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PARTE I – ORGANIZAÇÃO, GÉNERO E LIDERANÇA

4. A F EMINIZAÇÃO DA P ROFISSÃO D OCENTE

Revestido de razões históricas e culturais, o fenómeno de feminização do ensino dá-se um pouco por todo o mundo, embora seja mais notório nos países latinos. Este facto deve- se à tímida expressão que os movimentos feministas aí tiveram e que contribuiu para que a imagem social da mulher continuasse ligada ao cuidado da casa e dos filhos.

Neste sentido, o exercício da docência apresentava-se como uma profissão talhada para as mulheres. Por um lado, a flexibilidade horária permitia que o cuidado do lar e dos filhos não fosse descurado. Por outro lado, a mulher exercia fora de casa uma função que não lhe era alheia: o cuidado de crianças.

Apesar das múltiplas tarefas desempenhadas pelas professoras, de cariz demorado e trabalhoso, quer em casa quer na escola, o seu esforço não foi reconhecido nem valorizado. Pelo contrário, ergueram-se vozes que viram na feminização do corpo docente um dos factores que contribuíram para o desprestígio daquela profissão.

4.1.RAZÕES DE UMA ESCOLHA

Sendo que “o corpo docente português, no global, é constituído maioritariamente por mulheres” (Vieira, 2003: 107) interessa apurar as razões que as levam a escolher esta profissão. Segundo Grumet (1988), “em muitos aspectos, as estruturas temporais do ensino assemelham-se às rotinas da domesticidade. Fluidos e ubíquos, o trabalho doméstico e as crianças exigiram que as mulheres aceitassem padrões de trabalho e tempo que não têm fronteiras” (Grumet, 1988: 86 cit. in Vieira, 2003: 95). A imagem profundamente enraizada da mãe no lar, cuidando de ascendentes e descendentes, contribui para a escolha de uma profissão onde não exista patrão e onde exista flexibilidade horária, como é a de professora. Referindo-se à escolha da profissão de professora e ao perpetuar das tarefas domésticas na escola e vice-versa, Simón (2000) acrescenta que “Las profesoras han elegido muchas veces esta profesión por los horarios y las vacaciones, que les permitirán andar todo el día enredadas entre la escuela y la casa: a la escuela trasladan tareas domésticas y a casa tareas profesionales” (Simón, 2000: 36).

Conforme refere Bernardino (1997), Léon (1980) considera que a ideia de vocação para o ensino pressupõe uma capacidade inata, ao mesmo tempo que apela para uma dimensão religiosa e consequente espírito de sacrifício. Baseando-se nos estudos de Berger (1964), o autor conclui que a vocação como motivação para docência é referida por 29% dos professores e 44% das professoras. Contudo, a vocação enquanto motivação para a escolha de uma profissão é revestida de ambiguidade, visto que é “uma explicação cómoda, porque passional e confusa… Acreditar que se é feito para determinada profissão é frequentemente tomar os seus desejos por realidades. Nada é mais mistificador do que a função de professor” (Mandra, 1984 cit. in Breuse, 1988: 400). É neste sentido que Bonboir (1988) define três categorias para agrupar os jovens segundo as suas escolhas profissionais (Bernardino, 1997: 21):

i) Jovens que gostam do universo das coisas, da matéria a trabalhar; ii) Jovens que se interessam mais pelas pessoas;

iii) Jovens que procuram essencialmente na profissão uma fonte de segurança.

A partir desta classificação, facilmente concluímos que os jovens que optam pelo ensino se integram na segunda categoria pois interessam-se pelas pessoas e, consequentemente, sentem a necessidade de desenvolver certas relações com o outro.

Segundo Bernardino (1997), Gosselin (1984) sistematizou as diferentes motivações conducentes à escolha da profissão docente da seguinte forma (Bernardino, 1997: 21-22):

i) Motivações relacionadas com as condições laborais, tais como férias de longa

duração, horários compatíveis com a vida familiar;

ii) O facto de ter docentes na família, o que actuaria como factor orientador dos

próprios interesses;

iii) Pressupor um factor de elevação do próprio estatuto, para sujeitos provenientes de

ambientes modestos e de meios rurais;

iv) Um refúgio tranquilizador para pessoas pouco amadurecidas que, temendo enfrentar

as responsabilidades do mundo adulto, encontrariam na relação com a infância um escape para as suas tensões;

v) O facto de haver fracassado na tentativa de seguir outros estudos universitários; vi) A necessidade de satisfazer uma falta de afectividade na própria biografia pessoal

que se espera seja colmatada através das relações humanas que propicia o ensino. Falando do caso concreto das mulheres, Huberman (1989) considera que estas tendem a considerar o ensino como uma missão social mais do que uma carreira que garante prestígio e formação. Aludindo a Lortie (1975), Bernardino (1997) refere que não raras vezes as professoras referem como motivações para a escolha da sua profissão o desejo de servir os outros e o gostar de crianças. Assim, existem profundos condicionalismos socioculturais que influenciam a escolha da profissão docente por parte das mulheres. De certa forma, estas não optam, mas como que são empurradas para o desempenho das funções inerentes à profissão. Segundo Gilbert (1980), “a mulher ocupa actualmente o lugar que o homem deixou livre na escola, atraído por profissões mais prestigiosas…” (Gonzalez e Garcia, 1993: 92).

4.2.FEMINIZAÇÃO DO ENSINO E DESPRESTÍGIO DA FUNÇÃO DOCENTE

Relegada para o género feminino, a profissão docente vai sendo cada vez mais desvalorizada, revestindo-se de desprestígio. Com efeito, “A feminização implica, de um modo geral, diminuição salarial e deterioração do estatuto remuneratório contribuindo, também, para a degradação do estatuto socioprofissional… O menor prestígio atribuído a profissões exercidas por mulheres, não só em termos remuneratórios, mas também sociais mais vastos, tem afectado o prestígio dos professores em geral” (Braga da Cruz et al, 1988: 1197). Neste sentido, diversos autores partilham a ideia de que a feminização do corpo docente é uma das variáveis que concorre para o desprestígio da mesma (Abraham, 1987; De Landsheere, 1979; Vila, 1988).

Das várias investigações levadas a cabo neste domínio, a de Braga da Cruz et al (1998) levou à conclusão que, numa lista decrescente de vinte profissões, a de professor do ensino secundário se situava em décimo quinto lugar. Por outro lado, o professor primário é aquele a quem ainda é reconhecido maior prestígio. Segundo os autores, as razões apontadas para este desprestígio são as seguintes, por ordem decrescente de grau de

importância: os baixos salários, a mobilidade geográfica, a diminuição de autoridade nas

escolas, as condições de funcionamento das escolas e a crescente falta de segurança de emprego.

Este desprestígio é sentido de diferentes formas por homens e mulheres. Se, por um lado, as mulheres estão menos insatisfeitas com o seu estatuto do que os homens (Vila, 1988), por outro, a passividade é menos notória nos professores do que nas professoras, que não revelam interesse por actividades fora da escola e não ousam avançar nos postos de tomada de poder (Abraham, 1986). A existência de certos estereótipos, enraizados em diferentes culturas e sociedades, condiciona o acesso e exercício de cargos de liderança de topo por parte das mulheres. Assim, a passividade feminina face a este tipo de cargos, para além de favorecer os homens, serve os seus interesses. Com efeito, “os traços mais negativos do estereótipo feminino, os de submissão e dependência, são particularmente úteis aos sujeitos do sexo masculino para antecipar o seu sucesso sobre as parceiras do sexo oposto” (Amâncio, 1993: 301). Coleman (2005) refere que a maioria dos homens não questiona este status quo que lhes é favorável, ao passo que muitas mulheres simplesmente aceitam as coisas como estão (Coleman, 2005: 17). A autora é de opinião que, para viver numa sociedade de diversidade e pluralista, é necessário que se tenham em conta todas as perspectivas em vez de confiar apenas na perspectiva predominante.

Díez et al (2003) consideram que o acesso de mulheres a cargos de direcção é uma condição essencial para que se pratique a igualdade entre géneros nas organizações. Os autores referem que caso esta directiva não se siga nas organizações escolares, estará a contribuir-se para que se acentuem as desigualdades entre géneros. Na sua opinião, os alunos aprendem não só o que se lhes transmite mas também o que vêem pôr em prática. Apoiando-se em Al Khalifa (1989), os autores consideram que o facto da teoria de gestão ter sido adoptada nas escolas fomentou a possibilidade de associação de conceitos como

liderança e masculinidade bem como liderança e hierarquia.

Socorrendo-se de Kaufmann (1996), Díez et al (2003) consideram ainda que as mulheres são mais emotivas do que os homens e que transportam essa emotividade para o trabalho. Os autores acrescentam que se espera que as mulheres sejam mais humanas do que os homens. No entanto, salientam que a história nos dá exemplos de mulheres que, investidas de poder, são mais duras e implacáveis do que os homens, apresentando o exemplo de Margaret Tatcher. Aludindo a Coronel (1996), os autores justificam esta atitude com o facto das mulheres só triunfarem nas esferas de poder quando se imiscuem no mundo masculino e se superam aos seus colegas homens nas suas características, afastando-se das características femininas. Além disso, as mulheres são mais vulgarmente alvo de críticas pessoais do que os homens, mesmo com actuações idênticas.

Segundo Carrasco Macías (2003), estudos recentes apontam no sentido da mulher possuir capacidades comunicativas e sociais mais adequadas para as exigências de

organizações participativas e democráticas. Estas experiências mostram que o trabalho desenvolvido por mulheres é diferente do dos homens. O exercício de autoridade é mais “multidireccional e multidimensional” (Carrasco, 2003: 4), propiciando o desenvolvimento de comunidades baseadas em valores e acções colectivas. A autora considera ainda que o exercício do poder nas escolas já não é só mandar, mas antes solucionar problemas, ajudando os outros a alcançar os seus fins. Esta nova concepção de liderança pressupõe a redefinição da concepção de papéis masculinos e femininos, que deve ser menos estereotipada. Na sua opinião, um líder masculino pode ter uma liderança feminina e vice-

versa. A chave para esta mudança de mentalidade na escola começa na colegialidade entre

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