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O Japão Moderno

2.4. Teorias de Assimilação

No início do século XX, os sociólogos americanos foram levados a colocar a migração como um problema, dada a crescente mobilidade populacional da Europa para os países do Novo Mundo, particularmente os Estados Unidos. Essa mobilidade, decorrente do crescimento populacional e das crises econômicas naquele continente, gerou um intenso debate político nos Estados Unidos, sobretudo tendo em vista a preocupação emergente nesse país com a constituição da sociedade frente à presença de imigrantes, debate este que ainda hoje é bastante polêmico.

O estudo pioneiro dentro dessa abordagem, a obra de THOMAS & ZNANIECKI

[1984(1918)], “The Polish Peasant in Europe and America” [O camponês polonês na Europa e América], influenciou fortemente os estudos posteriores de migração. Esta obra é considerada importante porque, embora trate de um objeto específico – os cerca de dois milhões de poloneses que migraram para a América entre 1880 e 1910 – os autores demonstram através desse estudo, como o processo de migração quebra os laços de solidariedade, particularmente o sistema familiar. Os estudos influenciaram o surgimento da Sociologia Urbana e da Sociologia do Desvio, temas retomados pela Escola de Chicago.

A Escola de Chicago desenvolveu as análises de THOMAS & ZNANIECKI em várias

direções. O foco destas análises estava nos processos de ‘adaptação’, ‘aculturação’ e ‘assimilação’ dos grupos imigrantes dentro da sociedade americana. Em outras palavras, aqueles que estudaram a imigração dentro da perspectiva assimilacionista estavam falando de mudança social. Esses teóricos acreditavam que a completa assimilação estrutural e cultural pudesse ocorrer, embora não fosse claro se isso envolveria a adoção de valores anglo-americanos. O termo “melting pot” passaria a se referir a esse processo de ‘assimilação’ e/ou ‘americanização’ dos imigrantes, não implicando, no entanto, no

29 Esta parte do texto se baseou numa apresentação feita por mim e pela co-autora Gláucia de Oliveira Assis, intitulada “Teorias de migrações internacionais” no XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), em Caxambu (MG), de 23 a 27 de Outubro de 2000. Veja ASSIS & SASAKI (2000). Texto disponível no site:

total abandono de seus valores e modo de vida, mas sim, em tornarem-se grupos cada vez mais amplos e inclusivos.

A maior crítica ao modelo clássico de adaptação dos imigrantes e às idéias de ciclo das relações raciais consiste no reconhecimento de que estes não era adequados para tratar a migração, pois não reconheciam as diferenças resultantes dos processos de colonialismo e imperialismo, que configuravam os vários fluxos migratórios. Neste sentido, os pressupostos colocados por esta Escola foram postos em xeque na medida em que o melting pot não se concretizou, pois, ao contrário, esses grupos se transformaram em ‘grupos étnicos’ afirmando suas distintividades.

Mas, afinal, o que é “etnicidade” que tanto compõe os tais ‘grupos étnicos’? Como o conceito de ‘etnicidade’ veio sendo elaborado?

SEYFERTH (2005:17-34) fez uma revisão teórico-metodológica em que apresenta as discussões que envolveram as noções da “etnicidade” e “identidade” 30, a partir do final dos anos 60, quando abriu espaço para a questão da identidade e seu papel no estabelecimento de limites intergrupais, tema ausente na literatura baseada no conceito de “assimilação”. O conceito de ‘etnicidade’ foi considerado como algo que se usa para entender os grupos sociais que estão inseridos num determinado contexto histórico, político, econômico, social, cultural mais amplo, tendo uma presença ubíqua (ou onipresente).

Quando se trata deste assunto, Max GLUCKMAN (1958) é evocado pela sua análise

antropológica de uma situação social na Zululândia moderna, onde fez sua pesquisa de campo na África urbanizada pós-colonial, em que havia tribos desestruturadas. Um outro contemporâneo de Gluckman foi MITCHELL (1956) que analisou os aspectos das relações

sociais entre os africanos urbanos no norte da Rhodesia31. Ele abordou sobre pessoas de procedências que não são as mesmas, mas sim próximas, e que se unem na cidade. Daí

30 Essa parte da revisão teórica-metodológica sobre o conceito de ‘etnicidade’ e ‘identidade’ se baseou no texto de Giralda SEYFERTH (2005:17-34), sobre a “Imigração e (Re)Construção de Identidades Étnicas”, assim como nas minhas anotações de curso sobre “Relações Interétnicas e Nacionalismo” ministrado pela própria autora, a quem sou grata, que fiz na condição de ouvinte, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil [PPGAS, MN, UFRJ], no 1º semestre de 2002.

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Rhodesia foi uma colônia britânica ao sul da África até 1964. Ela se refere ao território da Zâmbia moderna e Zimbábue (que se tornou independente em 1980).

vem a noção de ‘tribalismo’ em que dezenas de tribos se tornam uma só tribo – em torno do ‘Kalela Dance’ – a partir do contato com os colonizadores, nas minas, nas administrações coloniais britânicas, gerenciais etc.. Foi nesse ambiente da antropologia britânica, composto por primordialistas e instrumentalistas, onde Barth desenvolveu sua discussão sobre a ‘fronteira étnica’.

Fredrik BARTH, um norueguês com formação britânica, escreveu um texto sobre

grupos étnicos e fronteiras (1969) que foi muito importante nessa discussão sobre a ‘etnicidade’, à medida que ele destacou a organização social da diferença cultural, mostrando como os grupos étnicos são socialmente construídos e sujeitos a constrangimentos internos e externos. Nesse sentido, o autor enfatizou os limites étnicos e as categorias de atribuição na classificação de pessoas em termos de sua identidade básica mais geral, presuntivamente determinada por sua origem e experiência. Os críticos de Barth têm chamado a posição teórica de Barth de “perspectiva cognitiva de etnicidade”, à medida que enfatiza a atribuição e a percepção de categorias étnicas pelos próprios atores sociais (nos “nativos”). Apesar das críticas, o texto introdutório à coletânea “Ethnic Groups and Boundaries” (1969) é sistematicamente citado por quase todos os que trabalham o conceito de ‘etnicidade’ (SEYFERTH 2005:20). Depois, nos anos 1970, quando Barth entrou no debate antropológico, essa outra unidade de análise passou a ser os ‘grupos étnicos’. Nessa época houve muitos estudos sobre a realidade em transformação social, mas que não conseguiram escapar da noção de ‘contato’ – à medida que as pessoas analisadas viviam em cidades – uma noção que estava em voga, antes das idéias de ‘limites’ e/ou ‘grupos étnicos’ passarem a ser exploradas pelos antropólogos.

Curioso observar que não existe a palavra ‘etnia’ na língua inglesa. Assim, nota- se que não se faz a utilização do termo ‘etnicidade’ em Barth no original em inglês, podendo dizer, talvez, que isso seja uma invenção da tradução (para alguma língua latina como a francesa, portuguesa, espanhola). Nem Barth nem Abner Cohen utilizam o termo. Barth tenta fugir da noção de ‘tribo’ ou ‘tribalismo’ tão em voga nos anos 1960. Só mais tarde que passaram a usar a ‘etnicidade’ enquanto instrumento de análise antropólogico. Segundo o Dicionário HOUAISS (2001) de Língua Portuguesa, temos as seguintes

Uma outra crítica a essa perspectiva primordialista foi na direção de que a ‘etnicidade’ pode até ser um assunto afetivo ou não-material, mas a ‘etnicidade’ enquanto um instrumento não é a única coisa a ser considerada. A emoção e a afetividade não são necessariamente primordiais, pois há uma sociogênese clara e analisável. Por sua vez, os primordialistas responderam defendendo a idéia de que existem problemas não resolvidos e que são coisas essenciais na composição de identidade étnica.

A etimologia da palavra ‘étnico’ diz que vem do latim clerical ethnìcus,a,um que seria 'relativo aos pagãos', do grego ethnikós, derivada de éthnos 'povo'. Ver etn(o)-; fonte histórica do século XV da palavra ethnico.

Etn(o)- é um elemento de composição.

[1] É um antepositivo, do grego éthnos,eos-ous que quer dizer “toda classe de seres de origem ou de condição comum”, que se refere às idéias de “raça, povo, nação; classe, corporação”. [2] Segundo os antigos, essa palavra vem de éthos

que se refere a “costume, a saber, grupos de homens que têm os mesmos costumes”. [3] Ocorre já em vocabulários de origem grega,

como etnarca (ethnárkhés) e étnico (ethnikós). [4] Já em cultismos do século XIX em diante, surge em palavras tais como: etnia, etnicida, etnicídio,

etnobotânica, etnocêntrico, etnocracia, etnodicéia, etnofonia, etnogenealogia,

etnogenia, etnogeografia, etnognosia, etnografia, etnoidiofonia, etnolingüística, etnologia,

etnoludologia, etnometria, etnomusicólogo, etnonímia, etnônimo, etnopsicanálise, etnopsicologia, etnorreligioso.

A crença na idéia de ‘ancestralidade comum’ costuma configurar as ideologias de pertencimento. A ‘primordialidade’ é uma coisa que estabelece vínculos. Para tal a idéia de ‘parentesco’ é essencial na configuração grupal, isto é, os ‘grupos étnicos’ existem a partir dos laços existentes e fundamentais para a conformação do grupo. Entretanto, a questão é que isso não é suficiente. Posteriormente, muito da discussão sobre a ‘etnicidade’ foi reforçado nos anos 1960-70 por PARSONS & BALES (1955) que mostram a

importância da ‘família’. Eles estavam preocupados em ver como isso foi passado da mãe para criança, em termos de passagem de um conjunto de conhecimento das características do grupo. MOYNIHAN & GLAZER (1963), na sua análise sobre o melting pot, também

buscaram argumentos no sistema de parentesco americano para mostrar a centralidade da mãe na passagem de reafirmar os laços – por exemplo, a mãe italiana e a mãe judia. Nesse sentido, o foco de análise se pauta na noção de ‘parentesco’, que, por sua vez, é diferente da visão primordialista.

As diferentes prospectivas teóricas conduzem ao que JENKINS (1997) chamou de “modelo básico da etnicidade” na antropologia social. Isso se refere à diferenciação cultural (a identidade como dialética entre similaridade e diferença), portanto concernente à cultura e enraizada na interação social, não sendo mais fixa ou constante do que a cultura da qual é produzida e reproduzida. É coletiva e individual, externalizada na interação social e internalizada na auto-identificação social. Às vezes este autor foi criticado por sua “preocupação axiomática” com a formação do grupo no estudo da etnicidade, que encorajou a contínua reificação dos grupos étnicos e seus limites (JENKINS 1997:165-166).

Entretanto, Barth voltou ao conceito de ‘cultura’ para estudar o ‘pluralismo’, afirmando que o conceito de ‘etnicidade’ não pode ser usado como panacéia explicativa, sobretudo em contextos de grande diversidade cultural. Segundo BARTH (1984:80),

‘etnicidade’ é melhor utilizada enquanto um conceito de ‘organização social’, que nos permite descrever as divisões e as relações de grupos sociais, em termos de um seleto repertório de contrastes culturais que são empregados emblematicamente para organizar identidades e interações. Isto se remete aos argumentos de 1969, num trabalho sobre os problemas em conceituar o pluralismo cultural, com ilustrações de Somar, Omã (1984). Partindo dos dados empíricos, Barth problematizou o conceito de ‘pluralismo’ e afirmou

a importância da teoria cultural. Assim, destacou as inter-relações e as condições de perpetuação das culturas e não apenas das identidades; lembrando que a ‘cultura’ é socialmente construída e arbitrária e os ‘grupos étnicos’ são contingentes mutáveis, produtos da interação social e de processos classificatórios.

Barth discute sobre a noção de ‘grupo étnico’ a partir da idéia de ‘fronteira’, no sentido de que “o que importa é a cesta e não o que se está carregando nela”. Para ele, a ‘fronteira étnica’ seria o limite colocado pelos traços de um grupo que tenha algum laço de pertencimento entre os seus membros. Barth estava estudando um grupo muito mesclado num espaço delimitado e um grupo relativamente pequeno, preocupado em observar como, apesar das diferenças, as pessoas se relacionavam. A partir disso, pode-se dizer que alguém é julgado segundo o padrão do grupo, sob critérios relevantes para aquela determinada identidade. Entretanto, fronteira não é um simples traço. Fronteira é o que separa um do outro. Só existe fronteira em oposição ao outro. A fronteira é necessariamente relacional. Isto é, só ocorre na interação com pessoas que não sejamos nós mesmos ou com o ‘Outro’, isto é, com aquele que não tem as características requeridas para serem identificadas como sendo o seu par. Assim, pela idéia de ‘aculturação’, o indivíduo, mesmo passando ou incorporado a outra sociedade, continua pertencendo ao grupo. Assim, Barth reifica32 a noção de ‘grupos étnicos’. A questão da ‘fronteira’ associada à da ‘identidade étnica’, descarta a velha noção de que ‘grupo étnico’ seria uma unidade com cultura singular. Isto porque a dinâmica social não supõe necessariamente a existência de uma só cultura – como o Japão, por exemplo, insiste.

Podemos dizer então que tanto Barth quanto Jenkins chamaram atenção para: [a] o conteúdo cultural da etnicidade, que envolve categorização e construção de diferenciação e da similaridade cultural, e [b] a importância da ‘história’ (tão essencial quanto o ‘presente etnográfico’), não no sentido de descobrir a origem das tradições e seus conteúdos, mas de perceber a natureza da sua continuidade (BARTH 1984:86 apud

SEYFERTH 2005:23).

Em “The Lesson of Ethnicity”, Abner COHEN (1974) diz que as formas de

apropriação das noções de ‘etnicidade’ e ‘identidade’ variam bastante, sobretudo porque

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“Reificar” é encarar (algo abstrato) como uma coisa material ou concreta; coisificar; transformar em coisa. Assim, o autor quer dizer que é preciso tratar o ‘grupo social’, ou no caso aqui, o ‘grupo étnico’ enquanto ‘coisa’, que por sua vez, configura um critério ou metodologia de análise antropológica.

“cada caso é um caso”. Na expressão de Cohen (1974): “mas ao mesmo tempo, o caráter genérico dos fatos étnicos deixa as definições e os conceitos um tanto frouxos”. A aparente elasticidade dos conceitos, sua ubiqüidade, contudo, apenas reflete a complexidade desses fenômenos e a ênfase de cada autor nos aspectos mais evidentemente associados à elaboração dos limites simbólicos determinantes do pertencimento comum. Abner COHEN (1969, 1974) afirmou que a ‘etnicidade’ é

instrumental – a ‘solidariedade étnica’ e a ‘identidade’ não são simples modos de categorização nas estratégias para ação corporativa.

A perspectiva ‘instrumentalista’ – rótulo aplicado a abordagens como a de Cohen – se confronta com o de Charles KEYES (1976) que tem uma percepção primordialista da

etnicidade, que se apega aos “fatos do nascimento” – isto é, aos significados atribuídos aos laços biológicos e territoriais (SEYFERTH 2005:21). Keyes critica Barth apontando que a concepção dele (1969) está longe da concepção de ethnos, que, para Keyes, é a partir da qual deriva todas as outras concepções. Barth fala que não se pode confundir ‘grupos étnicos’ com ‘cultura’, pois assim estaria reduzindo os conceitos. Mas Keyes retorna à questão da ‘cultura’, tentando buscar aí aquilo que ele considera ‘primordial’ nas relações humanas. Keyes não é exatamente um adepto do determinismo biológico, apesar de ter tido influência da biologia e teorias sociobiológicas, assim como toda uma geração de pensadores. Mas de todo modo, ele afirma que são as atribuições biológicas como o fato do ‘nascimento’ e ‘descendência’ que seriam os marcadores dos grupos étnicos e isso varia de sociedade para sociedade, pois isso depende da cultura. Em outras palavras, para Keyes, os ‘grupos étnicos’ não podem ser definidos apenas pela cultura. Para ele, o que vale é a ‘descendência’, o ‘nascimento’ e o ‘casamento’. Assim, todas as sociedades que se pretendem ser étnicas estariam acopladas à idéia de nascimento e descendência. É isso que Keyes chama de ‘laços primordiais’ das relações humanas. As críticas que Keyes recebeu foram em torno do conceito desprovido de construção social que não pode ser reduzido simplesmente à questão da etnicidade e afetividade, embora esses aspectos sejam importantes. Afinal, a ‘etnicidade’ é muito mais do que o fato de nascimento e descendência. De um modo geral, havia uma tendência nas Ciências Sociais para embarcar na onda do determinismo biológico, mais uma vez. Deve-se atentar que as teorias sociobiológicas não foram colocadas todas no mesmo período. Essa linha teórica

nasceu na mesma época de Barth, Abner Cohen, Geertz, no final dos anos 1960 e se desdobram nos anos 1970-80, tendo implicações até hoje.

Por sua vez, Jonathan OKAMURA (1981) defendeu a noção de ‘etnicidade

situacional’. Ele procurou mostrar que em sociedades plurais, a ‘identidade étnica’ varia seletivamente, dependendo da situação social em que os indivíduos se encontrem. Essa noção (de ‘etnicidade situacional’), bem como a de ‘identidades múltiplas’, apenas reafirma um fato óbvio – mas o óbvio não é obvio: “a etnicidade pode ser relevante em algumas situações sociais mas não em todas”. A variedade na afirmação da identidade étnica pode depender da situação social imediata, o que relaciona esta variabilidade à percepção que o indivíduo tem da situação. Estão implícitas aí duas dimensões de ‘etnicidade’: [a] uma ‘estrutural’ – que aponta para o significado variável de ‘etnicidade’ como princípio organizador das relações sociais – e outra [b] ‘cognitiva’ – que enfatiza a percepção subjetiva dos indivíduos acerca de uma situação, tendo em vista a sua compreensão dos símbolos ou signos culturais e seus significados na atribuição de categorias étnicas. Existem situações em que um indivíduo tem interesse em obscurecer sua identidade étnica; em outras procura enfatizá-la em seu comportamento, portanto, varia conforme as circunstâncias e suas escolhas dependem dos constrangimentos que derivam das relações sociais.

KAHN et alii (1983) fizeram um estudo de minoria, no qual eles usam a expressão

“identidades múltiplas” para mostrar que os diferentes componentes da identidade étnica se alteram no tempo histórico e nas mudanças de situação social, em contextos de escolhas obrigatórias em que os constrangimentos estruturais vêm tanto do interior do grupo como de fora.

Para SEYFERTH (2005:22), os indivíduos têm mais de uma identidade, mais de um

comprometimento, interagem em vários subsistemas culturais. Isso é evidenciável, por exemplo, na segunda e terceira gerações de imigrantes, em que a disjunção entre a identidade individual e a coletiva pode ser melhor percebida. No caso aqui, podemos remeter-nos aos nisseis 二世 e sanseis 三世 – respectivamente os filhos (1ª geração) e os netos (2ª geração) de imigrantes japoneses no Brasil. Ou então aos brasileiros no Japão atual.

As identidades com hífen, que remetem a um duplo pertencimento, são outro exemplo de conciliação de categorias múltiplas de identificação, como argumenta Jeffrey LESSER (2001) ao discutir sobre a negociação da identidade nacional dos imigrantes e

minorias na sua luta pela etnicidade no Brasil, focando sobre sírios, libaneses, japoneses, chineses e judeus. A noção de “identidades múltiplas”, portanto, remete à heterogeneidade, à diferenciação interna marcada por clivagens regionais, religiosas, de classe, geracionais, etc. O caso dos japoneses e seus descendentes no Brasil é um exemplo dessa dinâmica classificatória. A categoria étnica mais geral – “japonês” – é construída internamente por oposição aos outros, ancorada em distinções culturais. Essa discussão será retomada mais adiante.

Seyferth atentou que existem outras categorias, assinaladas pelos estudiosos dessa imigração japonesa no Brasil, como Francisca VIEIRA33 (1973) e Tomoo HANDA (1987) – como as categorias que opõem os imigrantes provenientes do arquipélago japonês (naichijin) e das ilhas Ryūkyū (okinawajin)34, assinalando diferenças culturais e fenotípicas. Podemos considerar isso uma extensão das práticas imperialistas que vinham desde os tempos de guerra da primeira metade do século XX, ou que estão referidas às diferentes gerações que também operam com critérios de menor ou maior aproximação com a sociedade brasileira. No caso do ‘japonês’ (naichijin) versus ‘okinawano’ (okinawajin) – são distinções categóricas feitas dentro do grupo chamado de “imigrantes japoneses no Brasil”. Quando os migrantes chegam ao Brasil, de diferentes procedências dentro do próprio país de origem [como por exemplo, de diferentes 47 províncias ao longo do Japão], eles são acachapados burocraticamente como tal: “japoneses”. O mesmo deve ocorrer em outros grupos nacionais migrantes, como os italianos, portugueses de diferentes regiões dos seus respectivos países e que ao chegarem aqui no país de destino, no caso o Brasil, o que era heterogêneo na sua origem, vira homogêneo no destino,

33 A biblioteca de antropologia social do Museu Nacional [PPGAS, MN, UFRJ] leva o nome de Francisca Isabel Schurig VIEIRA, autora do livro O Japonês na Frente da Expansão Paulista (1973). Ela foi professora de antropologia social nessa escola. Isso significa dizer aos interessados em estudar sobre os japoneses em São Paulo nesse período dos anos 1960 a 1970, que nessa biblioteca certamente há importantes livros e documentos sobre o tema, uma vez que a antropóloga Francisca Vieira pesquisou o processo de absorção do japonês em Marília (SP), na região da alta Paulista no Estado de São Paulo, de junho de 1964 a julho de 1966.

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Mais adiante, no capítulo 5 sobre as minorias no Japão, a questão dos ryukyuanos / okinawanos, na qual essas distinções com os ‘japoneses propriamente ditos’ permeiam os conflitos de diversas naturezas.