Caminho do Anhanguera saía de São Paulo rumo a Atibaia, cortava Minas Gerais pelo Triângulo Mineiro, entrando em Goiás pelo arraial de Santa Cruz até Meia Ponte. O Caminho da Bahia partia de Salvador rumo ao atual Estado do Tocantins até Natividade e, em seguida, se direciona ao Sul para a localidade de Arraias. Depois, o caminho se ramificava, de um lado, para Vila Boa e, de outro, para Meia Ponte. Esses trajetos, bem como a localização dos três principais arraiais de Goiás, estão ilustrados no Mapa 2.127.

25 Os dados populacionais demonstrados nesse item foram extraídos de fontes secundárias. É comum os autores

que usamos ressaltarem a importância de observar esses números com cautela e estar ciente de que existem divergências a respeito dos mesmos (ESTEVAM, 1997).

26 Seria incorreto afirmar que não houve nenhuma tentativa por parte dos governantes locais de estimular a

agricultura. José Almeida Vasconcellos, governador da Capitania de 1770 a 1778, percebeu que, diante do esgotamento do ouro e das situações de fome e miséria, somente o plantio poderia colocar fim às sucessivas crises. Mas os sucessores “inviabilizaram a sua política de valorização da agricultura, uma vez que estavam orientados ainda em reerguer a empresa mineradora” (MAGALHÃES, 2004, p. 1)

27 A configuração territorial de Goiás sofreu várias mudanças até atingir a atual. Logo, o Mapa 2.1 também tem a

Mapa 2.1. Capitania de Goyaz no início do século XIX: principais caminhos e vilas

Fonte: elaborado por Fernando Braconaro e Fernando Mesquita com base em Lima (2010, p. 38) e Teixeira Neto (2009a, p. 7).

A economia do ouro organizou-se por meio de dois circuitos, “um ligado aos mercados externos (ouro), de onde vinham os produtos de luxo para o consumo dos senhores (vinhos, pratarias, etc.) e outro voltado às necessidades da massa trabalhadora, sobretudo escravos (farinha de mandioca, aguardente, etc.)” (MAMIGONIAN, 2004, p. 43). O fim do ciclo econômico ocorre com o declínio da atividade principal. Embora os anos finais do século XVIII, quando se esgotam os depósitos superficiais (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 62), sejam vistos como a etapa final do ouro na colônia, em Goiás, essa queda já estava anunciada desde 1778 e 1779, quando baixas alarmantes afetaram a extração (ESTEVAM, 1997, p. 26).

O ouro, comando pelo capital mercantil, reproduz o que, para a época, por ser entendido como um SPR de altos fluxos, primeiramente, devido às técnicas primitivas utilizadas para a extração do metal. Em seguida, pela interferência da atividade em três categorias do eixo vertical: inseriu Goiás em um sistema comercial cujos mercados de destino eram os principais centros econômicos da época; iniciou a criação de rotas terrestres no Brasil Central; e ampliou o número de pessoas que migraram para Goiás. Enquanto isso, as influências no eixo horizontal

são mínimas. Não se criaram atividades complementares que sustentassem a economia local, como ocorreu, por exemplo, em algumas parcelas de Minas Gerais. Para não dizer que não houve nenhum efeito local, tem-se a criação de pequenos povoamentos28 e o início de levantamentos topográficos e cartográficos (BOAVENTURA, 2007, p. 65). Mas, como sintetiza Funes (1986, p. 79), Goiás chegou, ao final do século XVIII, com uma situação que as “manufaturas não prosperaram, a agricultura não gerava grandes excedentes e a exportação de gado não era o bastante para equilibrar a balança”.

Diante da conjuntura deixada pela economia mineradora, ficava claro que o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX seriam de acentuada decadência econômica (MAMIGONIAN, 2004, p. 31). Essa regressão refletiu-se, de imediato, na dinâmica populacional. “Entre 1780 e 1830, o Brasil mais que dobrou sua população, e as Minas Gerais passaram de 320 para 625 mil”; enquanto isso, Goiás “manteve-se por todo o período com cerca de 50 a 60 mil indivíduos” (LIMA, 2010, p. 34-35). Nessas condições, a trajetória de desenvolvimento retrocede para um SPR restritivo.

No entanto, se, por um lado, Goiás entrava em declínio e caminhava para uma produção destinada à subsistência, por outro, o século XIX marca o início de uma fase de transformações na agricultura brasileira da qual esse Estado se beneficiaria mais tarde. Essa mudança foi ocasionada pelo que ocorreu na economia paulista nesse período.

2.3 Transformações na agricultura brasileira e a retrocesso de Goiás ao SPR restritivo

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