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PARTE I – ORGANIZAÇÃO, GÉNERO E LIDERANÇA

4. I MAGENS O RGANIZACIONAIS DA E SCOLA

4.1. A E SCOLA COMO D EMOCRACIA

Os modelos democráticos surgem na década de 60, assentes nas filosofias sobre as relações humanas, que consideram que o” homem é um ser essencialmente social” (Teixeira: 1998: 120). À luz destes modelos, cujo foco de análise é a colegialidade da decisão, as “organizações existem não apenas para cumprir objectivos formais mas também para servir as necessidades das pessoas” (Sá, 1997: 73).

É nesta linha de pensamento que surgem várias teorias propostas por distintos investigadores, que ganharam maior ou menor relevo.

McGregor (1960) confronta duas posições antagónicas relativas ao comportamento das pessoas. Por um lado, a Teoria X, mais pessimista, segundo a qual “as pessoas encaram o trabalho como um sacrifício a evitar” (Teixeira, 1998: 13). Por outro lado, a Teoria Y, mais optimista, que pressupõe que os indivíduos encaram o trabalho com naturalidade, assumindo responsabilidades e praticando o auto controlo. Segundo McGregor (1960), o líder desenvolve uma determinada forma de percepcionar os membros da organização, consoante se posicione na Teoria X ou na Teoria Y4. Assim, a tomada de decisão é condicionada por um conjunto de assunções, crenças ou ideias que o líder tem face aos membros da organização.

A fim de explicar o processo de motivação do indivíduo, Maslow (1954) e Herzberg (1966) propõem Teorias das Necessidades. Segundo esta lente teórica, a melhor forma de explicar a motivação dos indivíduos passa pela satisfação das suas necessidades.

4 Segundo Teixeira (1998), a visão do líder que se posiciona na Teoria X, face aos seus liderados, é a seguinte: “as pessoas,

de modo geral, não gostam do trabalho e evitam-no, se possível; porque não gostam de trabalhar, têm de ser coagidas, controladas, dirigidas e até ameaçadas; de modo geral, não têm ambições, evitam assumir responsabilidades e procuram segurança e recompensas económicas, acima de tudo; a maior parte das pessoas não tem capacidade criativa e é resistente às mudanças; na maior parte dos casos, os trabalhadores preocupam-se fundamentalmente consigo próprios e não com os objectivos da organização” (Teixeira, 1998: 122). Por oposição, o líder que se posiciona na Teoria Y percepciona os membros da organização da seguinte forma: “os empregados encaram o trabalho duma forma tão natural como o prazer e o descanso; as pessoas são capazes de se auto dirigir e auto controlar se estiverem empenhadas na prossecução de objectivos; o grau de empenhamento das pessoas no cumprimento dos objectivos da organização geralmente depende da ligação cumprimento dos

objectivos/recompensas; a generalidade das pessoas, sob condições apropriadas, está disposta a aceitar e até a procurar

Maslow (1954) desenvolveu o conceito de pirâmide das necessidades agrupadas segundo uma hierarquia de cinco níveis: fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e de

auto-realização. Os dois primeiros níveis referem-se a necessidades primárias, enquanto

que os três seguintes constituem as necessidades secundárias. A satisfação das necessidades secundárias, e consequente motivação, implica a satisfação prévia das necessidades primárias.

Por sua vez, Herzberg (1966) identificou duas classes distintas de factores que, no seu entender, condicionam o comportamento do indivíduo na organização: os factores higiénicos (que têm cariz profiláctico, por reduzirem ou anularem a insatisfação) e os factores

motivacionais (que contribuem para a satisfação e, por isso, são capazes de gerar

motivação).

Embora as teorias destes autores tenham diferentes matizes, é possível estabelecer uma equiparação entre ambas, tendo em linha de conta que se referem às necessidades do indivíduo enquanto membro da organização5. A satisfação destas necessidades é essencial para que o indivíduo se sinta motivado e tenha um melhor desempenho.

Costa (2003) afirma que é neste desenho organizacional, assente na teoria das Relações Humanas, que se fundamenta a “imagem democrática da escola” (Costa, 2003: 61). As pessoas e os grupos são valorizados, bem como a sua satisfação pessoal, a participação e a cooperação, em detrimento duma visão mecanicista da organização. O autor refere-se a Dewey (1959) como um precursor desta concepção de escola, constituindo a sua obra um marco do desenvolvimento desta filosofia. Sendo um reflexo da sociedade democrática, a escola deve projectar também a sociedade democrática que, no opinar de Dewey (1959), é a sociedade ideal. Com efeito, o autor defende que “[…] deveremos criar nas escolas uma projecção do tipo de sociedade que desejaríamos realizar; e, formando os espíritos de acordo com esse tipo, modificar gradualmente os principais e mais recalcitrantes aspectos da sociedade adulta” (Dewey, 1959: 349-359 cit. in Costa, 2003: 62). A transmissão aos alunos da aprendizagem da democracia depende do exercício da democracia no espaço escolar, pelo que é necessário “fazer da escola um modelo de prática democrática” (Delors, 2003: 53).

Partilhando esta opinião, Santos Guerra (2002) assume-se defensor duma escola democrática e participada, citando Gómez Llorent e Mayoral Cortes (1981) que afimam: “do ponto de vista político, não temos dúvidas de que numa sociedade democrática a instituição escolar deve ser um instrumento de difusão de valores democráticos e modelos de convivência e gestão participativa” (Gómez Llorent e Mayoral Cortes, 1981 cit. in Santos Guerra, 2002: 166).

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Teixeira (1998) apresenta um esquema onde é possível comparar os modelos de motivação de Maslow (1954) e Herzberg (1966). Nele é possível observar que as necessidades fisiológicas, de segurança e sociais propostas pelo primeiro autor equivalem aos factores higiénicos do segundo autor, ao passo que as necessidades de estima e de auto-realização, também

Costa (2003), numa alusão a Rocha (1998), menciona que, nesta perspectiva, as escolas apresentam-se ao serviço da sociedade, sendo capazes de veicular a mudança social, visto que se constituem modelos em miniatura da sociedade em geral. O mesmo autor refere que no país vizinho, onde esta temática tem ganho maior expressão, os estudos de Dewey (1959) contribuíram para o culminar das concepções de educação personalizada (Garcia, 1975; Moreno, 1978), onde as pessoas são tidas em primeira linha de conta, bem como de escola comunidade educativa (Muñoz e Roman, 1989; Moreno, 1978; Lorenzo, 1985), que não é mais do que a transposição da concepção anterior para as escolas.

Segundo Costa (2003), também em Portugal a visualização da escola enquanto

comunidade educativa tem ganho expressão, sendo defendida por diversos autores

(Formosinho, 1989; Nóvoa, 1990; Sarmento e Formosinho, 1992). Neste sentido o autor sublinha a posição de Formosinho (1989: 53-63) na defesa da escola concebida com base em princípios como a autonomia, a participação, a responsabilização e a integração.

Já a corrente relativa à gestão democrática das escolas desenvolveu-se após o 25 de Abril e consiste na aplicação do modelo democrático à gestão das escolas.

A aproximação entre a imagem da escola como democracia e o modelo de gestão

democrática das escolas assenta nos seguintes aspectos, assim referidos por Costa (2003:

69-70):

i) É um modelo de gestão sustentado por uma imagem fortemente normativa; ii) É defendida a autoridade profissional da classe docente;

iii) A constituição de órgãos e a tomada de decisões é feita de forma colegial e tem

como base o modelo da representatividade formal.

O autor alerta-nos ainda para o facto deste modelo organizacional ser profundamente normativo, revisitando os cinco indicadores caracterizadores do modelo democrático propostos por Bush (1986) com o objectivo de clarificar a imagem da escola como democracia (Costa, 2003: 70-71):

i) O modelo de organização é fortemente normativo - valores e crenças que o

justificam são percepcionados como verdadeiro e necessário, independentemente da sua comprovação empírica;

ii) É reclamada a autoridade profissional dos professores tendo como base a sua

competência especializada;

iii) Existe um conjunto de valores perfilhado pelos membros da organização e que

guiam o seu funcionamento, sendo transmitidos através do fenómeno de socialização;

iv) Os órgãos de gestão devem ser ocupados como resultado de processos eleitorais e

por isso a tomada de decisão deve ser participada;

v) As decisões tomadas devem ter como objectivo final o consenso e as situações de

Salientando a importância deste modelo quanto à tomada de decisões e gestão participativa, a O.C.D.E. (1992) refere: “Não se pode, é evidente, deixar à mercê de uma só pessoa a responsabilidade de tomar várias decisões importantes; as maiores prerrogativas e a autonomia prorrogadas às autoridades escolares locais não podem funcionar sem uma participação de todos os interessados; os docentes, os pais, e, a partir de uma determinada idade, os alunos, a fim de suscitar o desejo de um esforço concertadamente empreendido” (O.C.D.E., 1992: 147).

Como filosofia de participação escolar na e para a democracia, Santos Guerra (2002) defende a participação de actores educativos externos à escola. Na sua opinião, estes actores podem mais facilmente garantir a lógica, a racionalidade e a justiça de toda a actuação educativa. O autor pleiteia que a participação, ao provocar o debate, é frutífera para a escola enquanto instituição democrática e democratizadora.

Assim, o mesmo autor apresenta um conjunto de paradoxos da instituição educativa que se traduz numa mentalidade bastante enraizada e que impede uma participação de todos os actores educativos na e para a democracia (Santos Guerra, 2002: 167-170):

i) A escola é uma instituição hierárquica que pretende educar na e para a democracia; ii) A escola é uma instituição heterónima que pretende desenvolver a sua própria

autonomia e a dos indivíduos;

iii) A escola é uma instituição para a vida e, por sua vez, para o mundo dos valores; iv) A escola é uma instituição com abundantes normas que pretende desenvolver a

participação;

v) A escola é uma instituição transmissora que pretende transformar a sociedade; vi) A escola é uma instituição de recrutamento forçado que pretende educar em

liberdade;

vii) A escola é uma instituição com uma concepção epistemológica de carácter

hierárquico que pretende desenvolver a criatividade;

viii) A escola é uma instituição sexista que pretende educar na igualdade;

ix) A escola é uma instituição fortemente escalonada que pretende desenvolver a

democracia educativa;

x) A escola é uma instituição composta por adultos que forma pessoas de idades

inferiores;

xi) Uma alegada neutralidade colide com a rede de interesses pessoais e sociais e com

uma disputa ideológica e axiológica mais ou menos camuflada;

xii) Embora os profissionais do ensino estejam preparados para o domínio das

disciplinas, acabam por encontrar, de imediato, demandas e exigências que têm a ver com aspectos referentes à educação, aos valores, à gestão democrática, … Em suma, podemos dizer que a imagem da Escola como Democracia é participada na tomada de decisões, que se quer colegial e consensual. Os comportamentos informais e o

estudo do comportamento humano são valorizados através do recurso a técnicos especializados para a correcção dos desvios, a promoção de uma visão harmoniosa e consensual da organização e o desenvolvimento de uma pedagogia diferenciada.