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Capítulo 4 Dinâmica da agroindústria canavieira em Goiás: expansão e motivos para

4.2 Crescimento do etanol e a concentração do setor em São Paulo

4.2.1 Condições e dinâmica de crescimento do etanol no país

O Choque do Petróleo, de 1973, tornou economicamente vantajosa a adoção de estratégias que reduzissem a dependência desse hidrocarboneto. A elevação nos preços afetou diretamente a economia brasileira, que mantinha no petróleo sua “principal fonte para geração de calor e como sustentáculo para o transporte de cargas como de passageiros” (SICSU, 1985,

p. 30). Cabe lembrar que, no início de 1970, o país passava por momentos áureos de expansão do sistema de rodovias, que representavam cerca de 70% do meio de transporte de mercadorias. Ou seja, além de necessárias, as medidas para reduzir o uso do petróleo precisavam surtir efeitos no curto prazo (SICSU, 1985, p. 30-31).

Essa rápida resposta somente foi possível dada a experiência acumulada do país na produção de combustível a partir da cana-de-açúcar76. Medidas para aproveitar o etanol, produzido como um subproduto do açúcar77, para substituir parte da gasolina, datam do início do século XX (SZMRECSÁNYI, 1979, p. 170). Um marco para esse processo foi a criação, em 1933, do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) com o intuito “de promover o reerguimento da indústria açucareira e de dar solução ao problema do álcool-combustível” (SZMRECSÁNYI, 1979, p. 180).

Em 1941, havia no país 44 destilarias para produzir álcool anidro, usado como aditivo à gasolina, “com uma capacidade global de 638 mil litros/dia, e uma produção efetiva de cerca 76,6 milhões de litros”, que registra mais que o dobro do alcançado dois anos antes (SZMRECSÁNYI, 1979, p. 205). “Essa expansão se deveu fundamentalmente aos incentivos financeiros e administrativos do Instituto, e em parte também aos seus próprios investimentos no setor, através da implantação e operação das chamadas destilarias centrais de sua propriedade” (SZMRECSÁNYI; MOREIRA, 1991, p. 59).

Um novo evento de importância para o setor ocorreu em 1959, com a criação da Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), marcando o avanço da iniciativa privada na coordenação da agroindústria canavieira. Esse grupo é o resultado da união entre duas cooperativas paulistas, a Coopira e a Coopereste, e mais dez usinas independentes (BELIK, 1985, p. 111). A ideia era induzir pesquisas para o melhoramento da cana-de-açúcar, algo que ainda não estava na pauta do IAA (FURTADO; SCANDIFFIO; CORTEZ, 2011, p. 162).

O período coincide com uma nova etapa favorável para o setor açucareiro. No início dos anos de 1960, diante da situação de Guerra Fria, os Estados Unidos promovem um o bloqueio comercial a Cuba, até então um dos principais produtores de açúcar destinado ao mercado americano. A possibilidade de ganhar esse mercado conduziu uma forma de repensar o setor junto ao IAA para um novo ciclo de crescimento da demanda (SZMRECSÁNYI;

76 Muitos trabalhos explicam o crescimento do etanol no país. Pincelamos, neste item, apenas alguns momentos

de destaque ao setor. Uma abordagem mais completa pode ser vista em Thomaz Júnior (2002) e Szmrecsányi (1979).

77 Como se sabe, o etanol “pode ser obtido diretamente do caldo da cana, ou residualmente a partir do melaço

MOREIRA, 1991, p. 64-65). Esses projetos já incluíam perspectivas para o uso do etanol, cuja oferta acompanharia o aumento na produção de açúcar (SZMRECSÁNYI; MOREIRA, 1991, p. 67-68).

Com a chegada dos militares ao poder, o açúcar, assim como ocorreu com a soja, insere-se nas áreas prioritárias para alavancar as exportações. Nesse momento, o mercado externo voltava a ser o fator dinâmico da agroindústria canavieira. Nos anos de 1960, as exportações de açúcar cresceram em cerca de 106%. A primeira metade da década de 1970 seria igualmente favorável. Diante dessas condições, novos programas de suporte para a cana-de- açúcar – onde está o grande desafio do sistema produtivo – com a finalidade de avançar na modernização foram criados (SZMRECSÁNYI; MOREIRA, 1991, p. 66).

Como instrumento de melhoria e racionalização da produção (SZMRECSÁNYI, 1979, p. 295), ressaltamos o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (Planalsucar), implantado em 1972. O principal alvo “era o desenvolvimento em larga escala no país, e de acordo com as condições e necessidades brasileiras, de novas variedades de cana por meio da experimentação e da manipulação genéticas” (SZMRECSÁNYI; MOREIRA, 1991, p. 68). As primeiras estações experimentais localizavam-se em Araras, São Paulo; Campos, Rio de Janeiro; Rio Largo, Alagoas; e, por fim, Carpina, Pernambuco (SZMRECSÁNYI, 1979, p. 294). A proposta era “levar ao produtor de cana-de-açúcar, conhecimentos, produtos e serviços gerados pela pesquisa, que resultaram em considerável aumento da produtividade agroindustrial” (RIDESA, 2010, p. 21).

O estágio de desenvolvimento previamente alcançado pela agroindústria canavieira possibilitou a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) em 1975, pouco depois do Choque do Petróleo. Dessa vez, o intuito não era apenas usar o etanol como aditivo, mas promover o uso do etanol hidratado. Para isso, o governo passou a fornecer empréstimos, a taxas de juros negativas, para induzir a construção de novas usinas ou a expansão daquelas que apenas produziam açúcar, incluindo o segmento de destilaria. Em paralelo, a indústria automobilística recebeu incentivos para a produção de carros com motores movidos a etanol. Diante dessas medidas, a produção de álcool, na primeira fase do programa, aumenta em cinco vezes no curto intervalo das safras de 1976/1977 a 1980/1981. O Proálcool entrou em uma segunda fase, com os efeitos do Segundo Choque do Petróleo, ocorrido em 1979. Desde então,

até 1985, a produção nacional triplicou-se78 (FURTADO; SCANDIFFIO; CORTEZ, 2011, p. 158).

Mesmo com esses pontos favoráveis, a época de prosperidade do etanol seria curta. Internamente, a crise econômica, da segunda metade dos anos de 1980, reduziu a capacidade do Estado de continuar direcionando recursos para o setor. Externamente, o preço do petróleo voltou a cair, aumentando a vantagem do uso de gasolina. No lado da oferta, a construção de novas usinas foi interrompida e, no lado da demanda, no início de 1990, o mercado interno de automóveis passou a reduzir drasticamente (FURTADO; SCANDIFFIO; CORTEZ, 2011, p. 159). Dessa crise, resultou o fechamento do IAA e a regulação do setor – ou desregulação (FIGUEIRA; PEROSA; BELIK, 2013) – voltada para a lógica de mercado (SZMRECSÁNYI; MOREIRA, 1991, p. 74).

Na década de 1990, o dinamismo da agroindústria canavieira seria sustentado pelas exportações de açúcar (FURTADO; SCANDIFFIO; CORTEZ, 2011, p. 159). O etanol recuperou-se apenas no início da década de 2000, mais precisamente em 2003, devido à criação de veículos com motor flex-fuel. Esses motores permitem ao consumidor optar pelo uso da gasolina ou do etanol de acordo com as variações no preço.

Desse modo, tem-se um novo aumento no mercado doméstico para o etanol hidratado. “Em 2012, a frota estimada de flex-fuel superou a frota de veículos a gasolina no Brasil. Atualmente [2013], circulam mais de 17 milhões de veículos, ou cerca de 51% da frota nacional” (DORNELLES, 2013, P. 45). Em 2014, entre os veículos licenciados, 88,2% têm motor flex-fuel, valor médio nos últimos anos (ANFAVEA, 2015). Além de um mercado potencial, o etanol ganha um mercado estável com o etanol anidro. “Toda a gasolina brasileira é vendida ao consumidor com 20% de etanol, percentual que pode ser de até 25% e nunca inferior a 18%” (DORNELLES, 2013, p. 45). Em março de 2015, a porcentagem de etanol na gasolina aumentou para 27,0% (PERES; BITENCOURT, 2015).

O etanol seria incorporado nas metas do governo com o avanço de políticas voltadas à agroenergia. Lançado em 2005, o Plano Nacional de Agroenergia, vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), reforçou pontos como o melhoramento

78 Não exaurimos este ponto, mas cabe ressaltar que, desde então, a produção de etanol também foi estimulada por

questões ambientais. Dois pontos demonstram esse estímulo. O primeiro, ainda na década de 1970, deve-se à maior “preocupação com a qualidade do ar nas grandes cidades e com os efeitos negativos das emissões veiculares”, o que cria um mercado para a mistura de etanol à gasolina como estratégia de minimizar a emissão do monóxido de carbono (LEITE; LEAL, 2007, p. 16). O segundo, que começa com maior destaque nos anos de 1980, ocorre com as descobertas científicas que mostram evidências sobre as mudanças climáticas, sobretudo, com o aumento da temperatura da Terra e o risco de aquecimento global. No caso, “a queima de combustíveis fósseis” é vista como “a principal causa desse fenômeno” (LEITE; LEAL, 2007, p. 16).

genético, as questões socioeconômicas e os estudos de aumento da competitividade com a melhoria do sistema logístico (BRASIL, 2006, p. 10). No âmbito do Estado de São Paulo, em 2008, foi implementado o Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), com o intuito de aprimorar a pesquisa e o conhecimento e sua aplicação na área de etanol e cana-de-açúcar (FAPESP, 2015). Em 2014, foi lançado o Plano de Apoio Conjunto à Inovação Tecnológica Agrícola no Setor Sucroenergético (PAISS), por meio de uma parceria entre o BNDES e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Esse programa, com foco em novas variedades, sistemas de manejo e culturas energéticas complementares, alinha-se a outros já existentes relacionados ao BNDES, direcionando ao setor recursos de R$ 6,9 bilhões, em 2013, e R$ 6,04 bilhões, em 2014 (GOMES, 2015).

Entretanto, a relação com o Estado nem sempre é harmoniosa. A política de regulação do preço da gasolina como meta de controle inflacionário, lançado a partir de meados da década de 2000, criou um sistema em que enquanto, no nível internacional, o índice de preço do petróleo e da gasolina sofre oscilações, no Brasil, mantém-se constante (COSTA; BURNQUIST, 2013, p. 4). Essa política é um agravante à situação do etanol hidratado por diminuir sua capacidade de competir com a gasolina e aproveitar-se, de forma mais ampla, do mercado dos veículos flex-fuel (COSTA; BURNQUIST, 2013, p. 17).

Sem aprofundar nessa questão, fato é que este produto, como ao longo de sua história, tem apresentado variações positivas e negativas. Nos anos iniciais da entrada de veículos flex-fuel no mercado nacional, entre 2003 e 2008, o etanol teve um contínuo incremento anual da produção. Nesses cinco anos, a produção no país cresceu em 86,8%. Na safra seguinte, de 2009/2010, a produção teve a primeira queda, passando de 27.526 metros cúbicos (m3) para 22.682 m3; entretanto, a safra de 2010/2011 recuperou o patamar atingido em 2008/2009. Nas duas safras seguintes, a produção voltou a cair para um nível de aproximadamente 23 mil m3. Apenas em 2013/2014, o etanol aumentou de forma expressiva, atingindo 27.543 m3 (UNICA, 2015).

Os eventos que marcam a dinâmica da agroindústria canavieira, com as fases de expansão e crise de suas principais atividades, o etanol e o açúcar, estão integrados à organização regional da produção. Cabe, assim, discorrer sobre esse processo com foco nos fatores que favorecem e nos que dificultam a expansão do setor em São Paulo.

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