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5. FRICÇÕES ENTRE O INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS E OS

5.2. A Atuação Fiscalizatória da Administração Tributária e o Direito do

A atividade fiscalizatória tributária se circunscreve ao âmbito da administração pública. Deste modo, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência − norteadores da atividade administrativa480 − também se aplicam à fiscalização tributária481. Embora não haja nenhum direito ou garantia fundamental específico acerca da notificação do cidadão sobre a atividade fiscalizatória482, acredita-se que seja pressuposto inerente ao Estado de Direito que o cidadão tenha ciência das ações e omissões do Estado em relação às suas atividades483. Isto porque, para que seja possível questionar e controlar as ações e omissões do Estado, é preciso que haja comunicação efetiva entre os atores envolvidos. Segundo Joseph

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Artículo 10º − Vista Previa. No se dictará resolución disponiendo el envio de información a una autoridad competente requirente, sin otorgarse vista de las actuaciones administrativas al titular de la información por el término de cinco dias hábiles.

479 Disponível em: http://www.parlamento.gub.uy/OtrosDocumentos/decreto500/decr500.htm.Acesso em:

17/1/2014. Nesse sentido, ver também SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. De Antítese do Sigilo à Simplicidade do Sistema Tributário: os desafios da transparência fiscal internacional. In: Transparência Fiscal e Desenvolvimento: Homenagem ao Professor Isaias Coelho. Coord.: Eurico Marcos Diniz de Santi; Frederico Silva Bastos; Daniel Leib Zugman; Basile Georges Christopoulos. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2013.

480 Constituição Federal de 1988. Artigo 37: A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)

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FRANÇA, Reginaldo de. Fiscalização Tributária: prerrogativas e limites. 2. ed. rev. amp. e atual. Curitiba: Júrua, 2012. p. 128.

482 Conquanto não exista um direito ou garantia fundamental específico, a Constituição Federal assegura em

seu artigo 5º, XXXIII, que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do

Estado”;

483 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leandro. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2. ed. rev. atual. e

Stigltiz, há nas sociedades democráticas um direito básico de saber, de ser informado a respeito do que o governo está fazendo e o porquê484.

A notificação do contribuinte para que este tenha ciência da relização de intercâmbio de informações, em suas diversas modalidades, é uma recomendação da própria OCDE em seu Manual para Implementação da Troca de Informações. No entanto, o relatório Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes − Peer Review: Brazil 2013: Phase 2, também da OCDE, revela que o Brasil não informa seus contribuintes sobre as práticas fiscalizatórias referentes ao intercâmbio de informações com administrações tributárias estrangeiras485. O contribuinte só toma ciência do intercâmbio de informações na hipótese de a RFB não possuir as informações suficientes para realizar a cooperação internacional por meio do seu próprio banco de dados, de outras agências governamentais ou por meio de informações de terceiros. Havendo essa excepcionalidade, o contribuinte é intimado para que, em até vinte dias, produza a informação necessária486.

Embora não seja a postura adotada pela RFB, a notificação do contribuinte brasileiro em todos os casos em que há intercâmbio de informações tributárias entre a RFB e uma administração tributária estrangeira é imperativa, uma vez que, ao ser notificado da ação fiscalizadora, (i) o contribuinte tem a possibilidade de colaborar com a investigação e fornecer tanto à RFB quanto à administração tributária estrangeira as informações desejadas ou complementar as informações que já estejam disponíveis à fiscalização; (ii) permite que o contribuinte tome ciência de indevida ou devida fiscalização fazendária e possa tomar as medidas cabíveis para garantir seus direitos ante a pretensão estatal doméstica ou estrangeira; (iii) possibilita que o contribuinte brasileiro tenha ciência da investigação no exterior e possa entrar em contato com a administração tributária estrangeira para sanar ou discutir suas eventuais pendências fiscais; (iv) faculta a análise da legalidade, da instrumentalização e da motivação do ato fiscalizatório; e, principalmente, (v) assegura aos administrados que a administração pública não oculte as suas práticas, haja vista que os administrados, verdadeiros destinatários da ação

484 STIGLITZ, Joseph. On Liberty, the Right to Know, and Public Discourse: The Role of Transparency in

Public Life. Oxford Amnesty Lecture Oxford, U.K. January 27, 1999. p. 2. Disponível em:http://goo.gl/vi4g2s. Acesso em: 28/9/2013.

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OECD (2013), Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes Peer Review: Brazil 2013: Phase 2. p. 72, e HOFMANN, Regina Maria Tocantins; NELSON, Stella Maris Pires. [Brazilian Report]. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: International Mutual Assistance through Exchange of Information. Deventer: Kluwer, 1990. v. LXXVb. p. 249.

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administrativa, não podem ficar alheios ao que acontece nos intramuros da adminstração pública487.

Compreende-se que a publicização da atividade fiscalizatória referente ao rito observado para a execução do intercâmbio de informações tributárias não tem a mesma amplitude que os demais atos praticados pela administração pública em razão da sua natureza específica e que enseja maior proteção dos dados. Em face dessa distinção, esclarece-se que neste item não se debate a publicidade de toda a prática fiscalizatória nem as possibilidades de exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, que serão analisados posteriormente. Trata-se aqui tão somente da mera notificação do contribuinte acerca de fiscalização empreendida pela RFB para fins de cooperação internacional.

O debate sobre o direito do contribuinte de ser informado sobre a atividade fiscalizatória para coleta de informação que será intercambiada é importante porquanto o intercâmbio internacional de informações tributárias é uma política global que visa dar maior transparência aos sistemas tributários de todo o mundo488. Contudo, a ideia de transparência deve ser comprendida como uma via de mão dupla. Ou seja, não é razoável combater a evasão fiscal, o planejamento tributário agressivo, contruir mecanismos de transparência internacional, e ao mesmo tempo, atuar secretamente a fim de controlar e punir os contribuintes domésticos sob o mesmo argumento. O aumento do poder

fiscalizatório deve se refletir também no aumento dos direitos dos fiscalizados.Ademais,

a não comunicação do contribuinte pressupõe a máxima de que todos os contribuintes

fiscalizados por administrações estrangeiras são efetivamente criminosos489, na

contramão do princípio da imparcialidade da administração pública e de pesquisas empríricas que defendem que administrações tributárias democráticas e transparentes são

487FRANÇA, Reginaldo de. Fiscalização Tributária: prerrogativas e limites. 2. ed. rev.amp. atual.Curitiba:

Júrua, 2012. p. 128.

488Xavier Obseron adverte que “Little attention has been paid to protecting taxpayers’ rights and the rights

of other persons involved in the process of international assistance. The 1990 IFA study on international exchange of information in tax matters also demonstrated the important differences in practices among states. Some states, such as the Netherlands, Switzerland and the United States, for instance, tend to inform the taxpayers involved in the request and, although under different conditions, to grant them the right to participate and defend themselves in the process. Other states offer much fewer rights, if any, to

participate”. OBERSON, Xavier. The OECD Model Agreement on Exchange of Information – a Shift to

the Applicant State. Bulletin − Tax Treaty Monitor. 2003. p. 17.

489 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-abr-25/contribuinte-brasileiro-nao-visto-potencial-

mais eficientes do que aquelas que adotam políticas de ação exclusivamente baseadas na fiscalização e no controle490.

Outro ponto importante em relação ao direito do contribuinte de ser informado é esclarecer o argumento de que a notificação prejudicaria a atividade investigativa do fisco e permitiria ao contribuinte adotar medidas para se esquivar de qualquer responsabilização. Embora esse argumento seja convincente em um primeiro olhar sobre a matéria, ao saber das inúmeras ferramentas à disposição da administração tributária brasileira percebe-se que a notificação do contribuinte não prejudicaria a ação fiscalizatória. Até mesmo as conclusões da OCDE apresentadas neste estudo revelam que as autoridades fiscais brasileiras têm amplo e rápido acesso eletrônico às informações dos contribuintes por meio de extenso e atualizado banco de dados491. Além disso, merece destaque uma série de iniciativas tecnológicas da RFB que podem ser úteis para a troca de informações tributárias. As ferramentas digitais à disposição da RFB492 fornecem à administração tributária brasileira, em alguns casos em tempo real, as informações necessárias para as ações fiscais. Deste modo, não se sustenta o argumento de que a notificação do contribuinte prejudicaria a atividade da administração tributária.

Admite-se, no entanto, que seja discutível o momento em que o contribuinte deva ser informado: (i) pelo Estado solicitante, quando do envio da requisição de informação ao Estado solicitado; (ii) pelo Estado solicitado, quando do recebimento do pedido de informação; (iii) pelo Estado solicitado, antes de iniciar a fiscalização; (iv) pelo Estado solicitado, no curso da atividade fiscalizatória; (v) pelo Estado solicitado, ao fim da fiscalização; (vi) pelo Estado solicitado, antes do envio da informação ao Estado solicitante; e (vii) pelo Estado solicitante, quando do recebimento da informação transmitida pelo Estado solicitado. Conclui-se que independentemente do momento que

490 Cf. ALM, James e MARTINEZ-VAZQUEZ, Jorge. Tax morale and tax Evasion in Latin America

(Working Paper 07-04). Georgia State University, 2007. Disponível em http://econpapers.repec.org/RAS/pal49.htm. Acesso em: 2/9/2011; ALM, James e Torgler, Benno. “Do

Ethics Matter? Tax Compliance and Morality”. Journal of Business Ethics, January. 2011; ALM, James.

SANCHES, Isabel. JUAN, Ana. Economic and Noneconomic Factors in Tax Compliance. KYKLOS, vol 48 – 1995; ALM, James E., LASSEN, David D., ROSE, Shanna. The Causes of Fiscal Transparency: evidence from the American States. Sixth Jacques Polak Annual Research Conference, 2005.

491 Cf. OECD (2012), Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes Peer

Review: Brazil 2012: Phase 1.

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(i) Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ); (ii) Cadastro de Pessoas Físicas (CPF); (iii) Declarações de Imposto de Renda; (iv) Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF); (v) Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira (DIMOF); (vi) Sistema Público de Escrituração Digital (SPED); (vii) Nota Fiscal Eletrônica (NF-e); (viii) Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI) e (xix) Declaração de Informação sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB).

se julgue mais oportuno, em alguma fase do trâmite para a realização do intercâmbio de informações, o contribuinte deve, necessariamente, ser informado. Preferencialmente, a postura adotada pela RFB deveria ser a mesma no caso de investigações domésticas e em atendimento a pedidos de cooperação internacional. Nesse sentido, destaca-se que a legislação doméstica prevê que o procedimento administrativo fiscal tem ínicio com a cientificação do sujeito passivo, conforme o artigo 7º, I, do Decreto n. 70.235/1972493.

Sobre o direito de ser informado, retoma-se o pensamento de Josephh Stiglitz. O autor utiliza-se da metáfora “gritando fogo num teatro lotado”, de autoria do juiz Oliver Holmes, no caso Schenck vs. United States, decidido pela Suprema Corte Americana em 1919, em que se discutiu a extensão do direito de liberdade de expressão na Constituição americana. Na ocasião, o juiz argumentou sobre o pânico causado pela informação de incêndio em um teatro lotado e a possibilidade de esse pretenso pânico geral inibir o direito à livre expressão de um fato. É possível proibir que se divulgue que há fogo no teatro, em nome do pânico que a divulgação da informação poderia causar? Stiglitz utiza essa metáfora para dizer que a questão central não é “disponibilizar ou não” a informação

aos cidadãos, mas sim, “como disponibilizá-la”: de que modo avisar às pessoas que há

fogo para que possam evacuar o teatro ordenadamente494. Ou seja, informar ou não o contribuinte sobre o intercâmbio de informações é uma questão superada pela própria existência do Estado de Direito, contudo, a discussão sobre o momento oportuno para que a notificação ao contribuinte aconteça é desejável e necessária, mormente no Brasil, onde os contribuintes não são informados acerca do intercâmbio de suas informações tributárias, salvo quando é do interesse da RFB.

5.3. O Intercâmbio de Informações Tributárias e o Direito ao Contraditório e à

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