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Capítulo 1 A questão da técnica e das relações territoriais na agricultura

1.5 O caminho para a construção de uma dimensão endógena

1.5.4 O comportamento estratégico das firmas

Uma das ideias que têm assumido maior relevância na geografia econômica está na forma como o comportamento de agentes no nível microeconômico molda a paisagem em níveis mais amplos (BOSCHMA; MARTIN, 2010, p. 7). Esse é um ponto central, pois discorre sobre como decisões individuais, tomadas no âmbito das firmas, podem ter efeitos regionais. Estudos demonstram que as firmas são mais propícias a inovar, caso estejam próximas a outras firmas inovadoras (GIULIANI, 2007, p. 141). Na produção agroindustrial, os resultados que uma firma atinge na produtividade agrícola por meio da interação com a pesquisa podem criar um atrativo para outras firmas trilharem o mesmo caminho. Em outras palavras, a iniciativa de uma unidade em usar técnicas específicas tem a capacidade de influenciar a maior adoção desse modelo por outras.

As firmas seguem um padrão altamente heterogêneo, pois, além de variarem os recursos de capital, suas estratégias são diferentes (GIULIANI; BELL, 2005, p. 49). Conforme Dosi (2012, p. 11), os atores diferenciam-se quanto às suas preferências, à forma como lidam com informações idênticas, ao repertório de tecnologias de que dispõem e à capacidade de aprender.

Para analisar essa situação, enfatizamos três aspectos: origem do capital, vínculos locais e vínculos externos. Inspirados no trabalho de Marin e Giuliani (2011, p. 11-16) – que estabelece uma classificação das filiais de empresas multinacionais – dividimos quatro estratégias possíveis para as unidades produtivas24:

24 As autoras formularam essas classificações pensando na forma como as filiais de empresas multinacionais se

relacionam com o local. Ampliamos essa classificação para incluir as firmas em um âmbito mais geral. Ou seja, elas podem se referir às filiais tanto de companhias multinacionais como de empresas nacionais ou empresas locais. Portanto, no nosso caso, a origem do capital é um fator importante na diferenciação das firmas.

i. isoladas: firmas de capital local ou nacional, desde que a unidade local seja a única da empresa, que não buscam novas fontes conhecimento ou formas de qualificação da mão de obra. Desse modo, não criam vínculos locais nem externos;

ii. independentes: firmas de capital local ou nacional, desde que a unidade local seja a única da empresa, que buscam novas fontes de conhecimento e desenvolvem trabalhos para qualificação da mão de obra. Nesse caso, existe um maior grau de autonomia, o que facilita a formação de vínculos tanto locais quanto externos;

iii. dependentes: firmas de capital estrangeiro ou nacional que têm mais unidades produtivas além daquela presente no local e criam vínculos apenas com as unidades do grupo. Em comparação com as isoladas, esse tipo de firma tende à maior capacidade de absorver conhecimento, porém tem pouca autonomia e gera poucos vínculos locais e externos; iv. diversificadas: firmas de capital estrangeiro ou nacional que têm mais unidades

produtivas além daquelas presentes no local e buscam novas fontes conhecimento e qualificação da mão de obra. Assim como nas independentes, há maior grau de autonomia e criação de vínculos internos e externos.

Esquematizamos as ideias referentes à análise das estratégias das firmas no Quadro 1.2, ressaltando os três parâmetros para sua distinção.

Quadro 1.2. Diferenciação das firmas quanto à origem do capital e aos vínculos locais e externos

Fatores de Influência Isolada Independente Dependente Diversificada

Origem do Capital Local/ Nacional* Local/ Nacional* Estrangeiro/ Nacional** Estrangeiro/ Nacional**

Vínculos Locais Fracos Fortes Fracos Fortes

Vínculos Externos Fracos Fortes Fortes Fortes

Fonte: organizado pelo autor.

* Considerando-se a unidade local como a única da empresa.

** Considerando-se a unidade local como parte de uma empresa com mais unidades produtivas.

O comportamento das firmas é um fator cujas relações territoriais são difíceis de visualizar, pois não dependem apenas de sua localização na região. A firma pode se internalizar e manter estratégias que a desvincule de seu entorno (isoladas e dependentes), como também pode ampliar a interação local (independente e diversificada).

O SPR de altos fluxos tende a se organizar por firmas isoladas ou dependentes. O SPR integralizado inicial é marcado pelo momento quando algumas das firmas adotam

estratégias que as permitem passar de isoladas para independentes ou de dependentes para diversificadas. Em uma situação de SPR integralizado final, pressupõem-se firmas cujas estratégias como diversificadas e independentes estão em um maior estágio de maturação.

Buscamos sintetizar as ideias discutidas neste item no Quadro 1.3, que destaca as relações que intensificam a trajetória de desenvolvimento da região em direção ao eixo horizontal.

Quadro 1.3. Síntese das diferenciações dos SPR de altos fluxos e de dois estágios de maturação do SPR integralizado

Categorias de

Análise SPR de Altos Fluxos

SPR Integralizado: Inicial SPR Integralizado: Final Encadeamentos produtivos

Nível 4 baixo e nível 2 ausente

Nível 4 alto e nível 2 ausente

Níveis 4 alto e 2 presente

Conhecimento Externo Parcialmente interno Essencialmente interno

Qualificação da

mão de obra Externa Parcialmente interna Essencialmente interna Estratégia das Firmas Isoladas ou Dependentes Diversificadas ou Independentes Diversificadas ou Independentes

Fonte: elaboração própria.

Essas categorias representam a forma como a base de exportação cria vínculos locais; interage com as atividades de pesquisa e conhecimento; e estimula projetos para qualificar a mão de obra. O comportamento das firmas é responsável por induzir as duas categorias anteriores ao adotar novas estratégias para inovar, no caso analisado, para criar uma técnica específica.

As relações territoriais internas são reduzidas no SPR de altos fluxos, enquanto dominam no SPR integralizado final. O SPR integralizado inicial coloca em evidência um sistema que começa a ter algumas características em comum com as regiões agroindustriais mais dinâmicas.

Os próximos capítulos iniciam um esforço de periodização que retoma a trajetória demonstrada na Figura 1.1. No capítulo 2, lidamos com os SPR que marcaram a trajetória inicial de Goiás por meio da análise das relações territoriais criadas pela extração do ouro, a criação de gado e o cultivo de arroz. De forma secundária, estudamos como os segmentos no nível 1 do SAG da cana-de-açúcar se desenvolveram em São Paulo.

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