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Capítulo 2 Primeiros momentos da trajetória de Goiás: início como um SPR de altos

2.3 Transformações na agricultura brasileira e a retrocesso de Goiás ao SPR restritivo

2.3.2 A primeira mudança da estrutura produtiva de Goiás: a consolidação da pecuária

Após o declínio da produção aurífera, Goiás entrou em um regime no qual a maior parte das atividades produtivas se voltou para a subsistência ou o abastecimento local. As primeiras caracterizavam-se pelo “elevado grau de estabilidade, mantendo-se imutável sua estrutura tanto nas etapas de crescimento como nas de decadência” (FURTADO, 2007b, p. 218), e as segundas, por atividades que “não têm capacidade dinamizadora porque sua extensão depende do incremento vegetativo desses mercados que, em regiões subdesenvolvidas é, por definição, lento” (MAGALHÃES; KUPERMAN; MACHADO, 1991, p. 142). Com o predomínio desse tipo de economia, supõe-se que poucas mudanças ocorressem na região. Ao longo do século XIX, a única atividade que conseguiu superar essas condições foi a pecuária.

No decorrer dos séculos XVII e XVIII, as regiões pecuárias mais expressivas foram o Nordeste, onde o gado era um complemento à economia açucareira, e o Sul, dado o vínculo com a produção de ouro (FURTADO, 2007b). Nessa época, houve tentativas fracassadas32 e outras bem-sucedidas de se criarem fazendas de gado em Goiás (BERTRAN, 2011, p. 136). Porém, apenas no início do século XIX a pecuária começou a ter peso para se tornar um produto de exportação. Sinais de mudança viriam com a formação de um comércio de gado entre o Centro-Oeste e o Rio de Janeiro – até então, núcleo urbano de maior expressão no país – via Caminho de Goiás (MAMIGONIAN, 2004, p. 34-36).

Ao contrário da agricultura, que não conseguia superar a barreira climática dos cerrados33, a pecuária sentia menos com os efeitos da sazonalidade das chuvas. Ademais, essa atividade “permite a negociação de animais, em qualquer momento do período produtivo, desde que se faça premente a necessidade de realização do capital” e tem um baixo nível de exigência quanto à mão de obra (ESTEVAM, 1997, p. 44). Assim, as técnicas disponíveis influenciaram uma especialização na criação de gado. A produção vegetal, até então, era complementar, realizada como uma atividade secundária, destinada ao mercado local.

O gado, embora fosse o produto de exportação da região, estava longe ser dinâmica. Um melhor desempenho era dificultado pela precariedade das vias de comunicação. Funes

32 No final do século XVII e início do XVIII, houve duas tentativas de pecuaristas nordestinos de começar fazendas

de gado às margens do rio da Palma, região que hoje representa o Tocantins. No entanto, em ambos os empreendimentos, foram expulsos pelos índios (BERTRAN, 2011, p. 131).

33 É importante lembrar que estamos tratando de um período em que o aperfeiçoamento técnico da agricultura é

praticamente nulo. Como demonstra Prado Júnior (2008, p. 87), o progresso nessa área foi “muito mais quantitativo que qualitativo. Daí sua precariedade, e salvo em casos excepcionais, sua curta duração”. O processo produtivo no início do século XIX ainda era quase o mesmo que marcou a colonização. Com isso, é certo que as condições naturais impunham barreiras e até definiam os tipos de produção possíveis.

(1986, p. 44) estima que, na época, o tempo gasto por uma tropa para se deslocar de Goiás para o Rio de Janeiro era de cerca de oito meses. Os caminhos fluviais eram uma opção mais rápida, mas, ao mesmo tempo, com maiores riscos (FUNES, 1986, p. 44). Esse fato limitava a pecuária goiana – e do Centro-Oeste de forma geral – à parte menos rentável do setor, ou seja, à criação. As fases de engorda e abate, que agregavam maior valor ao produto, eram feitas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro respectivamente (ESTEVAM, 1997, p. 57).

Por muito tempo, Goiás acumulou déficits na balança comercial (ESTEVAM, 1997, p. 42). Um impulso ao setor pecuário viria apenas em fins do século XIX e início do XX com a maior articulação de Goiás com o complexo econômico cafeeiro de São Paulo. Primeiro, a geração de capital e o crescimento da população criaram uma demanda por alimentos, dentre eles, a carne. Segundo, o sistema ferroviário paulista estendeu-se em direção ao Brasil Central, resolvendo, parcialmente, o problema das vias de comunicação. Esse fato deve-se à estrada de ferro Mogiana, construída em um trajeto semelhante ao do Caminho do Anhanguera. Os primeiros trilhos foram inaugurados em 1875 no trecho de Campinas a Jaguariúna. Em 1883, a ferrovia chegou a Ribeirão Preto. Seis anos mais tarde, o Triângulo Mineiro era incluído no trajeto com a extensão dos trilhos para Uberaba (CMEF, 2015). A inserção de Goiás iniciou-se em 1913, quando o ramal de Araguari se estendeu para os municípios de Goiandira e Ipameri. Em 1914, Pires do Rio foi incluído nesse trajeto. Dez anos mais tarde, a ferrovia chegou a Vianópolis; em 1930, a Leopoldo de Bulhões e, em 1935, a Anápolis (FREDERICO, 2008, p. 31).

Por um lado, esse processo induziu o crescimento da pecuária em Goiás, mas, por outro, manteve a mesma divisão de trabalho em que a engorda era feita em Minas Gerais, sobretudo no Triângulo Mineiro, e o abate, em São Paulo, com destaque para o frigorífico Anglo, criado em 1913 na cidade de Barretos (MAMIGONIAN, 2004, p. 46). Mesmo atendo- se apenas à criação, os pecuaristas em Goiás conseguiram aproveitar o momento propício. Nos três primeiros anos da década de 1900, Goiás contou com uma produção média de 61 mil cabeças de gado, ao passo que, nos três últimos anos que antecederam a crise de 1929, a média saltou para 126 mil34 (GOIÁS apud ESTEVAM, 1997, p. 56). Essa atividade foi responsável por “parte substancial da receita global do estado: nenhum outro produto se equiparou ao gado na composição da renda interna estadual” (ESTEVAM, 1997, p. 57).

Enquanto Goiás pautava-se na criação de gado como produto de exportação, vinculou-se ao SPR restritivo. Em primeiro lugar, as técnicas eram tradicionais, considerando-

se a produção extensiva e a baixa produtividade do trabalho (ESTEVAM, 1997, p. 44). Algumas adaptações começavam a ser feitas, mas eram pensadas para atender o cenário regional. O gado, inicialmente trazido do Rio Grande do Sul – por sua vez, obtido pela seleção de ração europeias –, estranhou o clima e a alimentação do Brasil Central e, por conseguinte, perdeu tamanho (ESPÍNDOLA, 2005, p. 4568). Em 1875, por iniciativa de pecuaristas do Triângulo Mineiro e do sul de Goiás, começou-se a introduzir gados zebuínos, de origem indiana, no Brasil Central, que viria se tornar a melhor instalação de uma pecuária comercial nos trópicos (VALVERDE, 1985, p. 252).

As principais influências da pecuária estão no eixo vertical. O mercado consumidor, embora se limitasse ao próprio país, aproveitava-se de uma demanda crescente com a prosperidade de São Paulo no início do século XX. A melhoria dos transportes é notável com a chegada da ferrovia, que permitiu aumentar a fluidez da região (FREDERICO, 2008, p. 31-32). No entanto, há que se ressaltar que o escoamento do gado por esse meio não era simples. Alguns animais morriam no caminho, machucavam-se ou perdiam peso (VALVERDE, 1985, p. 256). No tocante aos fluxos migratórios, registra-se que a população tem um vigoroso aumento. “Em 1824, Goiás contava com 62.518 habitantes e, em 1890, atingia 227.572 indicando que seus moradores quase quadruplicaram” (ESTEVAM, 1997, p. 34). Em 1920, o Estado saltou para 511.919 habitantes, um incremento de 55,5% de sua população em trinta anos (IBGE-CENSO DEMOGRÁFICO, 2014).

No tocante ao eixo horizontal, a criação de atividades complementares foi baixa. No país, apenas dois frigoríficos instalaram-se nas regiões produtoras de gado: Anglo, em São Paulo, e Armour, no Rio Grande do Sul (VALVERDE, 1985, p. 256). A maioria optou por estar próxima do mercado consumidor. Existia uma produção local de couro e charqueadas na região, porém se resumiam a pequenas indústrias, especialmente em Catalão (CHAUL, 2011, p. 14).

Como resume Teixeira Neto (2009b, p. 26), em Goiás, tanto a atividade agrícola quanto a criação de gado

conheceram caminhos espinhosos, porque a agricultura, antes de se transformar em atividade comercial e altamente moderna, só alimentava as pessoas em volta dos pequenos arraiais, e a pecuária, antes de se transformar em intensiva e altamente científica e tecnológica, foi praticada extensivamente, à solta, sobre as imensas pastagens naturais.

Uma das consequências visíveis desse processo foi a manutenção de uma crise econômica e social na região. Goiás convivia com graves problemas de abastecimento alimentar

cuja fragilidade era evidenciada cada vez que algum evento interferia no aumento do preço dos alimentos, agravando a fome na região (MAGALHÃES, 2004, p. 9-10).

Algumas mudanças centrais na economia goiana surgiriam a partir de 1930, período que os rumos da economia brasileira se alteram com o advento da industrialização. Nesse momento, por um lado, a atuação do Estado nacional e, por outro, a condição criada pela intensificação da demanda interna por alimentos trariam novos estímulos a Goiás. Um deles, a que daremos maior ênfase, foi a criação de um novo produto de exportação pautado no arroz.

2.4 A agricultura brasileira entre 1930 e 1970 e a manutenção de Goiás no SPR restritivo

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