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Capítulo 1 A questão da técnica e das relações territoriais na agricultura

1.4 Evolução da agricultura e trajetória de desenvolvimento da região

Cabe iniciar essa nova discussão esclarecendo o que entendemos por região. Pensamos esse conceito de forma abrangente – com base no uso de elementos da corrente geográfica do “método regional” (CORRÊA, 2007, p. 14-16) –, tendo em vista a necessidade de estudar as combinações entre fenômenos inter-relacionados em um mesmo lugar (HARTSHORNE, 1978, p. 40). Esses elementos, que são tanto naturais quanto sociais, em seu conjunto, estabelecem o caráter particular aos lugares. Nessa perspectiva, é preciso

conhecer a terra em seu caráter total, não em termos de categorias individuais de fenômenos – físicos, biológicos e humanos, dispostos em série – mas em termos das combinações produzidas entre eles, porque tais combinações é que criam os diferentes aspectos físicos e humanos que a superfície da terra nos revela” (CHOLLEY apud HARTSHORNE, 1978, p. 15)

Isso não significa uma análise de todos os fatores presentes na região, mas um esforço de identificar aqueles que assumem maior relevância (HARTSHORNE, 1978, p. 41). A variável-chave é a agricultura, essência da formação econômica de Goiás. A atividade agrícola orienta a seleção das variáveis a que demos maior ênfase: do lado dos fatores que

14 A ideia de associar um quadro pensado para a globalização a um processo histórico sustenta-se na concepção de

que as espacialidades da globalização não são exclusivas do período atual. Desde seu surgimento, o sistema capitalista tem sido, ao mesmo tempo, “muito dinâmico e inevitavelmente expansível” (HARVEY, 2005, p. 43). A expansão geográfica tornou-se mais importante na medida em que os países tinham dificuldades de intensificar, dentro de seus limites, as atividades sociais, o mercado e o crescimento econômico. Com isso, a estrutura espacial que coordena a acumulação de capital é ampliada (HARVEY, 2005, p. 48). O desdobramento desse processo em um sistema mundial tem suas origens no século XVI, comandado pelo capital mercantil. Contudo, foram nas décadas de 1840 e 1870 que esse modelo de acumulação se efetivou, diante da Revolução Industrial. Nessa época, o aumento da velocidade nas comunicações, com as estradas de ferro, o telégrafo e o navio a vapor, e o avanço do comércio internacional fizeram o capitalismo se tornar “uma genuína economia mundial” e o globo se transformar, “dali em diante, em uma expressão geográfica em uma constante realidade operacional” (HOBSBAWN, 1996, p. 77).

influenciam em sua dinâmica, pensamos nas condições edafoclimáticas do cerrado goiano; do lado dos fatores por ela influenciados, trazemos uma análise mais ampla, encaixando essa atividade nos termos que North (1977, p. 298) definiu como “produto de exportação”, para tratar de apenas um item, e “base de exportação”, para tratar coletivamente dos produtos de exportação15.

Esse conceito refere-se às atividades produtivas que obtêm uma vantagem comparativa nos custos de produção e de transferência (NORTH, 1977, p. 299). É em torno dessa “base” que se organiza o processo de desenvolvimento da região. Ela que coordena a geração de economias externas: de um lado, pode induzir indústrias complementares, investimentos para a qualificação da mão de obra, o avanço de universidades e da pesquisa, de outro, pode apoiar melhorias na infraestrutura de transportes.

Cada atividade tem um potencial distinto de gerar economias externas. A intensidade desses efeitos muda e é essa transformação que cria uma trajetória particular de desenvolvimento para a região. Por trás dessas mudanças se tem um processo de evolução do aprendizado através do tempo (DOSI, 2006, p. 38), que vai permitir melhorar o posicionamento da atividade principal no mercado e/ou iniciar novas atividades, diversificando a própria base de exportação. O ponto é que essa é uma evolução tanto dos fatores de produção – em resposta ao aumento na demanda e das iniciativas de inovação por parte da firma ou do Estado (NELSON; WINTER, 2005, p. 18) – quanto uma evolução do espaço, das regiões (BOSCHMA; MARTIN, 2010, p. 6).

Retomando o que discutimos antes, a ideia é associar os distintos efeitos da base de exportação às diferentes formas de organização dos SPR. Para o eixo vertical, analisamos em que medida a base de exportação interfere na redução dos custos de transferência propiciada pela melhoria nos sistemas de transporte; complementamos com o estudo do mercado de influência (NORTH, 1977, p. 299); e incluímos a questão dos deslocamentos populacionais, que é algo com forte peso no desenvolvimento regional brasileiro (CANO, 1985). No eixo horizontal, analisamos os esforços de melhoramento do produto, com as atividades de pesquisa e o treinamento da força de trabalho; adicionamos uma análise sobre o aumento de indústrias complementares (NORTH, 1977, p. 300); e as variações do comportamento das firmas presentes na região. Esses pontos estão esquematizados como se segue16:

15 É importante destacar que o termo exportação é utilizado para designar a comercialização de produtos para fora

dos limites da região e não para fora dos limites do país.

16 O papel do Estado, amplamente destacado por North (1977), como instrumento para aprimorar a competitividade

da base de exportação não foi incluído nas variáveis por interferir tanto no eixo vertical quanto horizontal. Mas deixamos claro que essa é uma variável central para compreender a trajetória de desenvolvimento da região.

Eixo Vertical:

i. Amplitude do mercado

ii. Melhoria do sistema de transportes iii. Deslocamentos populacionais

Eixo Horizontal:

i. Aumento dos encadeamentos produtivos ii. Ampliação do conhecimento local

iii. Aumento na qualificação da mão de obra local iv. Mudança no comportamento estratégico das firmas

Um SPR restritivo caracteriza uma etapa em que tanto as categorias do eixo vertical quanto horizontal são pouco induzidas pelo crescimento da base de exportação. O SPR de alta territorialização ocorre quando as categorias do eixo horizontal se relacionam ao progresso da base de exportação, entretanto pouco atua nas variáveis do eixo vertical. O SPR de altos fluxos marca o movimento inverso, em que as categorias do eixo vertical crescem junto à base de exportação, mas pouco ocorre nas variáveis do eixo horizontal. O SPR integralizado representa momentos prósperos de desenvolvimento da região quando a base de exportação tem o potencial de agregar as categorias dos eixos vertical e horizontal.

A proposta da tese é encaixar essas ideias na trajetória de desenvolvimento de Goiás. Nesse caso, são cinco as atividades que funcionaram como produto e base de exportação: ouro, gado, arroz, soja e cana-de-açúcar. A trajetória de desenvolvimento é marcada por quatro mudanças na estrutura produtiva: (I) declínio do ouro e crescimento da pecuária; (II) permanência da pecuária e crescimento do arroz; (III) declínio do arroz e crescimento da soja; e (IV) permanência da soja e crescimento da cana-de-açúcar. Assim, reelaboramos o Quadro 1.1 para chegarmos à Figura 1.1, em que sintetizamos, de forma apenas ilustrativa, os principais argumentos que conduzem nosso estudo de Goiás.

Figura 1.1. Organização dos SPR e a trajetória de desenvolvimento de Goiás segundo as mudanças na estrutura produtiva

Fonte: organizado pelo autor a partir de Storper (1997, p. 157)

Embora nosso foco esteja na agricultura, para análise de Goiás é preciso retomar a exploração de recursos minerais (ouro), que marcou os primeiros momentos da economia goiana. Essa etapa é classificada no quadrado do SPR de altos fluxos, com pouca interferência no eixo horizontal, por conta de sua orientação totalmente voltada para fora. Ainda que essa seja uma atividade movida pelo capital mercantil, a mineração integrou Goiás aos principais centros econômicos da época e promoveu um primeiro movimento migratório para a região.

Com o declínio do ouro, tem-se uma primeira mudança na trajetória de Goiás com a queda para o SPR restritivo. A economia mineradora não criou nenhuma atividade complementar. Apenas uma pecuária extensiva de baixo dinamismo estabeleceu-se como produto de exportação da região, mantendo uma crise econômica que se alastraria durante todo o século XIX. A segunda mudança na estrutura produtiva viria com o avanço do arroz como segundo produto de exportação. A dinâmica dessa atividade, porém, nos moldes da agricultura tradicional pautada por técnicas gerais, pouco atua no eixo horizontal e vertical, de modo que a região permaneceria ligada ao SPR restritivo.

Uma nova fase para a trajetória da região, pautada por um novo SPR de altos fluxos, é concomitante à terceira mudança na estrutura produtiva com a formação de agricultura moderna geral baseada na sojicultura. Esse momento, iniciado nos anos de 1970, ficaria mais

claro com a expansão da soja nos anos de 1990 e 2000. Com isso, as variáveis do eixo vertical, sobretudo atreladas à ampliação do mercado consumidor e à melhoria dos transportes, passavam a pesar na condução da economia regional. Existe uma interferência nas variáveis do eixo horizontal, mas com menor importância.

Ao mesmo tempo que a soja expande, a base de exportação de Goiás se diversifica com o avanço da agroindústria canavieira a partir da segunda metade da década de 2000. Ou seja, com a quarta mudança na estrutura produtiva, que torna a agricultura moderna mais heterogênea. Novas relações territoriais são necessárias para possibilitar o desenvolvimento da cana-de-açúcar com técnicas mais específicas ao local. Investimentos em pesquisa, para criação de um conhecimento intensivo das condições locais, e trabalhos para qualificação da mão de obra passam a ser feitos com maior intensidade.

Dialogando com Santos (1996), muitas dessas mudanças ocorrem pelo fato que esse modelo, diferentemente daquele baseado em técnicas gerais, encontra maior dificuldade para expandir-se territorialmente. Com isso, as rugosidades17 – que Santos (1996) atrela ao meio urbano – tornam-se presentes na configuração do meio rural por conta das limitações edafoclimáticas que impõem obstáculos à expansão da agricultura18.

De forma simplificada, quando as economias de fluxos (eixo vertical) aumentam, elas induzem elementos que marcam nas regiões uma dimensão exógena; quando fatores atrelados às economias de território (eixo horizontal) são incorporados à base de exportação, inicia-se um processo de internalização cuja interação local resulta em relações endógenas. Cabe então discutir o percurso com que essa dimensão é criada.

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