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A dimensão axiológica da actividade: a convocação de um espaço de valores

CAPÍTULO I ENCONTROS SOBRE A “ACTIVIDADE”: OS CONTRIBUTOS

4. A tradição científica da “abordagem ergológica”

4.4 A dimensão axiológica da actividade: a convocação de um espaço de valores

A dialéctica do “impossível e do invívivel” é retrabalhada pela perspectiva ergológica, atribuindo ao indivíduo em actividade a construção de uma normatividade compatível com a variabilidade encontrada no meio. Mas o contributo da ergologia permite desvelar um outro espaço de penumbra – como é que se propõem essas novas normas na gestão da actividade? Baseadas em que critérios? O que determina as arbitragens que a actividade convoca? O que leva um trabalhador em actividade a fazer opções neste ou naquele sentido? Schwartz (1996) responde dizendo que

atribuímos frequentemente crédito à ergonomia francófona de ter feito emergir um mundo de saberes e de saberes-fazer de experiência (…), o que nos parece correcto. Mas o ponto decisivo não será o de ter feito emergir estes desvios, estas “condutas” industriosas, como decisões, como julgamentos orientados por critérios? (…) A actividade industriosa, como toda actividade humana é arbitragem, portanto relativa a valores… (p. 148, tradução livre)

O trabalho é sempre atravessado por debates de normas e de valores. Se, por um lado, a actividade é determinada por normas antecedentes e, por outro lado, é impossível e invívivel a sua estrita aplicação, instaura-se um debate face às tentativas de renormalização. E é precisamente no confronto com as escolhas a fazer, para tornar viável e vívivel a situação de trabalho, que se convoca um mundo de valores.

Segundo Schwartz (1997; 2000a), podemos distinguir valores ditos “mercantis”, de natureza quantificável, por exemplo, associados à mensuração económica, à rentabilidade, dos valores “sem dimensão”, sem escala métrica, por exemplo,

À semelhança das normas antecedentes, também a influência destes valores precede à actividade de trabalho, pelo que ela não é senão um lugar onde eles são retratados. Construir um equilíbrio entre ordens de valores distintos não é espontâneo, nem evidente. Tratando-se de valores que concebem de maneira distinta a vida colectiva, acaba por se gerar entre estes dois pólos uma tensão problemática, resultante de conflitos de lógicas.

O esquema que apresentamos de seguida ilustra estas tensões, protagonizadas por pólos distintos e as circulações entre si, necessárias à construção de uma relação de equilíbrio. Ele configura o espaço de debates de normas e de valores, nas nossas sociedades mercantis e de direito (Schwartz & Durrive, 2003).

Figura 2. O trabalho como um espaço tripolar (Adaptado de Schwartz & Durrive, 2003, p. 248,

tradução livre).

Por um lado, vemos (ver figura 2) representado o “pólo do mercado” (pólo II), onde se jogam essencialmente valores de carácter mercantil, por outro lado,

 Gestão da segurança/prevenção  Lógicas competência Démarche de qualidade  Condução de projecto ergonomia de concepção  Construção de indicadores de eficácia, painéis de bordo

Gestão de recursos humanos

Construção de

ratios de

produtividade

Escolha dos alocatários de recursos 

Gestão dos serviços públicos 

Direito social, direito do trabalho 

Intervenção do Estado 

na vida das empresas Trocas sociais 

Intervenção dos Estados 

na regulação dos mercados através dos órgãos nacionais

ou supranacionais

Direito comercial 

direito dos negócios

I Pólo das Gestões III Pólo da Politeia II Pólo do Mercado E ixo da a c tiv ida d e h u m a n a Eix o da c on fro nta ção d os d im en sio na me nto s

Eixo da “vivência com os outros” como problema comum I Pólo das gestões

Do trabalho. No trabalho.

As dramáticas de uso de si nas situações de trabalho

stricto sensu.

Temporalidade da construção para um património de experiências de trabalho.

II Pólo do mercado

Ordenado aos valores quantitativos, mensuráveis, mercantis.

Os valores sem dimensão subordinados aos valores mercantis. Gestão económica, financeira, contabilística. Temporalidade volátil das circulações monetárias.

III Pólo da politeia

Orientado aos valores “sem dimensão”

A política, a deliberação dos órgãos da democracia sobre os “bens comuns”. Os valores mercantis teoricamente subordinados aos valores sem dimensão. Temporalidade de longa duração dos princípios constitucionais ordenados aos valores globais da politeia. Problemas dos novos espaços políticos e novas instâncias de regulação, para além dos Estados (ex.: Direito comunitário) ou aquém deles (ex.: poder das Regiões em França).

Eixo da vivência com os outros como problema comum

Integração dos valores sem dimensão nas gestões do trabalho. Retratamento dos valores a partir da actividade.

> Igualdade das pessoas numa sociedade de direito.

Eixo da actividade humana

Submissa à troca mercantil. Espaço de confrontação entre as “gestões do

trabalho” e a gestão por ratios escritos

> Subordinação jurídica e/ou relações hierárquicas

Eixo da confrontação dos dimensionamentos

e das fontes de produção das normas antecedentes: público/mercado.

> O exercício do poder.

? 

Participação directa 

dos assalariados no capital da empresa Fundos de pensão  ?   Gestão da segurança/prevenção  Lógicas competência Démarche de qualidade  Condução de projecto ergonomia de concepção  Construção de indicadores de eficácia, painéis de bordo

Gestão de recursos humanos

Construção de

ratios de

produtividade

Escolha dos alocatários de recursos 

Gestão dos serviços públicos 

Direito social, direito do trabalho 

Intervenção do Estado 

na vida das empresas Trocas sociais 

Intervenção dos Estados 

na regulação dos mercados através dos órgãos nacionais

ou supranacionais

Direito comercial 

direito dos negócios

I Pólo das Gestões III Pólo da Politeia II Pólo do Mercado E ixo da a c tiv ida d e h u m a n a Eix o da c on fro nta ção d os d im en sio na me nto s

Eixo da “vivência com os outros” como problema comum I Pólo das gestões

Do trabalho. No trabalho.

As dramáticas de uso de si nas situações de trabalho

stricto sensu.

Temporalidade da construção para um património de experiências de trabalho.

II Pólo do mercado

Ordenado aos valores quantitativos, mensuráveis, mercantis.

Os valores sem dimensão subordinados aos valores mercantis. Gestão económica, financeira, contabilística. Temporalidade volátil das circulações monetárias.

III Pólo da politeia

Orientado aos valores “sem dimensão”

A política, a deliberação dos órgãos da democracia sobre os “bens comuns”. Os valores mercantis teoricamente subordinados aos valores sem dimensão. Temporalidade de longa duração dos princípios constitucionais ordenados aos valores globais da politeia. Problemas dos novos espaços políticos e novas instâncias de regulação, para além dos Estados (ex.: Direito comunitário) ou aquém deles (ex.: poder das Regiões em França).

Eixo da vivência com os outros como problema comum

Integração dos valores sem dimensão nas gestões do trabalho. Retratamento dos valores a partir da actividade.

> Igualdade das pessoas numa sociedade de direito.

Eixo da actividade humana

Submissa à troca mercantil. Espaço de confrontação entre as “gestões do

trabalho” e a gestão por ratios escritos

> Subordinação jurídica e/ou relações hierárquicas

Eixo da confrontação dos dimensionamentos

e das fontes de produção das normas antecedentes: público/mercado.

> O exercício do poder.

? 

Participação directa 

dos assalariados no capital da empresa Fundos de pensão 

encontramos o “pólo da politeia38”, do domínio “político” (pólo III), atravessado sobretudo por valores não quantificáveis, como o interesse público e a regulação do bem comum. A questão que se coloca é, então, como evitar posições hegemónicas na influência ou domínio de cada um destes pólos?

Cada momento da história configura formas específicas de conflito entre estes valores. Situámo-nos aqui a um nível macroscópico de análise, sem referência contudo à forma como cada um, na sua actividade, realiza arbitragens entre estes valores e estabelece compromissos, o que justifica a referência a um outro pólo, o “pólo das gestões” (pólo I), representado pela actividade humana e, particularmente, pela actividade de trabalho. Estatuto privilegiado concedido ao trabalho ou reparação do lugar que lhe é devido na história? “Se o trabalho ‘contamina’ a história, é preciso seguir as suas infiltrações”, diz-nos Schwartz (1992, p. 7, tradução livre) e, sobretudo, compreender como ela é também construída no quotidiano e a um nível micro de análise:

 entre os pólos II e III observa-se uma tensão permanente, pelo tipo de valores que os configuram, apesar de partilharem uma orientação comum relativamente à actividade: constituem pólos produtores de normas antecedentes, em resultado das relações de poder que representam;

 o pólo I, correspondente à actividade, lugar onde se gerem os conflitos entre as normas antecedentes preconizadas por cada um dos pólos anteriores, e onde se produzem renormalizações que visam ultrapassar, individualmente e colectivamente, o confronto com a dialéctica do impossível/invívivel (Schwartz & Durrive, 2003).

Isto significa, então, que decretar os valores em exterritorialidade, acaba por mutilar a sua dinâmica de retratamento. E se, por um lado, a análise da actividade constitui um meio privilegiado de acesso à variabilidade de situações que ela visa tratar, por outro lado, como produzir conhecimentos a partir dessas singularidades locais?

4.5 A produção de conhecimentos no quadro da abordagem ergológica: a