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5. FRICÇÕES ENTRE O INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS E OS

5.6. A Vinculação da Atividade Fiscalizatória da Administração Tributária à

A atividade fiscalizatória da administração tributária representa a ingerência das autoridades fazendárias na esfera de liberdade pessoal dos indivíduos e nos seus

556 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade,

Direito à prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar n. 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes, GUIMARÃES, Vasco Branco (coord.). Sigilos bancário e fiscal. Belo Horizonte: Forum, 2011. p. 612.

557 OECD (2013), Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes Peer

respectivos patrimônios. Essas atividades estão sujeitas aos princípios que orientam as ações da administração pública. No Brasil a CF, em seu artigo 37, determina a obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Complementarmente, a Lei n. 9.784/1999, em seu artigo 2º558, também arrola os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

A previsão dessas restrições à atuação da administração pública se justifica na medida em que, em um Estado de Direito, um ordenamento jurídico não pode concentrar poderes ilimitados à fiscalização tributária sem a contrapartida de oferecer determinada proteção aos contribuintes559. Além de assegurar direitos e garantias aos administrados, também se destaca que a atividade de fiscalização tributária é vinculada às normas de Direito Administrativo, e, portanto, só é autorizado aos agentes públicos cumprir a prescrição legal, pois é a lei que define os rumos, os passos e a forma de atuação daqueles

que têm o encargo da administração pública 560. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho

observa que “nenhum ato pode ser praticado sem autorização expressa da lei e o

funcionário não dispõe de liberdade para inovar o quadro de providências legalmente

possíveis”561

.

Como descrito no item que trata do sistema regulatório e prático do intercâmbio de informações no Brasil, a RFB possui diversos meios e fontes para realizar sua competência fiscalizatória. No que tange ao acesso e à coleta de informações dos

contribuintes, destaca-se que a RFB pode muito, mas não pode tudo562. Assim, qualquer

abuso, arbitrariedade ou ilegalidade por parte da administração tributária em relação à realização de intercâmbio de informações tributárias pode ser impedida, ou se já praticada, corrigida e indenizada por meio do Poder Judiciário, sob provocação do contribuinte. A análise e reflexão sobre a atividade fiscalizatória empreendida pela administração tributária é importante, haja vista que o intercâmbio de informações

558 Lei n. 9.784/1999 – Artigo 2º − A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da

legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

559 FRANÇA, Reginaldo de. Fiscalização Tributária: prerrogativas e limites. 2. ed. rev. amp. e atual.

Curitiba: Juruá, 2012. p. 211.

560

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Discricionariedade e controle fiscal. 2. ed. 5. tir. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 48, apud FRANÇA, Reginaldo de. Fiscalização Tributária: prerrogativas e limites. 2. ed. rev. amp. e atual. Curitiba: Juruá, 2012. p. 204.

561 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 522. 562

realizado em desacordo com os direitos e garantias dos administrados compromete a eficácia da cooperação internacional ou do eventual processo penal que advenha desse intercâmbio. A experiência internacional já demonstrou a necessidade de preocupação contra o vazamento de informações fiscais dos contribuintes e a utilização de provas ilícitas, tal como no caso “Caso Liechtenstein”563, ocorrido na Europa e tido como referência nos estudos de intercâmbio de informações tributárias564.

Os acordos internacionais que seguem o modelo da OCDE e também aqueles celebrados pelo Brasil para evitar a dupla tributação e para intercâmbio de informações contam com previsão expressa em relação à impossibilidade de os Estados contratantes exigirem obrigações: (i) de tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação ou à sua prática administrativa ou às do outro Estado Contratante; (ii) de fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou nas do outro Estado Contratante; (iii) de transmitir informações reveladoras de segredos ou processos comerciais, industriais ou profissionais, ou

informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública565. Complementarmente, a

Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVI, determina que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”566

.

Ademais, a própria RFB admite que “no Brasil, não se pode usar um elemento

como prova sem que o contribuinte tenha acesso a ele, em respeito ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, que alberga, também, os feitos

administrativos”567.

O mesmo documento complementa que “se forem obtidas

informalmente, não poderão elas ser utilizadas como meios de prova – seja em processo

administrativo, seja em processo judicial”568

.

563 GRECO, Marco Aurélio. Troca de Informações Fiscais. In: Sigilo Bancário e Fiscal – Homenagem ao

jurista José Carlos Moreira Alves. Coord. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho e Vasco Branco Guimarães. Belo Horizonte: Forum, 2011.

564 Nesse caso o serviço secreto alemão subornou um funcionário de um banco de Liechtenstein para obter

uma lista de clientes do banco. Após obter o nome dos clientes do banco, o serviço secreto alemão entregou as informações ao fisco alemão que, por sua vez, enviou espontaneamente cópia dessas informações a outros fiscos europeus, e estes países instauraram os procedimentos fiscais para cobrar os tributos que julgavam devidos.

565 Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/AcordosInternacionais/. Acesso em

15/1/2014.

566Conforme apontado no item 5.4, para fins deste estudo, o termo “processo” deve ser compreendido em

seu sentido amplo, englobando as esferas legislativa, judicial administrativa e negocial.

567 MINISTÉRIO DA FAZENDA. Op. cit. p.30. 568

Com efeito, em relação ao conteúdo probatório dos intercâmbios de informações, é preciso estar atento a duas diferentes hipóteses. Na primeira, a prova é ilicitamente coletada pela administração tributária brasileira em atendimento a um pedido de cooperação internacional. No segundo caso, a prova é ilicitamente coletada pela administração tributária estrangeira em atendimento a uma solicitação da RFB.

A partir da diferenciação entre provas ilegítimas e ilícitas é possível vislumbrar que em relação às práticas adotadas pela RFB para a realização do intercâmbio de informações podem apresentar-se ambas as violações, processual e material. Segundo Ada Pellegrini Grinover:

quando a prova é feita em violação a uma norma de caráter material, essa prova é denominada por Nuvolone prova ilícita. Quando a prova, pelo contrário, é produzida com infringência a uma norma de caráter

processual, usa ele o termo “prova ilegítima”. Vê-se daí que a distinção

entre prova ilícita e ilegítima se faz em dois planos. No primeiro enfoque, a distinção diz com a natureza da norma infringida ou violada: sendo esta de caráter material, a prova será ilícita; sendo de caráter processual, a prova será ilegítima. No segundo plano, a distinção é estabelecida quanto ao momento em que se dá a violação, isso porque a prova será ilícita, infringindo, portanto, norma material, quando for colhida de forma que transgrida regra posta pelo direito material; será, ao contrário, ilegítima, infringindo norma de caráter processual, quando for produzida no processo, em violação à regra processual569.

Em relação à ilegitimidade da prova produzida seja pela administração tributária estrangeira, seja pela RFB, é possível que existam ofensas em relação à natureza ou ao momento processual da coleta da prova, tal como a impossibilidade de contraditório e ampla defesa, por exemplo. Do mesmo modo, em relação à ilicitude da prova produzida seja pela administração tributária estrangeira, seja pela RFB, é possível que também ocorram violações quando a prova for colhida de forma que transgrida regra ou natureza posta pelo direito material. Ou seja, quando a conduta utilizada para a obtenção da prova não é admitida pela ordem jurídica porque contraria norma civil, penal ou, sobretudo, princípios constitucionais570.

569 GRINOVER, Ada Pellegrini, Provas Ilícitas. In: O Processo e sua Unidade II. Rio de Janeiro: Forense,

1984. p. 171, apud ROCHA, Sérgio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

570 NEDER, Marcos Vinicius. Aspectos formais e materiais no direito probatório. p. 13-33. NEDER,

Marcos Vinicius; DE SANTI, Eurico Marcos Diniz; FERRAGUT, Maria Rita (Coord.). A prova no Processo Tributário. São Paulo: Dialética, 2010. p. 24.

A utilização da prova ilícita ou ilegítima dá origem a vício passível de invalidar o

processo571. A jurisprudência administrativa tem se manifestado nesse sentido, conforme

se extrai da decisão abaixo:

Prova Ilícita. Decisão fundamentada em prova ilícita, obtida com violações das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, chocam-se com a lei processual vigente e caracterizam a nulidade absoluta da prova. Provimento do recurso para acolher a preliminar de improcedência do lançamento por carência de prova. (Conselho dos Contribuintes acórdão n. 301-28.638)

Os Tribunais Superiores também têm adotado a mesma linha decisória:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO

DE POLÍCIA CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO

DISCIPLINAR. DEMISSÃO. QUEBRA DE SIGILO FUNCIONAL. PROVA ILÍCITA. INVALIDADE.

− O direito constitucional-penal inscrito na Carta Política de 1988 e

concebido num período de reconquista das franquias democráticas consagra os princípios do amplo direito de defesa, do devido processo legal, do contraditório e da inadmissibilidade da prova ilícita (CF, art. 5º, LIV, LV e LVI).

− O processo administrativo disciplinar que impôs a Delegado de

Polícia Civil a pena de demissão com fundamento em informações obtidas com quebra de sigilo funcional, sem a prévia autorização judicial, é desprovido de vitalidade jurídica, porquanto baseado em prova ilícita.

− Sendo a prova ilícita realizada sem a autorização da autoridade

judiciária competente, é desprovida de qualquer eficácia, eivada de nulidade absoluta e insusceptível de ser sanada por força da preclusão.

− Recurso ordinário provido. Segurança concedida.

(RMS 8327/MG, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 24/6/1999, DJ 23/8/1999. p. 148)

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade − à luz de teorias

estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira − para

sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de "conversa

informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente − quando

não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou

da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental − de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório”

sub- reptício, o qual − além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C. Pr. Pen., art. 6º, V) −, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação − nemo tenetur se detegere −, erigido em

garantia fundamental pela Constituição − além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C. Pr. Pen. − importou compelir

o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado

do seu direito ao silêncio: a falta da advertência − e da sua documentação formal − faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça

o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em

“conversa informal” gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta

gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da

conversa telefônica própria por um dos interlocutores − cujo uso como

prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito − mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina − ainda quando livre o seu

assentimento nela − em princípio, parece inevitável, se a participação de

ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao

indeferimento do pedido.

(HC 80949, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 30/10/2001, DJ 14/12/2001)

Embora a questão relativa à inadmissibilidade de provas ilícitas ou ilegítimas esteja superada, ainda existem dúvidas sobre a validade das provas produzidas com base

na quebra do sigilo bancário sem autorização judicial572. Isto porque, como apresentado no item anterior, o assunto é tratado na Lei Complementar n. 105/2001, que autoriza a quebra do sigilo bancário dos contribuintes com base em requerimento direto da autoridade fiscal às instituições financeiras. A dúvida reside no fato de existirem decisões

do STJ573 que entendem como admissível o acesso das autoridades fazendárias aos dados

bancários dos contribuintes, nos moldes do artigo 6º da Lei Complementar n. 105/2001, sem a necessidade de autorização judicial. Ao mesmo tempo, o Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou sobre as Ações Diretas de Inconstitucionalidade impetradas em face da Lei Complementar n. 105/2001, fato esse que teria repercussões diretas no campo probatório relacionado ao intercâmbio de informações tributárias.

5.7. A Irretroatividade da Lei Tributária, o Intercâmbio de Informações e a

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