• Nenhum resultado encontrado

O Japão Moderno

1.14. A Esfera da Co-Prosperidade da Grande Ásia Oriental

No final de 1942 o império japonês tinha adquirido um domínio formal e informal de mais de 34-35 milhões de pessoas povoando uma vasta área, desde as ilhas Salomão no meio do Pacífico até a fronteira da Birmânia com a Índia e desde a floresta de Nova Guinéa até a costa gelada de Attu e Kiska” (DUUS 1996:xii apud SUZUKI 2003:9). Ao adquirir as áreas além das fronteiras do mundo oriental, o Japão encontrou um sério problema ideológico para legitimar sua expansão colonial. A noção de dōbun dōshu 同文同種 22 [ cultura comum, raça comum ] foi uma justificativa persuasiva para a dominação colonial

na era Meiji. Os japoneses compartilhavam com seus vizinhos no Nordeste da Ásia o sistema de escrita, religião, tradições filosóficas e fenotipia em comum. Ao enfatizar especialmente a comunalidade cultural, o Japão tentou integrar a Ásia Oriental. Contudo, quando o Império Japonês passou a incorporar mundos culturais mais distantes como o Sudeste Asiático, o dōbun dōshu deixou de ser aplicável para a dominação (ibid: xxi). Como uma espécie de resolução para este paradoxo, foi proposta “A Grande Esfera da Co- Prosperidade da Ásia Oriental” [ Dai Tōa Kyōeiken 大東亜共栄圏 ].

Segundo Bill GORDON (2000), o Primeiro Ministro japonês MATSUOKA Yōsuke [ 松

岡洋右 ] (1880-1946) anunciou a idéia da Esfera da Co-Prosperidade da Grande Ásia

Oriental (doravante referimo-nos a ela como “Esfera da Co-Prosperidade”) em agosto de 1940. Contudo, as raízes da Esfera da Co-Prosperidade se remetem a muitos anos antes desse anuncio formal. Os japoneses imaginaram a Esfera da Co-Prosperidade como um bloco autárquico de nações asiáticas lideradas pelos japoneses e livre das potências ocidentais.

A idéia de superioridade cultural japonesa sobre as outras raças asiáticas foi exposta no início do século XIX e cresceu intensamente até o final da Segunda Guerra Mundial. Por exemplo, o famoso educador FUKUZAWA Yukichi 福沢諭吉 (1834-1901) escreveu “A Missão do Japão na Ásia” em 1882 para apoiar a idéia de imperialismo japonês e o ‘Destino Manifesto’ do Japão para liderar a Ásia. No início do século XX, muitos grupos e escritores ultranacionalistas, como a Sociedade do Dragão Negro [ Kokuryūkai 黒竜会 ] 23 e Kita Ikki [ 北一輝 ]24 (1883-1937), ganharam uma grande popularidade com suas visões

23 A Sociedade do Dragão Negro [ Kokuryūkai 黒竜会 ] foi um grupo da direita, ultranacionalista e

paramilitar no Japão. Seu nome deriva do Rio Amur, na China, chamado de Heilongjiang ou “Rio do Dragão Negro”. Ela foi fundada em 1901 por UCHIDA Ryōhei [ 内田 良平 ] e surgiu a partir de Gen’yōsha [ 玄洋社 ] ou Sociedade do Oceano Negro. Uchida foi o discípulo do fundador do Oceano Negro, TOYAMA Mitsuru [ 富

山みつる ]. Antes da Primeira Guerra Mundial e Segunda Guerra Mundial, os Dragões Negros foram infames

pelas suas práticas de espionagem, sabotagem e assassinatos no Japão, China, Rússia, Manchúria e Coréia. O grupo, junto com outros do gênero, ajudaram a preparar o terreno para as futuras organizações criminosas de yakuza no Japão. O colapso do governo democrático do Japão nos anos 1920 pode ser atribuído às frentes agressivas praticadas por essas sociedades patrióticas. Além disso, alguns argumentam que o envolvimento do Kokuryūkai foi de grande importância para levar o Japão à Guerra do Pacífico (1937-1945), especialmente em relação à Segunda Guerra contra a China. (in Wikipedia, palavra-chave: ‘Kokuryukai’ / ‘Black Dragon Society’, URL (acessado 11/07/2007): http://en.wikipedia.org/wiki/Kokury%C5%ABkai )

24 K

ITA Ikki 北一輝 (1883-1937) foi um autor e intelectual japonês. Ele era um crítico da democracia japonesa, dizendo que ela tinha sido corrompida pelos valores ocidentais. Acreditam que a atitude agressiva

de que os japoneses deveriam liderar a Ásia para expulsar as potências estrangeiras, pela guerra se necessário. Muitos desses grupos ultranacionalistas acreditavam que a pureza moral da raça Yamato e a ancestralidade única do Japão como descendente da Deusa Sol Amaterasu qualificava e justificava os japoneses liderarem a Ásia. Como já foi dito, o Japão veio a ser o primeiro país asiático a derrotar uma potência ocidental, os russos, na Guerra Russo-Japonesa de 1904-5, o que fez aumentar a confiança do Japão no seu destino de liderar a Ásia.

As razões econômicas desempenharam um importante papel no anúncio do Japão sobre a Esfera da Co-Prosperidade em 1940. O Japão queria as matérias-primas da Ásia Oriental como o petróleo das Índias Orientais Neerlandesas (atual Indonésia) e a borracha da Indochina (atual Vietnã) no sentido de suprir e manter a sua indústria manufatureira e militar na China. O embargo americano de petróleo e de carregamento marítimo de aço ao Japão e outras restrições sobre carregamento marítimo de matérias-primas impostas por nações ocidentais levaram os líderes japoneses a buscarem recursos nos países asiáticos para assegurar a auto-suficiência do Japão. Os outros países asiáticos da Esfera da Co- Prosperidade também serviam de mercados exportadores para o Japão escoar seus bens manufaturados, bem como proporcionavam terras para a sua população.

Além dos fatores culturais e econômicos, as ambições políticas internacionais do Japão também levaram à formação da Esfera da Co-Prosperidade. Desde o final do século XIX, os líderes japoneses acreditavam que eles tinham tanto direito quanto as potências ocidentais de adquirir e manter colônias na Ásia. O Japão considerava as colônias como pré-requisitos para alcançar o prestígio internacional e se tornar um país de primeira classe ( ittō koku 一等国 ). Os países imperialistas ocidentais também subjugaram o Japão através de uma série de atos coercivos, insultos e provocações, que causaram uma inflamada ira entre os japoneses. Por exemplo, [1] na Conferência Naval de Washington em 1921-22, forçaram o Japão a aceitar a divisão de navios de guerra desfavorável para eles, de 5:5:3 para os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, respectivamente. [2] Em 1919, na Conferência de Paz de Paris, os países ocidentais rejeitaram o acordo japonês demandando uma cláusula de igualdade racial na Liga das Nações. [3] Em 1924, os Estados Unidos aprovaram a Lei

anti-ocidental de Kita tenha sido uma das inspirações para o ataque do Japão Imperial no Pearl Harbor durante a Segunda Guerra Mundial. (in Wikipedia, palavra-chave: ‘Kita Ikki’, URL (acessado 11/07/2007):

de Exclusão de japoneses para findar a imigração japonesa aos Estados Unidos. Esta série de eventos internacionais significou uma afronta ao orgulho japonês e a seu status de potência, preenchida com sentimentos militaristas e finalmente, levou o Japão a atacar as potências ocidentais para estabelecer a ‘Esfera da Co-Prosperidade’.

Os líderes japoneses usaram a Esfera da Co-Prosperidade na sua propaganda para as pessoas tanto do Japão quanto de outros países asiáticos. Os líderes falavam de “Ásia para os asiáticos”, da necessidade de se liberar os países asiáticos das mãos das potências imperialistas ocidentais e co-prosperidade econômica para as nações-membro do bloco autárquico. Como o Japão ocupou vários países asiáticos, eles estabeleceram governos junto com os líderes locais que proclamaram independência das potências ocidentais.

Os países ocupados logo perceberam que a realidade da Esfera da Co-Prosperidade era bem diferente da propaganda tão disseminada. Os governos locais estabelecidos pelos japoneses se tornaram um regime de fantoches em que os japoneses tomavam todas as decisões importantes. Os japoneses tiveram uma grande insolência e desdém para com a população local e impuseram um programa de “japonização” sobre a população com pouca ou nenhuma consideração pelos costumes e crenças locais. Muitos povos nativos desses países asiáticos sofreram e morreram no trabalho forçado, tortura e execução. A Esfera da Co-Prosperidade se tornou uma outra forma de imperialismo opressivo onde antes havia a imposição imperialista das nações ocidentais. Veja a seguir um exemplo de propaganda imperialista japonesa na Figura 1. Trata-se de um Pôster da Esfera de Co-Prosperidade, cujo lema é: “Com a ajuda do Japão, China e Manchúria, o mundo pode estar em paz”. Observe o garoto do meio que segura a bandeira japonesa e usa vestimenta ocidental e “moderna”, enquanto as outras duas crianças laterais, com as bandeiras da Manchúria (bandeira amarela com detalhe no canto superior esquerdo) e Coréia Imperial usam vestimentas orientais. No conjunto, a mensagem é de que é preciso que a Ásia se una desde que o Japão seja o líder.

Figura 1 – Pôster da Esfera de Co-Prosperidade:

“Com a ajuda do Japão, China e Manchúria, o mundo pode estar em paz.”

Fonte: Wikipédia. URL (acessado em 26/04/2006):

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/1/1d/Manchukuo01 1.jpg.

Como disse Mark PEATTIE (1984:15), a ironia e a tragédia do caso japonês foi que,

na sua fase final, o Império colonial incluiu o pior e as questões raciais mais contraditórias de ambos os padrões. A retórica do dōbun dōshu 同文同種 [“mesma cultura, mesma raça”] foi usada não apenas para os colonizados mas também para as potências ocidentais no sentido de justificar o controle japonês na Ásia, especialmente no projeto da Esfera da Co-Prosperidade. A hipocrisia da retórica do dōbun dōshu era que a “dominação dos asiáticos pelos caucasianos era colonização, mas a dominação dos asiáticos pelos asiáticos era liberação colonial” (DUSS 1996:xxxix). De acordo com ISHIDA (1998:162), a lógica por trás do dōbun dōshu era de dupla face: uma era a afirmação do Orientalismo 25 ao declarar a sua superioridade e legitimar seu controle sob o nome da “missão civilizatória”; simultaneamente, contudo, estava claro um desafio contra o Orientalismo ao afirmar a “libertação” da Ásia [Tō-A no kaihō 東 亜 の 解 放 ], que obviamente significava a colonização da Ásia pelo Japão26. Conseqüentemente, para SUZUKI (2003:29), o império japonês não pôde ser formulado em uma lógica coerente de relações raciais ou de uma ideologia racial. No final, isso levou o Japão a uma doutrina e política coloniais inconsistentes, incapazes de justificar sua legitimidade como um império para si mesmo, para os colonizados e para o resto do mundo. Entretanto, é válido dizer que não há uma política colonial nem ideologia racial coerente, pois ambas são sempre um discurso plurivocal, ambíguo e inconsistente por sua própria natureza.

25 A questão do “Orientalismo e o Japão” será melhor analisada mais adiante, no capítulo 3. 26

Entretanto, isso não é tão óbvio assim, pois havia sim um ideal de independência, como por exemplo, a Indonésia.

O papel desempenhado pelos etnólogos profissionais associados ao Instituto de Pesquisa Étnica justificando a intervenção japonesa na Ásia durante o período pré-guerra até a Segunda Guerra Mundial foi analisado por DOAK (2001). A maioria dos etnólogos trabalhou juntamente com os principais oficiais militares e do governo para guiar os esforços do Japão imperial na construção da nação na Ásia. Ao “liberar” as pessoas da Ásia de suas identidades étnicas pela cidadania nos seus próprios Estados políticos, os etnólogos japoneses foram um apoio ativo às atividades imperialistas e militares do Japão. Depois da guerra até a perda do império japonês, esta tradição etnológica se voltou para o consumo doméstico e trouxe uma teoria cultural para a identidade japonesa que continuou o discurso pós-guerra sobre a nacionalidade como uma forma étnica de identidade distinta para a cidadania em um Estado democrático. Segundo o autor, alguns historiadores têm focado em como os mitos poderosos sobre o Japão, enquanto uma nação monoétnica informaram as linhas teóricas anteriores ao Japão em tempos de guerra, obscurecendo as heranças multiétnicas do imperialismo que foram deixadas ao Japão contemporâneo. A tentativa de repensar o Japão do período de guerra em termos das heranças do imperialismo é um debate importante e complicado sobre as relações entre a etnicidade, identidade nacional e democracia no Japão contemporâneo. Por trás das explicações históricas antiestatais sempre espreitaram conceitos alternativos de nacionalismo que, enraizados na identidade étnica, não eram meramente compatíveis com a ideologia dos tempos de guerra, mas realmente incentivaram a agressão de guerra mais eficientemente por parte do Estado japonês. A força agressiva do Estado japonês durante o período de guerra fez com que não se questionasse o papel de apoio desempenhado por milhões de japoneses comuns. Ao longo do espectro político, os sentimentos nacionalistas durante a guerra sempre foram étnicos e nesse sentido, realmente “além do Estado”. Ao descrever essas teorias de Estados Extremos como um esforço de “espoliar o passado”, o autor chama a atenção ao apelo mais durável e mais amplo da etnicidade como a fonte de um senso de identidade social que exerceu um importante papel durante os tempos de guerra no Japão ao sustentar o imperialismo. Mas, lamenta o autor, os historiadores e outros ainda estão longe de ter um entendimento completo. Parte da dificuldade em estabelecer uma perspectiva crítica sobre as funções da etnicidade durante o tempo de guerra no Japão vem do fato de que muitas dessas teorias sobre nacionalidade étnica sobreviveram à guerra e tiveram um profundo impacto sobre os estudos antiestadistas do pós-guerra e políticas populistas (DOAK 2001).

Este capítulo pretendeu traçar um panorama histórico do passado de guerra do Japão, focando nas questões raciais relacionadas à dominação imperial japonesa na Ásia na primeira metade do século XX. Esse período foi marcado por muita violência e abusos, para implantar o sistema imperialista japonês na Ásia que perdurou até 1945, quando o Japão foi derrotado na Segunda Guerra Mundial.

No próximo capítulo 2, apresentaremos uma visão geral sobre o aspecto da emigração japonesa desde o final do século XIX, durante a era Meiji e ao longo do século XX, na Ásia, nas Américas e no Brasil, que ocorreram concomitantemente a toda essa conjuntura histórica apresentada neste capítulo. Como o objeto de análise desta tese é a população brasileira de origem japonesa no Japão contemporâneo, que faz parte do cenário migratório internacional atual, vale discorrermos, ainda que panoramicamente, as principais questões referentes ao processo de deslocamento populacional dos japoneses no exterior, e principalmente, entre o Brasil e o Japão dentro de um contexto maior do período citado. Isso nos mostra, como diferentes fatos históricos, aparentemente díspares, podem estar ou ser conectados ou associados e, assim, nos oferecer diferentes leituras do passado histórico para se (re)pensar o presente.

A nossa hipótese nesta tese é que a relação de alteridade, baseada na superioridade do povo japonês – construída pelos japoneses em sua relação com os povos asiáticos colonizados durante o período aqui analisado – permaneceu como traço da cultura japonesa que está na base das relações de alteridade estabelecidas pelos japoneses com os atuais imigrantes brasileiros no Japão, assunto que será retomado na conclusão da tese.

Capítulo 2

Capítulo 2Capítulo 2

Capítulo 2

A Migração Japonesa

A Migração Japonesa

A Migração Japonesa

A Migração Japonesa

ao Exterior

ao Exterior ao Exterior

ao Exterior &&& ao Brasil& ao Brasil ao Brasil ao Brasil

泣きなさい、笑いなさい Nakinasai, Warainasai Chore, Ria

いつの日か、いつの日か Itsu no hi ka, itsu no hi ka Um dia desses, um dia desses

花をさかそう。 Hana wo sakasō Vamos desabrochar a flor.

Trecho de uma canção popular okinawana chamada “Hana”「花」(flor).

Este capítulo abordará o processo emigratório de japoneses para o mundo afora, sobretudo para a Ásia e Américas a partir do final do século XIX e ao longo do século XX. Este foi um período marcado por grandes deslocamentos populacionais da Europa para as Américas, bem como pelo contínuo processo imperialista ocidental e também pelo concomitante processo colonial que ocorreu em várias partes do mundo, sobretudo na Ásia e na África. Como vimos, o Japão inserido nessa corrida internacional, avançou com a sua campanha imperialista ao longo da Ásia. Ao mesmo tempo, o governo japonês

tomou como um assunto prioritário a questão da emigração japonesa. Os motivos mais recorrentes e citados são as questões de alta densidade populacional e a questão da pobreza relacionada ao repentino e intenso processo de modernização que o Japão passou a experimentar a partir da era Meiji.

Após um panorama geral sobre os movimentos migratórios japoneses na Ásia e nas Américas, passaremos a discorrer sobre a imigração japonesa ao Brasil e suas implicações para o debate racial brasileiro vigente nas primeiras décadas do século XX. Foi nesse mesmo período que se desenvolveu as relações de diversas naturezas entre o Brasil e o Japão, assim como o contínuo deslocamento populacional entre esses dois países.