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CAPÍTULO II NEM TUDO NA MOBILIDADE É EFÉMERO: QUE

3. Desideratos de uma vida móvel: entre mobilidades, transportes, e

4.1 Políticas públicas no domínio dos transportes a diferentes escalas

4.1.3 Articulação das políticas de transportes com outras políticas

As políticas de transportes só poderão prosseguir os seus objectivos através da acção coordenada com outras políticas, como a política de ordenamento do território e de planeamento urbano, ou a política social e da educação (considerando os tempos de trabalho e os horários escolares), como é realçado pelo Livro Branco de 2001 (Comissão das Comunidades Europeias, 2001).

As relações entre serviços de transporte e o uso do solo não se limitam a isto: a requerer o uso do solo para cumprir o serviço que se propõem prestar. Não é este, pelo menos, o ponto de vista que admitimos. Pelo contrário, assumimos que os transportes deixam a sua marca nos lugares onde circulam, “conhecida a sua capacidade para gerar intenções de ocupação do solo” (Pacheco, 1992, p. 6). Trata-se de uma relação de interdependência, uma vez que associado ao crescimento urbano de uma determinada zona exige-se meios de transporte que permitam as deslocações para essa zona e a partir dela e, em consequência da conectividade gerada, promove-se também a expansão urbana (Pacheco, 1992). Com a expansão das redes de mobilidade, nomeadamente na área metropolitana do Porto, a configuração do território foi evoluindo e com ela também a dissolução das relações entre um centro urbano principal, no qual se concentram as actividades económicas, administrativas e culturais, e uma periferia “de castigo”, árida de vida, totalmente dependente do centro e dos meios de acesso que a ele conduzem. É, em grande parte, com o alargamento das redes de transportes que os espaços vão sendo estruturados a diferentes escalas e produzidos aglomerados urbanos secundários apetrechados dos equipamentos sociais básicos, que acabam por desviar algumas das circulações e aliviar o número de interacções com o centro principal (Pacheco, 1992).

A oferta de um serviço de transportes integrado ou intermodal constitui um critério importante na criação de emprego e na atractividade dos territórios. As zonas menos densificadas e com registos de uma baixa procura, onde a dispersão da população exige frequentemente do transporte público circulações mais extensas, parecem condenadas a menores investimentos ao nível dos transportes públicos. A alternativa encontrada em alguns destes contextos, a que se associa uma

população mais dispersa, consiste no “transporte a pedido”83, que se reporta ao transporte de passageiros, em horários e percursos flexíveis, sob o pedido dos seus utilizadores.

À semelhança de outros casos já relatados, também o “transporte a pedido” corresponde a uma espécie de “transmodo”, ou a um modo híbrido, que concilia as vantagens de dois modos comuns de transporte: o táxi e o autocarro. O táxi é um modo de transporte a pedido, mas utilizado de forma exclusiva, não sendo partilhado com outros utilizadores; o autocarro apresenta rotas e horários pré- definidos e não flexíveis, o que, em contextos de baixa densidade populacional, pode levar à realização de troços de viagem sem entrada ou saída de passageiros e potenciar uma diminuição do número de serviços prestados, com custos inequívocos para as populações que deles beneficiam.

Neste tipo de zonas, o transporte a pedido constitui uma boa alternativa, conjugando o transporte colectivo com as necessidades de deslocação especificadas antecipadamente por cada utilizador. Neste caso, as viagens realizam-se sob condição da existência de procura e a intenção de viajar tem que ser previamente manifestada junto do operador do serviço.

O reconhecimento da heterogeneidade que envolve os diferentes espaços de vida faz parte integrante do “Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território”84 (PNPOT, 2007), apresentado como instrumento de desenvolvimento e de promoção da coesão social.

Um dos objectivos estratégicos do PNPOT consiste em “promover o desenvolvimento policêntrico dos territórios e reforçar as infra-estruturas de suporte à integração e à coesão territoriais”. Mais concretamente, alguns compromissos do PNPOT relacionados com o sector dos transportes têm, no âmbito deste objectivo estratégico, os seguintes objectivos específicos e medidas de acção prioritárias:

83

Do inglês, demand responsive transport (DRT) e, do francês, transport à la demande. Em português, para além das referências a “transporte a pedido”, é também utilizada a expressão “transporte por chamada” (Comissão das Comunidades Europeias, 2007).

84

O PNPOT define as opções e objectivos estratégicos em termos de organização do território nacional. Este programa encontra-se organizado em seis objectivos estratégicos, que definem depois objectivos específicos e, dentro destes, medidas prioritárias de acção.

 “Estruturar e desenvolver as redes de infra-estruturas de suporte à acessibilidade e à mobilidade, favorecendo a consolidação de novas centralidades urbanas e de sistemas urbanos mais policêntricos” (p. 39). De entre as medidas prioritárias para a sua operacionalização destaca-se a que se destina a “rever o desenho institucional e a gestão do sector dos transportes nas áreas metropolitanas, implementando autoridades metropolitanas de transportes e melhorando quer a eficiência e coordenação das políticas de transportes, quer a sua articulação com as políticas de ordenamento do território e do ambiente (2007-2010)” (PNPOT, 2007).

 “Promover um desenvolvimento integrado dos territórios de baixa densidade e das zonas rurais ajustado à sua diversidade, considerando em especial as necessidades e a especificidade das áreas mais vulneráveis e despovoadas” (p. 41), tendo designada como medida prioritária para a sua concretização “o desenvolvimento de soluções inovadoras na organização de sistemas de transportes à escala local (municipal/intermunicipal)85 (…) que assegurem níveis elevados de acessibilidade a todos os grupos da população das áreas rurais e de baixa densidade (2007-2013)” (PNPOT, 2007, p. 98).

A intervenção a uma escala mais local é, de facto, imperativa, considerando que é a este nível que os problemas são compreendidos na sua singularidade. Ganha relevância, neste caso, o contributo assumido pelas autarquias ao nível da definição dos sistemas de transporte susceptíveis de dar resposta às necessidades da população, intervindo igualmente ao nível das acessibilidades na área do município e para fora dele.

A transferência de competências no domínio dos transportes para as autarquias locais, tendo em vista a descentralização administrativa e a autonomia do poder local foi estabelecida pela Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro de 1999, que no seu artigo 18.º, nº 1, prevê como competências dos órgãos municipais, o planeamento, gestão e realização de investimentos, no âmbito designadamente: a) da rede viária municipal; b) da rede de transportes regulares urbanos; c) da rede de transportes locais, exclusivamente na área do município; d) da criação e manutenção de estruturas de apoio aos transportes rodoviários (por exemplo,

paragens de autocarro); bem como assegurar os transportes escolares (artigo 19.º, nº 3).

Apesar da importância de uma articulação das políticas de planeamento dos transportes com as políticas de ordenamento do território, na prática nem sempre elas caminham a par. No caso específico dos transportes rodoviários, esta questão é ainda mais evidente, tendo em conta que a sua flexibilidade contribui, por vezes, para secundarizar a importância das políticas de ordenamento do território. Mas, a repartição equilibrada dos serviços de transporte público no território nacional, na tentativa de um tratamento equitativo e de proximidade relativamente às necessidades concretas dos seus utilizadores depende em grande medida das políticas de desenvolvimento territorial, particularmente em zonas consideradas mais frágeis (Némery, 1999).

4.1.4 Síntese intermédia

Antes de avançarmos para uma caracterização do sector dos transportes rodoviários, importa situar as grandes orientações das políticas públicas retratadas no ponto que acabamos de abordar. Estas orientações são identificadas a partir dos compromissos assumidos no âmbito da política europeia, particularmente, da “Política Comum de Transportes” e do Livro Branco da Comissão de 2001, e da política nacional, com referência privilegiada ao Regulamento de Transportes em Automóveis (RTA); à Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres (Lei n.º 10/90, de 17 de Março); ao Plano Estratégico de Transportes de 2011 (em consolidação); e também às directrizes definidas pelo PNPOT (2007) relacionadas com os transportes.

A política comum de transportes, sustenta a livre prestação de serviços em matéria de transportes, ou seja, a liberdade de acesso ao mercado comunitário de transportes, sem discriminação da nacionalidade do transportador. Mas, esta orientação, no caso do transporte colectivo rodoviário de passageiros, aplica-se somente aos serviços ditos ocasionais, ou regulares, mas em ligação com serviços internacionais. Para além disto, esta política prossegue o objectivo de

estabelecimento, ao nível comunitário, de uma mobilidade sustentável86, que passa não só por questões ambientais, mas também pela compensação de desequilíbrios modais do sistema global de transportes. Esta questão da repartição modal constitui uma referência central no conteúdo do Livro Branco da Comissão de 2001, perante a taxa de utilizadores do automóvel nas deslocações quotidianas.

Em contexto nacional, o Regulamento em Transportes Automóveis (Decreto n.º 37272, de 31 de Dezembro de 1948) (em vigor desde 1948, apesar das alterações que foram sendo introduzidas) define o quadro jurídico que regulamenta, ainda hoje, o sector dos transportes públicos em Portugal. A Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres (Lei n.º 10/90, de 17 de Março) constitui uma referência fundamental no que se refere à organização e exploração dos transportes de passageiros urbanos e locais. Neste âmbito, estabelece-se que todos os transportes colectivos em automóveis detêm o epíteto de “serviço público” e são explorados em regime de concessão atribuída pela entidade competente – ministerial ou municipal.

O Plano Estratégico de Transportes, muito recentemente anunciado e, por conseguinte, ainda em fase de consolidação, constitui o documento integrador da política de transportes em Portugal. Neste âmbito são definidas medidas susceptíveis de concretizar os objectivos definidos, no período de 2011-2015. Sistematizaremos, mais à frente, as principais acções consagradas neste Plano, enquadradas na história do sector em Portugal. Não obstante, identificamos duas questões que consideramos importante destacar: a transferência para a iniciativa privada da prestação dos serviços de transportes, fundamentada na procura do equilíbrio operacional do sector, e a outra questão realçamo-la, sobretudo, porque parece ficar na penumbra deste instrumento de decisão – a celebração de novos acordos de empresa sob a justificação de que incorporam “fortes constrangimentos e ineficiências na gestão do tempo de trabalho; um conjunto de ‘direitos adquiridos’ desfasados da conjuntura actual; e desperdício de recursos e sobrecustos para a actividade das empresas” (PET, 2011, p. 40). Merece-nos

reparo, sobretudo, a referência às ineficiências na gestão do tempo de trabalho, sem explicitação de um diagnóstico que fundamente tal injunção.

Finalmente, o PNPOT (2007) que define as orientações para a organização do território nacional e consagra algumas medidas especificamente aos transportes, prosseguindo uma política de “mobilidade sustentável”, através do reforço da utilização do transporte público, a concepção de um sistema de transportes públicos, acessíveis a todos, que promova a coesão social e territorial, e a redução do impacto no ambiente que se agudizou com o recurso crescente ao automóvel.

A nossa referência às políticas públicas face à mobilidade não se esgota aqui, até porque elas são transversais à nossa abordagem do sector. Nesta incursão veremos como as oscilações entre o direito à mobilidade e a prescrição de certas formas de mobilidade inscrevem os discursos, nomeadamente político e académico, de novas problemáticas (Bacqué & Fol, 2007).

4.2 Para uma caracterização do sector: números, discursos e… outros