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CAPÍTULO III ANDAR NA LINHA: A ACTIVIDADE DOS MOTORISTAS NUMA

3. Mobilidade colectiva e produção colectiva da mobilidade

3.1 Enquadramento da situação analisada

Este primeiro estudo teve o seu início no trabalho empírico enquadrado no mestrado em Psicologia (Cunha, 2005), tal como apresentamos no cronograma da pesquisa correspondente a este estudo (ver figura 10). Dizemos “início”, uma vez que a evolução da própria situação justificou o regresso ao terreno e criou novas oportunidades de análise, desenvolvidas no âmbito do trabalho de doutoramento.

Figura 10. Cronograma das actividades desenvolvidas no âmbito do primeiro estudo de caso:

análise da actividade dos motoristas numa linha urbana de transportes.

Legenda: Na primeira linha temporal, identificamos as mudanças que ocorreram no sector dos transportes na área metropolitana do Porto (AMP), no período em que desenvolvemos a nossa análise numa linha urbana de transportes, enquadrada no perímetro da AMP. Na segunda linha temporal, assinalamos os dois momentos de análise da actividade nesta linha (no âmbito do mestrado e no âmbito do trabalho de doutoramento). A terceira linha situa temporalmente o período consagrado à pesquisa no terreno, envolvendo no seu dispositivo metodológico, o recurso privilegiado a observações, em contexto real de trabalho, e a entrevistas (realizadas apenas no âmbito do doutoramento).

A análise decorreu, como foi já referido, numa linha urbana, cujo percurso ou cobertura espacial permitem caracterizá-la como uma “carreira tangencial”, isto porque o seu traçado se situa perto do perímetro do centro do Porto, sem no entanto o atravessar (Costa, 2008), ou seja, define-se na periferia deste centro urbano. O desenvolvimento deste tipo de carreiras resulta, como foi abordado no capítulo anterior, do fenómeno de extensão urbana e de uma organização mais policêntrica do sistema urbano.

Foi no período compreendido entre o fim dos anos ‘70 e os anos ’90, que a rede de transportadores privados se distendeu radialmente nos eixos de ligação ao Grande Porto (Pacheco, 1992), contribuindo de modo significativo para o crescimento das zonas que se situavam na periferia desta área. Ora, se inicialmente estas linhas estabeleciam uma ligação directa à cidade do Porto, a difusão da rede de transportes favoreceu o crescimento populacional de outras zonas, contribuindo desta forma para o adensar do traçado de linhas que

DEZ. 2002 NOV. 2005 MAR. 2006 FEV. 2007 NOV. 2003 ABR. 2004 ABR. 2007 FEV. 2008 NOV. 2003 ABR. 2007 DEZ. 2007 FEV. 2004 MAR. 2004 ABR. 2004 JAN. 2008

Pesquisa empírica Mestrado Pesquisa empírica Doutoramento –

“estudo de caso 1”

Metro no Porto Mudanças rede de

transportes: 1.ª fase

Observações em contexto real - Mestrado

Observações em contexto real - Doutoramento Entrevistas - Doutoramento Mudanças rede de transportes: 2.ª fase Mudanças rede de transportes: 3.ª fase

necessariamente pelo seu centro. Isto significa que a rede de transportes explorada pelos operadores privados teve uma importante influência nos fenómenos de periurbanização, da mesma forma que a relativa “autonomização” da maioria dos concelhos limítrofes do Porto criou condições para uma oferta de transportes sustentada. Ainda assim, a rede de transportes nas zonas periurbanas continua a ser considerada secundária relativamente à complexa rede do centro urbano do Porto, em que a oferta é mais diversificada e não tão centrada no autocarro.

Esta situação caracteriza bem o contexto correspondente ao traçado da linha que analisámos. Além disso, trata-se de um percurso cuja exploração é partilhada por três operadores distintos, dois dos quais privados e um público, cuja caracterização (relativamente à actividade nesta linha) é apresentada mais à frente). Convém, no entanto, relembrar que a nossa análise foi conduzida a partir, sobretudo, da actividade dos motoristas numa das empresas privadas referidas115.

Encontramos aqui a questão da diferença de estatuto das empresas prestadoras destes serviços de transporte. Mas, sustentar a análise com base nesta “antítese estereotipada” (Rosanvallon, 1987, p. 305, tradução livre), correria o risco de nos fazer antecipar a “posição a partir da qual uma perspectiva crítica pode ser desenhada” (Rosanvallon, 1987, p. 305), mesmo se a evolução do sector não torna extemporânea a consideração deste critério na análise da actividade dos motoristas.

Efectivamente, até ao início dos anos ‘90 era mais ou menos evidente a actuação diferenciada dos operadores em função do seu estatuto, como o enuncia o texto de Pacheco (1992) desse período:

(…) [se ao operador público] cumpre adequar os seus percursos e frequência das carreiras às necessidades da população, subalternizando, na medida do possível, o lucro

115

Importa referir que, apesar de a análise ter sido conduzida de forma privilegiada a partir do ponto de vista dos motoristas desta empresa, havia já da nossa parte um conhecimento anterior das duas outras empresas, tendo em conta a sua participação na amostra do primeiro projecto de investigação que desenvolvemos neste sector de actividade. Este projecto, cujo título era “Organização do trabalho e saúde ocupacional no sector dos transportes: um contributo para a transformação das condições da actividade profissional dos motoristas”, decorreu no período de Março de 2002 a Setembro de 2003, com o apoio do já extinto “Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho” (ex-IDICT, designando-se actualmente por “Autoridade para as Condições de Trabalho” – ACT).

em favor da prestação de um serviço à sociedade, no que toca às empresas privadas tal já não acontecerá de forma tão linear. Por força do desempenho de uma actividade económica, [este] operador dirige o seu cálculo empresarial para a obtenção do lucro, atendendo às condições da oferta e da procura. (p. 33)

Este cenário não é assim tão distante daquele que encontrámos nas análises desenvolvidas na linha seleccionada, mas essa compreensão exige uma abordagem da sua história e a referência aos seus protagonistas.