• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 A questão da técnica e das relações territoriais na agricultura

1.5 O caminho para a construção de uma dimensão endógena

1.5.2 Ampliação do conhecimento local

A importância de se destacar o conhecimento, suas origens, destino e domínio do uso deve-se aos profundos impactos que provoca no desenvolvimento econômico (STORPER, 1999, p. 1-2). A capacidade de a firma engajar-se em projetos de inovação depende do “acesso aos conhecimentos e a capacidade de apreendê-los, acumulá-los e usá-los” (LASTRES et al., 2002, p. 61).

Na agricultura, a geração de conhecimento é, em geral, externa ao produtor rural. Este é um padrão de inovação classificado como “dominado pelo fornecedor”, ou seja, as inovações são produzidas em outras áreas, como a fabricação de equipamentos e materiais, o financiamento de pesquisas e a relação com determinados tipos de serviços (PAVITT, 1984, p. 356). As inovações estão, de um lado, nas indústrias químicas, de produção de sementes, de maquinários agrícolas, tratores, ferramentas mecânicas e, de outro, nas instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa (POSSAS; SILVEIRA; SALLES-FILHO, 1994, p. 16). Todas

assumem importância. Porém, dado nosso recorte, enfatizamos os centros de P&D e as universidades, que reportam ao nível 1 do SAG da cana-de-açúcar.

O ponto, entretanto, não é apenas a localização das instituições de pesquisa, mas a forma de geração e as trocas que definem o percurso do conhecimento no espaço. O conhecimento pode se deslocar de duas formas: simples, quando se trata de técnicas padronizadas, ou complexa, com a presença de uma dimensão tácita para as técnicas específicas. A primeira maneira pode ser transferida por contatos de longa distância. A segunda, porém, requer uma relação de proximidade, com a inclusão de um contato face a face para o conhecimento ser transmitido de forma mais eficiente (STORPER, 2013, p. 168).

A comunicação pessoal é vantajosa por incluir o contato “verbal, físico, contextual, intencional e não intencional” (STORPER; VENABLES, 2005, p. 32). A transferência do conhecimento tácito depende de um desempenho complexo, linguístico e visual. Segundo Storper e Venables (2005, p. 32), “as deixas visuais e corpóreas são, pelo menos, tão importantes para o conhecimento quanto o que se ‘diz’ com palavras”. Juntamente com o contato visual, tem-se uma proximidade emocional que é “a base para a construção das relações humanas”. O princípio é o mesmo em Michael Polanyi: “we know more than we can tell” (VALE, 2012, p. 78).

Portanto, “mais do que apenas uma troca”, a interação face a face “é um desempenho pelo qual o discurso e outros tipos de ações e contexto se juntam para exercitar a comunicação, de uma maneira muito complexa, em muitos e diferentes níveis ao mesmo tempo” (STORPER; VENABLES, 2005, p. 32). Primeiramente, o contato reduz as incertezas em relação à transmissão do conhecimento tácito e à resposta a um determinado questionamento, pois permite profundidade e rapidez no feedback, algo impossível de se obter em outras formas de comunicação (STORPER, 2013, p. 169). Adicionalmente, aumenta a confiança e o comprometimento entre emissor e destinatário, sobretudo quando o conteúdo ainda é incerto. Por fim, estimula a motivação mediante os efeitos biofisiológicos da competitividade, algo que interfere em aspectos como o esforço, a produtividade e a criatividade (STORPER; VENABLES, 2005, p. 33).

Com base nesse princípio, mesmo que o nível 1 do SAG se localize em regiões distintas das firmas, o deslocamento do conhecimento não segue um único trajeto que seja, por definição, exógeno. Da mesma forma que no estudo dos encadeamentos produtivos, propomos três trajetórias para analisar a dinâmica espacial do conhecimento:

i. quando o conhecimento é essencialmente externo à região. Nesse caso, a firma apenas contata pesquisadores de fora para realizar um determinado serviço. Não há transferência de conhecimento e a interação face a face tem papel reduzido;

ii. quando parte do conhecimento é internalizada na região. Nesse caso, existe um diálogo dos os técnicos locais e pesquisadores externos para produção de técnicas adaptadas às condições locais;

iii. quando o conhecimento é essencialmente interno à região. Nesse caso, a firma tem laços sólidos com pesquisadores que trabalham e residem no mesmo local, ampliando a interação face a face.

Nas duas primeiras, a fonte principal de conhecimento está em instituições localizadas nas regiões mais desenvolvidas. A diferença é que, na primeira, a participação local é irrisória. Apenas se absorve um conhecimento produzido externamente. Essa é uma situação comum em culturas agrícolas que estão em maior grau de padronização. Na segunda, a região deixa de ser uma mera receptora de conhecimentos externos e passa a influenciar sua construção. Existe, nessa condição, uma interação face a face que é central para a eficiência da comunicação. A terceira trajetória representa um estágio em que a firma e os centros de pesquisa estão unidos por uma proximidade geográfica.

A primeira trajetória é própria do sistema de criação de técnicas gerais, e do SPR de altos fluxos. A segunda representa um modelo distinto. O conhecimento local, resultado do trabalho conjunto entre técnicos locais e pesquisadores de fora, é central na particularização da técnica. Ademais, nesse processo, a região desenvolve potencial para internalizar tecnologias e os próprios centros de pesquisa. Isso ocorre na medida em que aumentam o deslocamento de pesquisadores e as dificuldades que a distância ocasiona para a solução de problemas de urgência. Essa dinâmica define um SPR integralizado inicial. A terceira trajetória é própria de sistemas setoriais de inovação que se prendem aos limites da região, como na produção de abacates na província de Michoacan, no México (CARBAJAL; HERNANDEZ, 2008), e a produção de vinhos no Chile (GIULIANI; BELL, 2005). Essa lógica define o SPR integralizado final.

Todo esse procedimento depende da qualificação da mão de obra. Trabalhadores pouco capacitados constituem-se uma barreira para acessar e absorver novos conhecimentos. A capacidade de atrair esse fator depende dos esforços de aprendizagem e sua acumulação prévia incorporada aos recursos humanos (GIULIANI; BELL, 2005). Desse modo, a segunda

categoria de análise somente pode ser compreendida em conjunto com a terceira, relacionada à mão de obra.

Outline

Documentos relacionados