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Capítulo 4 Dinâmica da agroindústria canavieira em Goiás: expansão e motivos para

5.4 Relação com a pesquisa e o conhecimento

5.4.2 As relações com o Instituto Agronômico de Campinas

Como demonstrado, alguns pesquisadores ligados ao IAC135 fizeram estudos sobre a cana-de-açúcar em Goiás nas décadas de 1970 e 1980. Entretanto, não havia um projeto organizado nessa direção com metas claras para a expansão e o aumento da produtividade dos canaviais. Essa proposta do instituto surgiria somente nos anos de 1990, com o Procana, quando se inicia uma etapa em que a pesquisa avançaria não apenas em ensaios de variedades, mas na construção de um conhecimento mais detalhado sobre as condições de cultivo na região.

Desde os primeiros momentos, o Procana teve uma atuação conjunta em São Paulo, Goiás e Minas Gerais136. Por um lado, a entrada em Goiás era uma opção viável, considerando- se que o grau de abertura de algumas usinas paulistas era reduzido por já terem laços mais consolidados com a Copersucar e a ESALQ. Por outro, o planejamento da rede de pesquisa do IAC enxergou a possibilidade de aumento da cana-de-açúcar para além de São Paulo, colocando Goiás como uma das principais zonas de expansão.

135 Apoiam esta parte do trabalho três entrevistas: com o pesquisador Hélio do Prado, responsável pela área de

pedologia, no dia 21 de novembro de 2014; com o pesquisador Daniel Nunes, responsável pelo trabalho na Regional Cerrados, no dia 30 de março de 2015; e com Marcos Landell, diretor do instituto e pesquisador na área de variedades, realizada no dia 10 de abril de 2015.

136 A presença do IAC fora de São Paulo não é exclusiva na cana-de-açúcar. Como coloca Mello (2000, p. 134),

diversas de suas tecnologias “foram adotadas no Paraná (caso do algodão e da soja, principalmente), no Mato Grosso do Sul (soja) e diversas outras variedades desenvolvidas pelo Instituto foram utilizadas nos programas de melhoramento genético conduzido em diferentes regiões”.

À época, em meados da década de 1990, Goiás demandava uma cana de maior produtividade e longevidade, qualidade agroindustrial e que não florescesse. Técnicas como a irrigação eram usadas em pequena escala. A colheita e o plantio eram predominantemente manuais. As variedades, muitas vezes, eram plantadas de forma subjetiva. Os produtores sabiam, pela própria experiência, os solos com melhores e piores rendimentos. Assim, eles selecionavam, junto ao Planalsucar e à Copersucar, as variedades exigentes para as melhores áreas e as rústicas, para as piores. Não se observavam questões básicas, como a época de plantio e corte da variedade. O manejo dos solos favoráveis e desfavoráveis em geral era feito da mesma forma.

Ao mesmo tempo, o IAC percebia a inadequação de transferir para Goiás as técnicas de São Paulo e esperar resultados similares. A interação da mesma variedade com ambientes diferentes trazia resultados distintos. Era comum a planta ter maior dificuldade de brotação, perder perfilhamento, florescer e ter um colmo mais fino. Às vezes, essas características não apareciam no primeiro corte, mas se faziam presentes a partir do segundo. Isso mostrava a necessidade de estudos para identificar, em conjunto, as variedades que melhor se comportassem no local e as formas de manejo adequadas para suportar o crescimento da planta.

Ajudaria o fato de o instituto encontrar em Goiás um campo disposto a aprimorar a produção da cana-de-açúcar. As três primeiras parcerias foram com a Jalles Machado, em 1995, e a Denusa e a Goiasa, em 1996. Com a primeira, o instituto criou um centro de experimentações – o primeiro fora do Estado de São Paulo – que possibilitou iniciar ensaios de suas variedades nas condições de alto déficit hídrico e solos desfavoráveis do cerrado.

Ao mesmo tempo, o IAC inicia trabalhos para criar uma variedade adaptada às condições do cerrado. Como colocam Landell et al. (2010, p. 345), essa região tem “algumas peculiaridades quando comparadas às regiões tradicionalmente ocupadas pela cultura da cana- de-açúcar, como deficiência hídrica bastante acentuada, e diferenças notáveis quanto ao crescimento vegetativo, florescimento, acúmulo de sacarose e reação a pragas e doenças”. A expansão da cana em Goiás foi feita com variedades que atendiam algumas dessas características, mas não todas.

A meta do IAC para a variedade “goiana” consiste em englobar: resistência ao déficit hídrico; perfilhamento adequado para a colheita e plantio mecanizados; maior número de cortes, aumentando o potencial de cinco para dez; resistência a doenças comuns na região, como o carvão. A proposta conduziu para Goiás etapas do melhoramento genético já feito em São Paulo.

O trabalho do IAC no melhoramento genético divide-se em seis etapas:

I. cruzamento de diferentes variedades, depositadas no banco de germoplasma, feito na estação da Serra Grande (BA)137 e posterior produção de sementes;

II. germinação das sementes no centro de cana, em Ribeirão Preto;

III. plantio das populações nas suas estações experimentais138 e posterior seleção de

seedlings;

IV. envio das plantas para a competição de clones e seleção regional daqueles de melhor desempenho nas usinas conveniadas;

V. retorno para Ribeirão Preto e posterior redistribuição para a rede nacional;

VI. validação final das pré-variedades e avaliação em diferentes condições edafoclimáticas

Ao final, “apenas as plantas que apresentarem resultados iguais ou superiores às variedades padrão (variedades comerciais mais plantadas), segundo vários critérios, serão lançadas como variedades” (HASEGAWA, 2001, p. 67). O ciclo completo, até gerar uma nova variedade, leva em torno de quinze anos. A partir de 2001, com a inclusão do ensaio de

seedlings na estação de Goianésia (regional 8 do instituto), as etapas III e IV do melhoramento

genético do IAC passaram a ser realizadas em Goiás.

A estação do instituto na região, embora vinculada à Jalles Machado, conta com agrônomos, técnicos e melhoristas do IAC139 e os resultados da pesquisa são de propriedade do instituto. O trabalho de uma variedade específica para Goiás ainda está em andamento. Entretanto, esse centro já indicou as variedades IAC 91-1099, para ambientes intermediários e desfavoráveis e que tem trazido resultados melhores em Goiás do que em sua região de origem, e IAC 95-5000, para ambientes favoráveis, como as que mais se adaptaram à região.

Embora essas variedades venham ganhando destaque, até então, o maior ganho que o IAC trouxe para Goiás está nos serviços de manejo. Em janeiro de 2007, o instituto iniciou, na Jalles Machado, a classificação dos ambientes de produção por meio do Ambicana, programa que constitui um diferencial do IAC por ser baseado na transferência de conhecimento e capacitação dos técnicos locais. O trabalho é aprimorar na usina o aprendizado sobre o sistema

137 Antes os ensaios eram feitos em Camamu (BA), que tem sido utilizada pelo CTC. Em 2009, o IAC mudou-se

para Serra Grande.

138 O IAC conta, atualmente, com dez estações experimentais. Sete estão em São Paulo: Piracicaba, Ribeirão Preto,

Jaú, Mococa, Pindorama, Assis e Adamantina; uma em Goianésia, Goiás; uma em Cocos, Bahia; e uma em Monte Verde, Mato Grosso do Sul.

139 Atualmente, esses funcionários são do IAC, mas terceirizados pela Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola

produtivo da cana-de-açúcar. Segundo Hasegawa (2005, p. 108-109), estão nas metas do Ambicana:

i) mapeamento dos solos de propriedades de usinas de cana-de-açúcar e criação de um mapa pedológico; ii) treinamento dos técnicos das usinas em pedologia, isto é, eles aprendem a reconhecer e classificar solos e iii) elaboração de um relatório indicando as variedades e o manejo mais adequados a cada tipo de solo.

Após a Jalles Machado, entre 2007 e 2010, o IAC levou esse programa para Denusa, Lasa, Goiasa e Cerradinho. Mais recentemente, o trabalho tem avançado na usina São Francisco. A parceria com o Ambicana foi um elo central da geração local de conhecimento, pois deixa a cargo dos produtores absorver as técnicas de manejo mais apropriadas aos canaviais ligados à usina. Com esse procedimento aumenta dentro de Goiás a capacidade das usinas locais de incorporar o capital humano ao manejo agrícola.

O conhecimento detalhado sobre o ambiente de produção é um pré-requisito para o manejo varietal. A usina precisa saber a localização exata dos ambientes A, B, C, D e E para, então, selecionar a variedade mais apropriada a cada uma dessas condições. Definia-se, em conjunto, a melhor época para plantio e colheita de cada uma dessas variedades. Com efeito, a atividade canavieira passava a ser planejada de forma mais objetiva. Mais uma vez, a usina pioneira foi a Jalles Machado, que começou esse trabalho em 2008, o que permitiu expandir em Goiás um elo central da inovação: a adoção, com um manejo adequado, das novas variedades que estavam sendo desenvolvidas nos programas de melhoramento.

Com uma estratégia que não apenas transfere um “pacote tecnológico”, as parcerias com o IAC trazem um aumento da interação face a face entre pesquisadores e produtores. A adaptação da cana-de-açúcar ao ambiente de produção envolve uma dimensão tácita do conhecimento, pois depende da observação das plantas e da capacidade de identificar o desempenho (altura, peso, maturação, etc.). Os pesquisadores precisam unir seus dados aos coletados na usina (HASEGAWA, 2005, p. 86).

O contato pessoal permite trocas de informações sobre as opções tecnológicas disponíveis; faz com que os produtores possam demostrar suas necessidades e demandas aos pesquisadores; e deixa os mesmos a par dos eventuais problemas que ocorrem no dia a dia da produção (HASEGAWA, 2005, p. 77). Com isso, a interação local é imprescindível nesse modelo de construção da técnica, o que motiva deslocamentos constantes dos pesquisadores do IAC para Goiás. Paralelamente, ganha importância a percepção dos técnicos locais e sua capacidade de transmitir informações sobre o comportamento da cana-de-açúcar.

Além do deslocamento para a área das usinas e no diálogo com os técnicos locais, a interação face a face aparece nas reuniões do Grupo Fitotécnico, realizadas na instalação do IAC em Ribeirão Preto. Esse grupo, anterior ao Procana140, reúne “fitotecnistas de usinas, destilarias e cooperativas, pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa e pessoas de empresas que produzem e comercializam insumos, matérias-primas, máquinas e equipamentos, projetos e outros fatores de produção ligados à cultura da cana-de-açúcar” (HASEGAWA, 2005, p. 76). Resulta daí a ampliação da comunicação entre os atores envolvidos de distintas regiões. Todas as usinas de Goiás já estiveram presentes nas reuniões do Grupo Fitotécnico, embora as conveniadas sejam mais frequentes.

O IAC conseguiu, ao mesmo tempo, ampliar e qualificar sua atuação em Goiás. Hoje, o instituto mantém parcerias com 15 usinas em Goiás: Cerradinho; Nardine Agroindustrial; Raízen; as duas unidades da SJC Bioenergia; Boa Vista; as duas unidades da BP Biocombustíveis; a Vale do Verdão de Turvelândia e as unidades Floresta e Panorama; Denusa; Goiasa; a Jalles Machado e a Unidade Otávio Lage, pertencente ao mesmo grupo. A localização das usinas parceiras do IAC está ilustrada no Mapa 5.2.

140 O Grupo Fitotécnico, como coloca Hasegawa (2005, p. 76), inicia-se em 1992, como uma reunião realizada por

meio dos contatos do pesquisador do IAC Marcos Landell e de usineiros e produtores da região de Ribeirão Preto. “Após a formação do grupo, nos encontros frequentes, os agrônomos expunham suas opiniões e problemas e revelaram uma demanda pela formação de um programa de melhoramento voltado para as necessidades da agroindústria canavieira, e apoiaram Marcos Landell na criação do Procana.” (HASEGAWA, 2005, p. 76).

Mapa 5.2. Brasil: rede de parcerias e estações do Procana

Fonte: obtido diretamente com o Instituto Agronômico de Campinas

De uma forma geral, os trabalhos do IAC em Goiás mantêm-se na criação da variedade regional – a previsão para lançamento é 2018 – e nas esferas de manejo do solo, definição da época de corte, irrigação – desenvolvida em parceria com a Embrapa Cerrados –, controle de pragas e plantas daninhas e, de forma mais inicial, na área de mecanização.

Em comparação aos demais programas que atuam em Goiás, as variedades do IAC representaram 14,45% da intenção de plantio para a safra de 2015/2016. O resultado deve-se, em especial, à consolidação da variedade IAC 95-5000 e ao crescimento recente da IAC 91- 1099.

Pelo lado do instituto, a inserção em Goiás teve um papel central no aprimoramento dos estudos sobre a cana-de-açúcar. Os pesquisadores confrontaram-se com ambientes naturais muito distintos daqueles encontrados em São Paulo. Foram essas análises que permitiram, por

exemplo, conhecer a dimensão do papel da deficiência hídrica na requalificação dos ambientes de produção. Pelo lado da região, começaram a se qualificar, ao mesmo tempo, o cultivo e o uso de variedades, sobretudo, com a Jalles Machado, que, ao absorver o trabalho do IAC, constituiu-se m uma usina-modelo.

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