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CAPÍTULO II NEM TUDO NA MOBILIDADE É EFÉMERO: QUE

5. Uma proposta de síntese das interpelações geradas pelo paradigma de uma

A perspectiva talvez mais transversal neste capítulo traduz-se na afirmação de que a mobilidade e os transportes não podem ser abordados apenas pelos seus efeitos estruturantes, mas também a partir dos seus constrangimentos e tensões e que estes não devem ser alheados das preocupações políticas e dos projectos de desenvolvimento local.

Retomando algumas das questões que corporizam esses conflitos, ao mesmo tempo que procuramos avançar no debate sobre eles, podemos globalmente identificar os que agora sistematizamos:

O direito à mobilidade e as desigualdades e assimetrias por ela produzidas

O direito à mobilidade não é algo de intrínseco a cada indivíduo, ou perfeitamente instituído independentemente dos lugares que se ocupa. O direito à mobilidade não é uniforme e as políticas de transportes, por sua vez, podem contribuir mais ou menos para esta diferenciação, manifestando-se as desigualdades geradas de variadas formas: ao nível do uso de determinados modos de transporte em detrimento de outros; ao nível das condições de acessibilidade às redes de mobilidade; e também ao nível dos indicadores privilegiados nos registos sobre a mobilidade e os transportes que consubstanciam as orientações estratégicas de desenvolvimento do sector.

Mobilidade individual e mobilidade colectiva

Os indicadores de mobilidade registam um aumento significativo das deslocações realizadas quotidianamente. O recurso massivo ao uso do automóvel consubstanciou esta tendência e afirma-se também como protagonista no paradigma de uma “sociedade móvel”, como artefacto da liberdade individual de deslocação no espaço. Mas, esta forma de mobilidade tornou-se vítima do seu próprio sucesso e os seus custos são inequívocos. O investimento na mobilidade colectiva, outrora conotada como “‘pré-moderna’, comparativamente com uma mobilidade individual ‘moderna’” (Mom, 2009, p. 35, tradução livre), reúne consenso nos projectos de intervenção pública neste domínio. Mas, o problema está longe de encontrar uma solução evidente: deverá ou é sustentável a mobilidade colectiva ser concebida tendo a mobilidade individual e as suas vantagens como referência?

Mobilidade generalizada e território

O território é um elemento diferenciador das formas de mobilidade produzidas e é uma categoria de análise cuja importância se foi descobrindo ao longo do nosso trabalho. É, pois, para nós uma categoria cujo sentido se tornou emergente e que, em bom rigor, apesar de ser um truísmo dizê-lo, exigiria que agora se iniciasse este trabalho.

A relação entre esta concepção de “mobilidade generalizada” e a noção de território é duplamente conflitual: em primeiro lugar, a ênfase na mobilidade contribui para que se secundarize o papel do território, reduzindo-o ao de suporte das deslocações no espaço e, em segundo lugar, a mobilidade tem como objectivo promover a ligação entre lugares, continuidade esta que, por vezes, se julga ter como consequência o abandono da noção de “território”;

Mais uma vez, sob a alçada do paradigma de uma “sociedade móvel” reforça-se a ideia de que o projecto futuro da mobilidade visa “uniformizá-la” e indiferenciá-la, seja nos modos utilizados, seja nos territórios atravessados ou, olhando a partir do “interior” do sector, não considerando o estatuto do prestador como um factor determinante de diferenciação dos serviços de transporte.

Temporalidade das mobilidades e mudança social

Alguns autores sustentam que as mobilidades de longa duração seriam as mais susceptíveis de promover mudança social. As mobilidades do dia-a-dia, baseadas em deslocações pendulares, ou seja, quotidianas e passíveis de serem repetidas num outro dia, à mesma hora, num mesmo veículo, durante um período de tempo equivalente, seriam destituídas da importância conferida às primeiras, julgando-as pelo seu potencial efeito desestruturante.

A nossa perspectiva, contudo, é a de que esta leitura é suportada pelo ponto de vista dos que se movem, mas não será diferente se este ponto de vista for deslocado para os que, produzindo a mobilidade, também se movem e se transformam? Como refere Augé (1986), relativamente aos percursos quotidianos e obrigatórios, não escolhemos guardá-los em memória mas, apesar disso, encontramos aqui “o paradoxo e o interesse de toda a actividade ritualizada: recorrente, regular e sem surpresa aos olhos de todos os que a observam ou a ela estão associados de forma mais ou menos passiva, ela é sempre única e singular para cada um dos que nela são mais activamente implicados” (p. 49, tradução livre).

Desigualdades no uso do transporte público na cidade… e nas perifericidades

O alastramento da mancha urbana da cidade em direcção às periferias vai exigindo um compromisso dos transportes públicos de garantia de acessibilidade junto daqueles que ficam a maiores distâncias dos centros urbanos. Esta ligação constitui mesmo uma exigência do funcionamento da própria sociedade. Mas, o imperativo de equidade nas condições de mobilidade, afigura-se ainda um compromisso a construir em determinados territórios, como é especificamente realçado pelo PNPOT (2007), relativamente ao necessário investimento na melhoria das acessibilidades e das condições de mobilidade dos territórios de baixa densidade e das zonas rurais.

A mobilidade e o interesse desta abordagem para as ciências sociais

Ainda que constitua um objecto de análise privilegiado nas áreas da engenharia, da geografia ou da sociologia, é na especificidade da abordagem da psicologia do trabalho que se constrói o nosso quadro de referência. Na verdade, o contributo da nossa tradição científica nesta análise pode ser formulado como um confronto com a alteridade: existem outras dimensões da mobilidade ou pontos de vista que não têm sido adoptados na sua abordagem, e a que procuramos dar visibilidade, nomeadamente, através do estudo de caso que desenvolvemos em contexto real numa linha específica de transportes, como apresentamos no próximo capítulo.